QUANDO O CARGO TE COBRA TATO E EMPATIA - RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA
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QUANDO O CARGO TE COBRA TATO E EMPATIA - RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA

No contexto das relações de trabalho, muitas vezes nos deparamos com a necessidade (e por que não dizer o direito) dos colaboradores desabafarem ou mesmo reclamarem, criticarem! E nesta situação cada qual o faz a seu modo, à sua maneira, sendo bem verdade que nem todos têm o tato e o bom senso de escolher oportunidades e locais mais adequados para tanto. É algo com que, não raro, convivem aqueles que exercem cargos que possuem certo grau a mais de hierarquia em relação aos demais.

 É preciso servir-se de muita diplomacia, tato, ter muito "jogo de cintura" e empatia para lidar com este tipo de evento.

 Em minha trajetória profissional, passei por uma empresa que a despeito de todos os esforços que vinha realizando no sentido de contornar uma crise de âmbito setorial de mercado, não estava logrando êxito em esquivar-se de quedas cada vez mais expressivas em seu faturamento. O forte estrangulamento na liquidez forçou-a a tomar medidas extremas para equilibrar o fluxo de caixa, tais como o corte de verbas para diversos processos internos, o fechamento de filiais e a demissão de colaboradores.

 Nesse período, os atrasos no pagamento da folha de pessoal eram longos e constantes, gerando insatisfações e um clima pesado na empresa. Estávamos "sobrevivendo" à custa de vales semanais e o pior de tudo é que esses adiantamentos não eram feitos para todos de uma maneira geral e equitativa. A Administração e o Departamento de Pessoal, segundo critérios próprios, faziam o rateio da pouca verba disponível, segundo a gravidade e a urgência de cada caso. Alguns, por vezes, ficavam sem!

 Na época em questão, eu supervisionava uma equipe formada por pessoas simples, numa faixa etária média de 35 anos, a maioria pais de família e que dependiam exclusivamente dos salários da empresa para levar o sustento aos seus. Não se podia exigir de todos a mesma temperança, equilíbrio e bom senso no discernimento de que a situação fazia parte de uma conjuntura geral, e que difícil, quando não impossível, se fazia apontar um único motivo, uma única culpa, um único responsável. 

Era frequentemente interpelado de várias formas e em locais dos mais inusitados...

Desta forma, ouvi muitas coisas e fiz que não ouvi muitas outras... 

Alguns mais exaltados por vezes extrapolavam, imaginando que eu tinha por obrigação a solução imperativa e imediata de todos os seus problemas e acreditando mesmo, que isso estivesse incondicionalmente ao meu alcance! 

Outros vinham a mim e literalmente escancaravam suas vidas particulares à procura de conselhos, desabafando sobre as necessidades pelas quais estavam passando... Contavam das dificuldades que estavam enfrentando para colocar comida na mesa, pagar suas contas, lidar com problemas de saúde em família, adquirir materiais escolares e até sobre desavenças com esposa e filhos, geradas em decorrência do clima de instabilidade, insatisfação e insegurança pessoal... 

Havia também aqueles para os quais "não existia tempo ruim" e que tudo enfrentavam com bom ânimo e otimismo! Pareciam adquirir sua força e equilíbrio para superar a situação justamente consolando, encorajando, animando os demais, e por vezes até, pacificando-os. Confesso que deixava-me contagiar mais por esses! 

De fato, havia uma diversidade de reações e comportamentos diferenciados em resposta ao revés pelo qual estávamos passando, mas o que, hoje, realmente me chama a atenção, é o fato de que inegavelmente podia-se triar o pessoal em dois grupos distintos: Um, formado por aqueles que, a despeito dos percalços e das dificuldades, continuavam mantendo incólumes seus princípios, sua fidelidade, sua honra, suas responsabilidades e sua idoneidade. Outro, pelos que talvez por imaturidade, projetavam em seus serviços, de maneira negativa, os reflexos de seu caráter fraco e despreparado, agindo com indolência, displicência e negligenciando obrigações assumidas, como se fossem esses procedimentos mesquinhos e pequenos, a alavanca que impulsionasse a empresa à tomada de decisões que milagrosamente resolveriam a situação. 

Me perdoem esses últimos, mas parecia-me uma maneira um tanto quanto infantil e inócua no sentido de chamar a atenção sobre si, sobre os problemas que estavam acontecendo consigo! Aos primeiros, rendia minha admiração e era com eles que me identificava. 

Foi uma época difícil, um período desgastante, mas que trouxe suas recompensas na medida em que consegui fazer ver a alguns, o fato de que nem sempre as coisas estiveram como naquele momento e que por uma série de contingências passávamos por dificuldades alheias à vontade e aos princípios da empresa, as quais somente seriam superadas se déssemos as mãos e lutássemos juntos. 

Não fora esta mesma empresa que até então suprira a contento nossos anseios quanto ao provimento de nossas necessidades? Não fora ela que nos acolheu quando do desemprego? Não caberia agora, então, em contrapartida, ao menos um voto de credibilidade, de confiança? 

De maneira nenhuma faria eu apologia a subserviência cega e ao conformismo barato, porque há situações reais em que não vale a pena e não se pode dar um voto de confiança à empresa, mas acreditava e continuo acreditando, na necessidade de se ter um pouco de consciência de corpo, de unidade! 

Então, longe o masoquismo! Mas se tínhamos que tomar atitudes era preciso lembrar de que éramos, cada um, elos de uma corrente, dentes de uma engrenagem; e então, optar por aquelas quais fossem inteligentes, positivas e que promovessem a estabilidade e o crescimento do todo através das iniciativas individuais em sintonia entre si. E era essa a mensagem que eu tentava transmitir para meus subordinados. 

Estando o corpo submerso em água, de que valeria isoladamente a rebeldia de umas poucas células ou o esforço desmedido de outras tantas; se o que seria preciso para ir à tona, ao menos uma derradeira vez para pelo menos gritar por socorro, seria a união de todas, alinhavada pela mente e pelo espírito firmados num único propósito: a vida?! 

Atos de sabotagem disfarçados de sintomas de inconformismo era opção que decididamente não nos faria progredir. Muitos, por essa razão, foram dispensados! 

Passei, também, por muitas dificuldades! Acreditei, apostei, paguei para ver e como "não há bem que nunca se acabe, nem mal que para sempre perdure", após uma concordata e longo tempo de recuperação, a empresa conseguiu se restabelecer operacional e financeiramente. Muitos, abandonaram o barco antes da chegada ao porto; mas, longe de culpá-los por isso, porque cada qual tem seu limite; cada qual, baseado nos parâmetros estipulados por sua vivência e experiências únicas, decide quando é hora para o quê. Alguns acabaram perecendo, mergulhados no desemprego; outros, pisaram em terra firme, onde, brotaram as sementes de seus esforços. 

Aqueles que optaram por permanecer, finalmente, aportaram numa situação de bonança e estabilidade. Hoje, me admira a calma, o equilíbrio emocional, a perseverança e a fé que tive durante aqueles piores momentos. Me alivia que os subordinados que influenciei e que me acompanharam nesse barco, tenham tido também o seu reconhecimento. Em sua grande maioria, até hoje nos correspondemos e trocamos experiências através das redes sociais. 

E você? Caso sua empresa atual passasse pelo mesmo infortúnio, estaria disposto a despender os mesmos esforços?

 

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