Quando uma simples entrega ensina lições para toda a vida...
Quando minha sexta-feira tinha tudo pra acabar em caos, colecionei mais uma história da série #PequenasCoisas que mudam o dia e trazem aprendizados valiosos...
Essa semana eu tinha uma compra para receber em casa e, na quinta-feira, recebi um contato do fornecedor informando que a transportadora tentou entregar e não conseguiu. Que a entrega seria reprogramada para o dia seguinte e que eu deveria permanecer no local para evitar desencontros.
Ok, lá fiquei eu de castigo... Geralmente eu saio para almoçar na minha mãe, mas como o caminhão não apareceu antes do almoço, fiquei em casa mesmo (e com um rango meio boca, porque não estava preparada para tal).
Foi chegando o fim do dia e nada... Quando eram 17h, entrei em contato com a central e informei que o entregador ainda não tinha aparecido. Disseram que o status é de que ainda estava em rota de entrega. Comecei a duvidar, mas ok.
As coisas tem sido meio insanas por aqui na última semana... O trabalho com tudo pipocando ao mesmo tempo e um projeto emergencial na mão enquanto a bisa está na UTI sem sinais de melhora, a cabeça a mil, mínimas horas de sono, pressão alta e uma bagunça generalizada na mente... A combinação perfeita pra fechar a sexta-feira com o espírito lá embaixo.... E quando a entrega não chegou até 18h, nem me importei dado o cenário cheio de outras coisas mais preocupantes.
Mas era como se meu estado de espírito confirmasse um negativismo geral no ar (sem contar o que já se instalou há cinco meses com Covid-19 e nossa política brasileira "fantástica").
Eis que 18h17 o interfone toca... Um senhor muito educado pergunta por Letícia e diz que tem minha entrega em mãos. Maravilha!
Sabendo que o pacote é grande e pesado (era um ar condicionado - a evaporadora e a condensadora), desci logo com o controle do portão automático em mãos para que ele pudesse entrar com o carrinho pela rampa. Meu prédio tem escadas logo na entrada e não seria moleza já começar por elas, sabendo que depois teríamos que encarar as escadas do bloco, já que não temos elevadores.
Mas é claro, bagunça pouca é bobagem, então Murphy veio me visitar junto com o entregador... Meu controle automático tem falhado há uns dias e eu estava pra arrumar. Mas mesmo com dificuldades ele funciona. Ontem, é claro, não funcionou. Estava o entregador pra fora e eu pra dentro, desesperada que ele ia ficar bravo com a minha demora em abrir. Afinal, a maior parte das vezes é assim: se você leva mais de um minuto para atender, o entregador já fica puto da vida, ainda mais em tempos de pandemia em que não se pode sair e eles estão trabalhando três vezes mais.
Sem graça, pedi desculpas ao entregador e disse que ia emprestar o controle da vizinha pra ele não ter que descer pela escada. Bati na vizinha - oi, carinho no cachorro, risada e lá se vão mais dois minutos inteiros -, pedi o controle e, como o marido dela estava fora com o carro, ela me emprestou um reserva que não tinha certeza se estava funcionando...
Lá fui eu e... nada! Não abriu... Aí parti pro plano C... Desci a rampa, subi as escadas e toquei na outra vizinha... Mais dois minutos inteiros até ela chegar no interfone e atender. Pedi por ali mesmo se ela poderia abrir o portão para descermos com a entrega. Gentilmente ela me atendeu e enquanto abria o dito cujo portão, engatei papo com o entregador para que ele ficasse "de boa", já que não sabia que ainda teríamos escadas e nenhum elevador.
Pra minha surpresa, aqueles quase sete ou oito minutos totais não o irritaram e ele permanecia simpático. Lembrando: eram 18h25 de uma sexta à noite gelaaaada, ele não tinha ajudante, a entrega era pesada e ele ainda precisava encarar a estrada para voltar pra casa e sua família...
Fomos conversando até a entrada do bloco e eu logo me preparei para o ajudar a subir com os "trens". Mas pergunte se ele deixou?! Não! Ele já devia ter uma idade um pouco mais avançada. Talvez não ainda 60, mas já estava ali na casa dos 50 facilmente. Mas não me deixou fazer zero esforço. Subiu primeiro a evaporadora, mais leve, e depois com toda calma do mundo me disse "agora vou demorar um pouquinho pra subir, mas já chego, ok". Reforcei meu pedido para ajudá-lo, mas ele não permitiu. Se ajeitou de modo que pudesse usar os degraus como apoio e veio, firme e forte. Era óbvio que não estava fácil, mas ele cumpriu a missão até o fim.
Ao entrar, ajeitou as caixas com todo cuidado no local indicado e se preparou pra sair. O acompanhei até o portão e fomos o caminho todo conversando, falando sobre o que tem sido o tema mais em pauta em situações como essa: o frio, covid e política brasileira...
Nessa breve caminhada ele comentou que em sua rota faz cerca de 40 cidades por mês, em média. Que saiu de um calor de 32 graus na quinta para aquela noite gelada de 9 ou 8 graus na sexta (ele e todos nós, diga-se de passagem, rs). E que apesar de todas essas andanças, ele não reclama!... Se despediu e seguiu para o caminhão de entrega, onde ainda ia encarar um belo trecho até seu lar e sua família. Já eram 18h30 ou mais. Detalhe: antes de ir ele sorriu com os olhos e me desejou uma boa noite...
A pandemia nos ensinou que não sorrimos apenas com a boca. As máscaras as cobriram, mas ainda temos a incrível capacidade de sorrir com os olhos.
Quando ele saiu, uma dose cavalar de trabalho ainda me esperava. Mas de alguma forma fiquei congelada (e não foi pelo frio), refletindo um tempo sobre tudo aquilo...
Então veja... Eu tinha uma semana emocionalmente, fisicamente e mentalmente difícil em mãos (e que ainda estava longe de acabar). Não reclamei abusivamente, mas achei ruim não almoçar na minha mãe e ficar aqui esperando uma entrega que não chegava. E estava me dando por vencida por toda negatividade corrente no fim do dia...
Mas aí esse senhor chega e me joga aquele balde de realidade.
Esse cara é quase do grupo de risco e segue trabalhando. Enfrenta todos os dias a Covid-19 e uma série de outros riscos: covid, assalto, sequestro, cliente chato/ausente/reclamão, LER oriunda dos esforços físicos de suas entregas, acidente de trabalho, acidente de trânsito, horários estendidos, tráfego e sabe-se lá Deus quantas coisas mais que nem temos ideia. Era uma sexta gelada, passava das 18h e depois de uma semana inteira ele seguia em seu ofício com simpatia, tranquilidade e bom humor, uma educação impecável e uma eficiência e agilidade como poucos.
Esse gesto tão simples de não ceder ao negativismo mudou totalmente o meu dia e minha semana. Eu, que estava quase prestes a ceder, fui resgatada por esse exemplo de ser humano, como pessoa e como profissional.
Enquanto isso, todos os dias tem uma carga de entregadores trabalhando por aí com um humor do cão, enquanto tantos outros estão desempregados e tudo que gostariam é uma oportunidade de ocupar aquela posição. Enquanto isso, tem uma infinidade de pessoas que passa horas na fila da Caixa para sacar o auxílio emergencial - reclamando sobre tudo na vida - sendo que está há mais um ano sem tentar um novo emprego. Enquanto isso tem gente que parece que está fazendo o sacrifício de trabalhar, como se aquilo fosse o pior castigo do mundo, ao invés de ser grato por ter um emprego em um momento tão difícil para a economia mundial e para tantas pessoas que não tiveram a mesma oportunidade.
Percebe a diferença?
Nem sempre dá para resgatar quem está do lado negro da força. Até porque a primeira máxima do resgate é que a pessoa precisa querer ser resgatada. Apesar disso, seguimos tentando.
No entanto, o que dá para fazer é valorizar quem se destaca e transforma o seu dia de um jeito bom no meio de todo esse caos. E foi o que esse senhor fez comigo. Só me arrependo de não ter perguntado seu nome, o que é uma falha comum minha, porque saio conversando com todo mundo sem nem perguntar o nome antes, rs...
Mesmo sem ter um nome, esse cara iluminado traz consigo lições incríveis para serem aprendidas ou mesmo relembradas. E aí está o segredo: é tao básico que não deveria nem ser uma lição. Mas nós, seres humanos, temos convivido tanto com o complexo que deixamos o básico para trás mais vezes do que gostaríamos...
Até aqui você já deve ter notado várias lições valiosas, certo?
Mas caso não o tenha, vou te ajudar! Separei quatro pontos especiais para destacarmos:
- Educação nunca fez mal a ninguém
- Espalhe positividade e não negatividade
- Ao invés de reclamar, seja grato
- Busque a excelência prática
- Sorria, sempre que puder
Vamos à eles...
Educação nunca fez mal a ninguém
Aqui é preciso entender algo muito importante: ser educado não significa ser simpático. Já vi pessoas extremamente frias e fechadas se mostrarem um poço de educação. Bom dia, por favor, com licença e obrigado não precisam de anos de escola para serem ensinados.
Trate os outros como gostaria de ser tratado, com o mínimo de respeito. Se sua situação familiar não é das melhores e você acredita que é uma vítima do sistema, tenho uma notícia pra você: o sistema é uma droga sim e nem toda família merece o significado da palavra, mas está só nas suas mãos mudar essa realidade. É você que escolhe permanecer neste estado e alimentá-lo, ou começar pequenas transformações que podem mudar completamente a sua realidade. Mesmo que seja com uma postura mais educada e gentil na rua ou no seu trabalho.
Respeito é a base de convivência em qualquer meio. Até mesmo os animais entendem isso melhor que o ser humano.
E não tem fórmula matemática aqui não. É tão simples quanto respirar. E se você combinar as duas práticas - respiração e respeito - ganha até mais tranquilidade e paz interna de brinde no pacote.
Espalhe positividade e não negatividade
Quando há tanto acontecendo, o caminho mais natural em qualquer meio é a proliferação da laranja podre. Coloque um fruto podre em um cesto de frutos saudáveis e ele rapidamente contaminará os outros. Coloque um fruto saudável em um cesto de frutos podres e dificilmente o contrário acontecerá.
O mesmo se repete com pessoas. A diferença é que estamos mais para a multiplicação de células. apesar das podres se proliferarem, as boas também podem fazê-lo! Ao contrário do fruto, somos seres dotados da incrível capacidade de escolher, que nos permite tentar promover mudanças ou mudar de cesto.
Na maior parte dos dias encontraremos cestos mistos aí no mundão afora. E terá de tudo nele. Seja qual for o seu cesto, não seja um fruto podre. Não ajude a deixar o dia de alguém pior ou espalhe negatividade. Seja luz, seja paz, seja calma. Já temos coisas ruins demais para lidar no mundo.
E tem mais: esteja pronto, porque você pode ser uma pessoa positiva e nem todo mundo vai retribuir isso, mas não é culpa sua! Eu tento, diariamente, ser alguém educada. Nem sempre a mesma educação volta na fila do mercado, por exemplo. Mas aquilo não tem a ver com você, então não se deixe contaminar.
E aprenda a entender que nem sempre uma pessoa que não retribui uma simpatia o faz por maldade. Todo mundo enfrenta batalhas diárias que desconhecemos e não cabe a ninguém julgar.
Ao invés de reclamar, seja grato
Muitas vezes há tanto a agradecer, mas focamos apenas nas coisas ruins e negativas. E isso se torna um ciclo no qual você é apenas mais um escravo. A diferença é que, na escravidão, você é uma vítima de um sistema injusto e cruel. Mas na reclamação, a culpa é só sua e você é o único responsável pela sua própria prisão.
Ao invés de reclamar sobre tudo, aprenda a ser grato pelo que você tem. Claro que você vai reclamar de vez em quando. Somos seres humanos! É quase uma parte natural do que representamos no mundo. Mas como a lógica em qualquer coisa, em excesso faz mal. Par você e para quem está ao seu redor.
Reduzir a reclamação e observar mais o lado bom é uma atitude que exige prática diária para se tornar um hábito. No começo é difícil, penoso. Mas depois se torna um combustível de evolução em sua jornada.
Quando você reclama menos e olha mais para o que deu certo, começa a perceber quais padrões valem a pena ser repetidos e quais precisam ser descartados. Veja o exemplo do entregador: aquele que reclama porque o cliente demorou a abrir a porta provavelmente terá uma redução cada dia maior em seu nível de paciência até que vai reclamar de ter que descer da moto. Isso gera reclamações, que geram problemas com a chefia, que geram uma série de outros mal estares a serem resolvidos e reduz sua produtividade absurdamente, além de eventuais problemas de saúde como estresse, hipertensão, depressão, entre outros.... Já o entregador paciente entende que a espera no portão pode ser compensada com agilidade em outros pontos e que o simples fato de não trabalhar "pilhado" já vai render uns bons anos a mais de vida em sua saúde.
Busque a excelência prática
Quando o entregador não me deixou ajudá-lo com as caixas, provavelmente não foi apenas um gesto de gentileza. Foi precaução profissional. As caixas eram pesadas. Se eu carrego do jeito errado e dou um mal jeito nas costas, qual o tamanho do problema que ele poderia enfrentar? Desde um "não foi nada" até um processo judicial, os riscos são grandes. Então o que ele fez nada mais foi do que manter-se profissional e evitar riscos. O que não quer dizer que ele não tenha aplicado uma dose de gentileza, claro.
Mas é um fato que, não tendo um ajudante, a entrega seria desafiadora. Então o que ele faz? Se prepara! Busca a melhor técnica para evitar ao máximo a complexidade. A caixa mais pesada tinha alças, então ele usou como ponto de força e subiu degrau por degrau apoiando a caixa a cada passo.
Ou seja: ele pensou em uma maneira de buscar a excelência na entrega, manipulando o item com cuidado e zelo, mas sem transformar essa excelência em algo absurdamente complexo. A situação exigia praticidade, e ele assim o fez.
Quantas vezes no seu trabalho você tenta dar o seu melhor fazendo tudo de um jeito muito mais difícil? Faz sentido ter excelência se ela se transforma em um pequeno monstro para ser alimentada?
Falo com conhecimento de causa, pois muitas vezes eu transformei a excelência em um pequeno Frankstein. Mas aí a vida te ensina que para funcionar bem, a excelência deve ser prática! Para o cliente, para a equipe e, principalmente, para você.
Mesmo que você tenha uma capacidade de adaptação enorme, não sacrifique apenas o seu lado para viabilizar a excelência. Ou é um esforço coletivo, ou não faz sentido.
Sorria, sempre que puder
Este é mais um dos pontos que merece atenção.
Quando se fala em sorrir, tem gente que já pensa logo em uma boca cheia de dentes... Mas não é apenas de dentes que é feito um sorriso. O dicionário ensina:
"Sorrir: 1) (verbo) rir sem fazer ruído, dar ou dirigir sorriso(s); 2) (intransitivo e pronominal) transparecer (algo) de modo agradável, mostrar-se radioso"
Não importa se você sorri com a boca, o nariz, as mãos, os olhos, ou os dedos dos pés. Apenas sorria. Pesquisas indicam que pessoas que sorriem muito durante a vida tem uma expectativa de 5 a 7 anos mais longa, além de um montão de outros benefícios (matéria completa aqui):
1. Sorrir libera substâncias químicas associadas ao bem-estar
2. Sorrir estimula o sistema imunológico
3. O sorriso alivia a tensão física e o estresse
4. O sorriso faz bem para o coração
5. Um sorriso pode reduzir a ansiedade e o medo
6. Compartilhar um sorriso gera relações de confiança
7. Sorrir ajuda a resolver conflitos
8. Um sorriso atrai mais pessoas para perto de você
9. Sorrir inspira comportamentos positivos
10. O sorriso interno é o melhor remédio da mente
Mesmo as pessoas mais duras, fechadas e frias podem encontrar, ao seu modo, maneiras de sorrir. Se você já leu "Vidas Secas", de Graciliano Ramos, sabe o que é uma história sofrida, que exala areia seca até mesmo pelas páginas corridas com as pontas dos dedos. Mesmo assim, de maneira própria e única, você consegue "sentir o sorriso" das personagens ao longo da história em pequenos comportamentos.
Sorria mais. Em tempos de máscaras na cara nunca precisamos tanto demonstrar sorrisos de todas as maneiras possíveis.
Implantação de folha de pagamento | Analista de Suporte Sênior | Consultoria | Tecnologia da Informação | SQL | Oracle | Departamento Pessoal | Encargos | Folha de Pagamento | Consultoria de Implantação de Sistemas
4 aOiii Lele! Lindo seu artigo! Lindo exemplo que aparece do "comum" para nos lembrar que dá sim, pra ser melhor, mesmo quando parece não haver motivos nenhum pra isso. Adorei!
Coordenadora de Recursos Humanos | Tech Recruiter | DHO | Gestão de Pessoas
4 aAdorei Le, esse texto nos trás à tona os momentos que devemos ter mais gratidão. Todos temos uma história e/ou dificuldade por trás de cada trabalho, de cada dia, então devemos retribuir sempre com sorriso no rosto e com mais valor!
Planejamento Financeiro
4 aParabéns Letícia lindo artigo, reflexões que no dia a dia deixamos passar pela vida agitada que levamos.