R$ 1,00 de Cordialidade

R$ 1,00 de Cordialidade

Algo aconteceu em 2000, em uma de minhas férias da escola, não sei te dizer ao certo se foi em janeiro ou em julho, mas eu e minha mãe havíamos viajado para o interior, havia uma festa de família, pois a casa da minha avó estava lotada de gente, familiares e amigos de familiares.

Não sei ao certo o porquê isso acontece, mas as crianças menores ficam incumbidas de irem à venda ou supermercado quando falta algo, ou as crianças ou o ser mais jovem presente no recinto. Bem eu tinha 8 anos de idade e foi a minha vez de ir comprar algumas coisas a pedido da minha mãe. Mas eu não fui sozinho, fui acompanhado de um adulto amigo da família. Eu aprendi três lições naquele dia, primeira, sempre conferir o troco, segunda obter vantagens e ficar feliz com isso e terceira “algumas vantagens não são bem vantagens”.

Saindo da venda, o amigo da família, um homem cordial, descrito em “Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda - 1936) disse. “Você conferiu o troco? ”. Eu não tinha conferido, e acho que os dedos da minha pequena mão não dariam conta e nem meu cérebro que mal sabia contar.

Então estávamos na frente da venda e ele me explicou que o vendedor e pequeno comerciante da região havia me dado o troco errado, não menos, mas mais dinheiro do que ele deveria me dar. Pense, estávamos na frente da venda, podíamos devolver, ali ele teria a oportunidade de me dar uma lição valiosa, mas preferiu instigar a “vantagem” sobre o dono da venda.

Eu tinha R$1,00 para comprar de bala e me divertir com meus primos, afinal era meu... segundo o ponto de vista desse adulto que me acompanhou até a venda. Paramos, compramos as balas e voltamos para casa. Ao chegar em casa, eu fui contando a minha mãe sobre a vantagem que eu tinha obtida naquele dia e para minha surpresa, minha mãe não estava contente pelo o que acontecera, foi um sermão daqueles, e ainda tive que andar de volta até o estabelecimento e devolver o R$ 1,00, que saiu da minha “mesada”. Eu me senti mal, chateado e culpado, porque o que minha mãe falou impactou bastante, como uma série de outros acontecimentos na minha vida que me trouxeram até aqui. Ainda passei vergonha, porque aquele adulto havia me dito que isso deveria ter ficado em segredo e que eu tinha sido “burro”.

Claro que eu seria considerado “burro” por ele eu não havia aproveitado a oportunidade que a vida me dera, e aquilo era um valor pequeno, o que é apenas R$ 1,00? Que efeitos aquilo vai causar em uma criança? No máximo umas caries por conta das balas e da quantidade de açúcar. Errado!

É nesse momento que devemos contribuir para a formação da moral dos jovens, e é nesse momento que deveríamos identificar a oportunidade de influenciar positivamente, mas como o adulto que me acompanhou poderia me influenciar se na moral dele, aquilo sim era o correto?

Acho que ele não poderia, ele foi ensinado assim, e eu conheço a história de vida dele, obteve algumas pequenas vantagens dotado da “máscara cordial” que é citada em Raízes do Brasil (“Armado desta máscara (a cordialidade) o indivíduo consegue manter sua supremacia ante o social”), um sinônimo de sucesso para um homem de negócio, para alguns um jeitinho de ganhar e manter o poder, e as vezes nem sabe qual o efeito cascata que eles veem causando na sociedade.

Você deve estar pensando: “foi só R$ 1,00”, em minha concepção os grandes desvios começam com R$ 1,00 e se tornam R$ 200 bi por ano de corrupção (Segundo coordenador da Lava Jato), porque algumas crianças de 8 anos de idade não foram paradas, foram incentivadas, foram ensinadas que em um mundo desigual R$ 1,00 real não é nada, e elas vão influenciar outras e outras crianças.

E você, parou nesse R$ 1,00?

Artigo final do aluno Leandro dos Santos, no meu curso: "Raizes do Brasil & Jeitinho Brasileiro", na Fappes.


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