Quase De Volta Para o Futuro: a nova meta climática brasileira
Nova meta protocolada pelo Brasil junto às Nações Unidas sobre a mudança do clima prevê ampliação das emissões de gases de efeito estufa em 2030
O Brasil finalmente enviou sua nova meta oficial de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa para as Nações Unidas, mas ela parece ter vindo do passado. Na ficção, isso não seria um problema: a explicação seria uma viagem em uma máquina do tempo, como o esportivo Delorean que levou Marty McFly, personagem representado pelo ator Michael J. Fox, de 1985 para 1955, em De Volta para o Futuro. Mas, no mundo real, como explicar o retrocesso?
O Acordo de Paris, assinado por 192 países e ratificado pelo Congresso Brasileiro, não permite retrocessos, isto é, cada meta que o país envia para as Nações Unidas precisa ser mais ambiciosa que a anterior. Mas o Brasil tem testado os limites do acordo ao submeter metas inferiores à original, que foi encaminhada e registrada em 2016.
A meta original estabelecia um teto de emissões de 1,2 bilhão de toneladas de CO2 equivalente. Desde então, o governo tem dado um jeitinho de ampliar as emissões brasileiras e está tentando enganar a comunidade internacional.
O primeiro movimento deste "jeitinho brasileiro" veio ainda em 2020, quando o governo enviou uma nova "Primeira NDC". O governo brasileiro esqueceu que já havia enviado a NDC três anos antes, e esqueceu daquilo com que se comprometeu. Mas as Nações Unidas não esqueceram e o documento continua disponível para quem quiser ler.
2019 foi também o ano em que o Brasil viu a grande alta do desmatamento da Amazônia e das queimadas, o governo estava preparando a "passagem da boiada" na área ambiental, como esclarecido pelo ex-ministro do Meio Ambiente em abril de 2020. Essa nova "primeira NDC" inflou a meta em uma tonelada de CO2 a cada três emitidas em 2030. O montante total emitido em 2030 poderia saltar de 1,2 para 1,62 bilhão de toneladas de CO2.
Agora, diretamente do passado e de volta para o futuro, o governo apresenta uma nova meta que reduz as emissões em comparação com esse teto de 1,62 bilhão de toneladas de CO2. Segundo análise do Projeto Política Por Inteiro, a nova meta brasileira parece um desconto fake da Black Friday, do tipo "a metade do dobro". Se o Brasil cumprir a nova promessa divulgada para as Nações Unidas, as emissões em 2030 serão de 1,28 bilhão de toneladas de CO2.
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Esse aumento em relação à meta original é de seis toneladas a cada 100 toneladas. Os 6% de aumento podem parecer pouco, mas permitirá ao Brasil emitir 80 milhões de toneladas de CO2 a mais por ano, o equivalente às emissões anuais da Colômbia.
Em De Volta para o Futuro, Marty McFly resolve vários problemas no passado e torna o seu futuro melhor, ampliando as oportunidades de sucesso na família. Na volta para o passado do governo atual, a nova meta enviada para as Nações Unidas reduz as oportunidades do futuro na corrida climática.
Ao reduzir a ambição da meta de descarbonização, o Brasil gasta um pouco mais do orçamento de carbono que resta no mundo, e com isso diminui a janela de oportunidades para o desenvolvimento do mercado de carbono, além de aproximar o planeta de uma rota de mudança do clima irreversível.
O mais absurdo da publicação da nova meta, além do fato de ela vir direto do passado é que ela foi publicada exatamente na semana em que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) publicou uma nova parte do sexto relatório sobre o estado do clima no planeta, onde reiterou a seriedade da crise climática e alertou que precisamos de mais ambição. Não à toa o secretário geral das Nações Unidas, Antònio Guterres, disse que líderes políticos estavam mentindo ao não implementar os compromissos assumidos.