Quem cuida de quem cuida?
Quem cuida de quem cuida?
Na semana do dia das mães, nossa provocação como mulheres, mães e principalmente, NEGRAS, é na verdade um apelo.
- Queremos que o CUIDADO seja reconhecido como um trabalho;
- Queremos que todas nós sejamos detentoras de direitos; e
- Queremos que o "trabalho do cuidado" seja compartilhado e que seja de responsabilidade de toda a nossa sociedade, sejam eles homens, mulheres, brancos ou negros.
Até 2050, 77 milhões de pessoas no Brasil precisarão de algum tipo de cuidado, de acordo com o IBGE. Segundo levantamento realizado pela OXFAM, o trabalho não remunerado do cuidado corresponde a 10 trilhões de dólares.
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Desde a escravidão o trabalho do cuidado vem sendo explorado de forma bastante conveniente para os detentores do poder e do capital em nosso país. Ora é visto como um trabalho inferior, não remunerado e de menor importância, ora como forma de demonstração de amor e afeto e, portanto, não remunerado.
Quase sempre, é realizado por mulheres e mães negras. Mulheres essas que, como suas ascendentes, abdicam de cuidar de seus próprios filhos para cuidar dos filhos de seus patrões. Essas mulheres, escravizadas, pariam e deixavam seus recém-nascidos em casa, sendo alimentados com papa de mandioca, para amamentar os recém-nascidos brancos. Essas mulheres, bisnetas de escravizadas, ainda deixam seus filhos com vizinhas ou amigas - quase sempre pretas - para cuidar das famílias e das crianças brancas. Essas mulheres, tal como Mirtes, mãe de Miguel, menino de 5 anos que caiu do prédio pois a patroa de sua mãe achou que ele não precisava de cuidado, ainda veem seus filhos morreram muito jovens.
Neste domingo, antes de fazer uma homenagem no Instagram ou postar uma foto de "comercial de margarina" com sua mãe/família, seja você filho, filha, homem ou mulher/mãe, reflita quem são as mulheres que sustentam a base da sua família. São mulheres negras e pobres? São elas: mães, avós, tias e/ou cuidadoras? Quanto tempo abdicaram para que sua família pudesse sorrir e se divertir? Quantas horas passaram cozinhando para que você possa desfrutar seu delicioso domingo?
E para quem acredita que está à margem dessa lógica opressora, já que optaram por comprar comida pronta ou almoçar em um restaurante, saibam que infelizmente, o buraco é mais embaixo. Em nossa lógica capitalista patriarcal, quem tem mais poder (dinheiro) pode comprar e pegar por seu tempo livre, ao passo que as pessoas mais vulneráveis, novamente, estas mesmas mulheres não têm outra opção senão vender seu tempo para preparar o alimento das famílias brancas.
Como mudar? Primeiro, reconheça a existência dessa lógica perversa. Em seguida, convoque a sociedade e seu entorno para este debate sobre responsabilização pelo cuidado, uma vez que todos nós um dia dele precisamos e possivelmente, dele também dependeremos no final de nossas vidas. Por fim, apoie as políticas públicas e possíveis iniciativas e/ou projetos de lei que reconhecem o cuidado como uma responsabilidade coletiva e um direito para as pessoas que o exercem (por exemplo, o tempo dedicado ao cuidado deveria ser computado para fins de aposentadoria).
Esperamos que este domingo não seja apenas mais um dia de luta. Mas que representa um um dia em que estejamos mais próximos da equidade racial e de gênero.