Quem pode o que em IA?
Tenho trocado ideias com interlocutores sobre o posicionamento de suas organizações no mapa estratégico das oportunidades de negócios relacionadas à inteligência artificial generativa e percebo, em muitos casos, uma certa miopia a respeito do que é possível atingir, dentro das limitações dos recursos disponíveis para os respectivos projetos. O fato concreto é que a emergência da IA generativa de certo modo traça uma linha divisória de capacidades de investimento: acima da linha, situam-se as organizações de muito grande porte (sobretudo as BigTechs) que podem dar-se o luxo de investir massivamente na criação e manutenção dos grandes modelos de linguagem e explorar plenamente as gigantescas oportunidades prometidas para futuro próximo nesse campo, à medida que amadurecem os mercados envolvidos com casos de uso corporativo em praticamente todos os setores. Abaixo da linha, ficam justamente as empresas que miram o desenvolvimento dessas aplicações e/ou oferecem produtos e serviços vinculados a esse ecossistema.
A dúvida não aparece nem nas gigantes do setor, que sabem que podem e precisam investir pesadamente, nem nas pequenas, que sabem que não têm “bala na agulha” para o nível de investimento exigido. Ela surge em uma camada intermediária de empresas de médio e, em alguns casos, grande porte, que precisam graduar seus níveis de ambição de acordo com a profundidade de seus bolsos. Para os interlocutores brasileiros, costumo ilustrar o tamanho do desafio exemplificando com o prejuízo (investimento) orçado para este ano pela OpenAI, de 4 bilhões de dólares, 25% acima do orçamento total para quatro anos do plano brasileiro de inteligência artificial. Para interlocutores de outros países, que têm, em muitos casos, acesso a recursos mais abundantes, com taxas de juros reais mais baixas, as perguntas que aparecem frequentemente têm a ver com a vontade de entender mais detalhadamente de onde vêm e para onde vão tamanhos recursos.
No caso específico da própria OpenAI, tem havido participação expressiva de fundos de venture capital, como a Thrive Capital, mas seria um erro generalizar isso, porque a indústria tradicional de venture capital simplesmente é pequena demais para garantir sozinha as centenas de bilhões de dólares necessários para sustentar os diversos rounds de investimento previstos. Então, o financiamento desses empreendimentos tem mesmo de vir prioritariamente de investimentos estratégicos por parte das gigantes geradoras de caixa do setor, especificamente Microsoft, Google, Amazon e NVIDIA. Os modelos de negócios envolvem aportes massivos por períodos muito grandes, incompatíveis com o poder de fogo de praticamente quaisquer outros atores.
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E para onde vão esses recursos, como serão aplicados? A maior parte deles está sendo aplicada em horas de infraestrutura de nuvem e na compra de GPUs, o que desde logo justifica o interesse das BigTechs que têm, nessas áreas, negócios significativos.
Na semana passada, a Microsoft e a BlackRock anunciaram uma das maiores iniciativas de financiamento do setor, a constituição de um fundo conjunto de 30 bilhões de dólares, com foco em infraestrutura de IA. A iniciativa visa a combinar a visão estratégica da Microsoft com a capacidade global de levantamento de recursos da BlackRock. Também na semana passada a Salesforce anunciou planos de aumentar para 1 bilhão de dólares sua própria iniciativa de investimento em negócios de IA, no que deve ser, até agora, a maior aposta desse tipo por parte de fornecedores de software como serviço (SaaS). A tendência de dominância dos investimentos estratégicos em IA parece estar se acelerando. A inteligência artificial está provocando disrupção na indústria de fundos de VC.
Então, retornando à origem do assunto que provocou essa reflexão, tenho aconselhado gestores de empresas de médio para grande porte interessados em uma fatia dos negócios de IA que mirem, preferencialmente, as oportunidades de aplicações e casos de uso com bom potencial de escalabilidade e com uma faixa de demanda por investimento acomodável para elas, mas suficientemente alta para possivelmente afastar a concorrência das empresas de pequeno porte. Estas, por sua vez, provavelmente terão de contentar-se com um posicionamento de guerrilha, limitando a sua atuação a nichos de oportunidade e, em alguns casos, a trabalhar sob o guarda-chuva de organizações maiores, já que o ecossistema, como um todo, é enorme, e haverá boas oportunidades de negócios para todos os que demonstrarem talento e competência empresarial. Para a maioria dos países (praticamente todos, excetuando China e Estados Unidos), será necessário identificar, nos respectivos planos nacionais de IA, vocações, setores onde haja vantagens competitivas que mereçam ser exploradas prioritariamente. É a cadeia alimentar em funcionamento...
Caro amigo Raul, trabalhos como o seu podem ajudar a esclarecer pontos ainda obscuros. Eu espero um dia ser capaz de construir um discurso que desperte as camadas mais carentes de nosso povo.
Caro Amigo Raul, ainda penso que é preciso simplificar o discurso referente a esse tema, vez que a grande maioria das pessoas ainda não entende, corretamente, em que consiste verdadeiramente a IA e como eles podem explorar oportunidades de negócio com ela.