Quem serve a quem?
Ilustração Fotomek

Quem serve a quem?

Ao longo do ano que passou, diversos textos chamaram a minha atenção, me levaram a refletir neste espaço, mas 2019 acabou indo embora sem que tivesse mencionado dois deles – interessantíssimos –, esquecimento que reparo agora. Digo interessantíssimos porque discutem uma questão central nos dias de hoje: qual é o propósito das empresas e corporações?

Uma reportagem publicada pelo Project Syndicate (https://bit.ly/2N1Eb2m) dava conta de um mea culpa da Business Roundtable, espécie de "távola redonda" formada por CEO's das principais companhias que operam nos Estados Unidos. A turma, em um de seus convescotes, reconheceu ter levado longe demais por anos o mantra "criar valor para o acionista".

O desconforto foi tamanho que a organização lançou um manifesto redefinindo o papel das empresas. Basicamente, em vez de encher de dividendos o bolso dos acionistas e deles próprios, os CEO's, as empresas, segundo o documento, deveriam trabalhar pelo desenvolvimento do seu negócio dentro de uma perspectiva ampla, que alavancasse o progresso da economia, a fim de gerar benefícios à toda sociedade.

O professor Luiz Gonzaga Belluzzo, em um texto no Valor mais ou menos na mesma época (https://glo.bo/39MTANT), traduziu em números a engrenagem por trás do mecanismo "criar valor para o acionista". Escreveu Belluzzo: “É impressionante a evolução da saída líquida de grana das grandes empresas para remunerar os acionistas e recomprar as próprias ações. No período 1976-1985, as transferências de valor para os acionistas chegaram a US$ 290 bilhões (0,4% do PIB americano). Entre 1986 e 1995, alcançaram a casa dos trilhões, US$ 1,54 trilhão, para avançar para US$ 4,46 trilhões (2,6% do PIB), no período 2006-2015.”

Trocando em miúdos, os bambambãs da Business Roundtable preferiram remunerar os acionistas e garantir para si bônus polpudos, em vez de investir no negócio, como o professor Belluzzo mostra em seu artigo: “Inverteu-se a relação entre os recursos destinados ao investimento e aqueles utilizados para propiciar a elevação 'solidária' dos ganhos dos acionistas e a remuneração dos administradores (stock options). A associação de interesses entre gestores e acionistas estimulou a compra das ações das próprias empresas com o propósito de valorizá-las e favorecer a distribuição de dividendos. A isso se juntam a febre das fusões e aquisições, o planejamento tributário nos paraísos fiscais, o afogadilho das demonstrações trimestrais de resultados e as aflições das tesourarias de empresas e bancos, açoitadas com o guante da marcação a mercado.”

Sim, o retrato não é nada lisonjeiro e não existem soluções simplistas para a questão. Mas já é um alento o fato dos principais CEOs da principal economia do mundo questionarem sua atuação e se mostrarem dispostos a mudar. Uma boa hora, quem sabe, para as empresas refletirem a respeito de seu papel como indutoras de um modelo de desenvolvimento que elimine desigualdades. 

Wagner Campaner

Supervisor de Manutenção Automotiva na Raizen SA

4 a

Que provocação 🤔. Essa frase final de seu artigo é excelente: “Uma boa hora, quem sabe, para as empresas refletirem a respeito de seu papel como indutoras de um modelo de desenvolvimento que elimine desigualdades.”

Lucy Menezes

Founder and Head | Communication, Education/Training, Translation/Interpreting and Content Writing

4 a

Vale ler cada linha de seu texto, Milton. Talvez sendo bem simplista, mas sem descuidar da informação, no frigir dos ovos, o espírito de liderança que 'assombra' as organizações ainda é 'feudal', seja no tratar de resultados, desempenho, visão/valores, seja no lidar e zelar por pessoas. Ainda há um longo túnel, separando discurso da fala, não é? 

Fabio Martinelli

Direito Empresarial, Regulatório e Conformidade I JD I LLM I Proteção Dados LGPD/GDPR/FADP

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Obrigado por compartilhar Milton Rego . Há muito compartilho dos excessos praticados pelo imediatismo de resultados que leva por consequência o completo descomprometimento dos seus gestores e acionsitas para com a empresa em detrimento dos demais stakeholders. Óbvio que uma mea culpa e mudança de rumos era aguardado, sob pena do próprio negócio tornar-se inviável socialmente.

Carlos Sacomani

Coordenador Médico de Inovação e Tecnologia da Informação (TI) (CMIO) - Médico Urologista - Especializado em Cirurgia Robótica, Disfunção Miccional e Uro-Oncologia

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Excelente. A questão é: qual é o objetivo da empresa ? Qual a sua função? Um empresa de softwares, por exemplo, deve se esforçar para criar aplicativos que beneficiem o usuário e que se tornem, portanto, lucrativos. Muitas vezes, vejo que buscam alternativas para gerar lucro e não para entregar um bom produto. No final, vale a “bottom line” e o BSC. Essa mentalidade é que precisa mudar.

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