QUERIDA MARCA, COMO VOCÊ SE METEU NESSA? (OU SÓ A BOA COMUNICAÇÃO SALVA - Parte II )
Marcas anunciam retirada de patrocínio de programa ancorado por apresentador acusado de homofobia. Assessorias disparam releases comunicando fim de parcerias com aquele “influencer” ou este “youtuber”. Em ambos os casos, eles se ‘comportaram mal’.
Se você está integrado ao que cavilosamente chamamos de mercado já sacou sobre o que estamos aqui buscando refletir. E a pergunta é essa mesmo: como profissionais de comunicação ou marketing (ou a simbiose destes) muitos dos quais operosos nesta rede digital, deixaram que marcas, sob sua responsabilidade, passassem por vexames tão previsíveis e em pleno século XXI?
Patrimônio supremo, símbolo absoluto de sua originalidade, a marca representa uma cultura construída a partir de percepções que dela não podem ou devem ser dissociadas. Ainda assim, continua vexatório assistir a frequência com que essas reputações, depois de mal associadas ao escrutínio de boa parte ainda sã do ‘tecido social’, se deixam flagrar recuando de patrocínios, apoios, parcerias etc.
O novo laissez-faire digital pode até estimular e permitir que um diretor de elenco de novela ou soap opera se deixe levar pelo número de seguidores para escolher este ou aquele talento - força de expressão, claro - de sua próxima atração. Mas isso não deveria valer para empresas porque, se só a boa comunicação salva, estas tem obrigação de errar menos. E certos erros não precisam de data-driven para ser evitados. A coisa toda é meramente mais simples!
Exceto se o CEO a quem você serve, por razões pessoais, filosóficas ou políticas (e aqui mora um perigo que custa bem mais caro…) teime ou exija que a sua marca esteja vinculada a esta ou àquela persona (ou brand persona) cuja postura seja irreversivelmente previsível, paciência! O nosso capitalismo de compadres também ainda é uma realidade e bem longeva. Use, portanto ou tão pouco, da sua inserção institucional e decida o que quer fazer com sua biografia profissional. É puro let it be… ou laissez-faire.
Tudo ainda pode ser uma simples questão de compromisso, ou não, com uma agenda que evoluiu da Teoria dos Sistemas Abertos (lembra do Ludvig von Bertalanffy?) passou por accountability e hoje repousa em compromissos que saem ricamente lógicos para quem se alinha ao glossário que, ja há muito, extrapolou o alcance semântico para Environmental, Social e Governance. Ainda assim, a lei do menor esforço alimentada pela ilusão de uma network, mais efusiva que efetiva, tem embotado o bom senso e este vem tropeçando num pragmatismo de resultados dignos de cases e palestrinhas.
O apoio de reputações associadas aos pilares ESG é fator decisivo que cada vez mais não se dissocia de compromissos que nenhuma ordem social pode reverter porque, também semanticamente, buscam traduzir quem sobreviverá no futuro a estas práticas que, todo profissional sabe, importam de fato e estão sempre resgatando boas novas corporativas que soam duvidosas apenas àqueles, e seus apaniguados, que cultivam um desdém estudado pela qualidade da boa governança.
Não existe novidade em, de forma ética e responsável, observar e decidir o apoio a uma empresa, pessoa, produto ou serviço conhecendo tão somente, para além de suas métricas, likes ou nível de engajamento a esta ou aquela celebridade - outra força de expressão - seu histórico, comportamento, posicionamento e reputação que podem ser medidas pelas respostas que políticas e práticas ESG soam aderentes (ou não) aos seus esforços internos e institucionais. É lição básica ensinada na escola e reforçada na academia mas, ao que parece, em desuso pelo esforço lógico demais em se deixar levar pela novidade de ocasião.
Trago para esta reflexão, relatório 2022 da NIELSEN, e bem anterior ao binômio Musk/Twitter, que atesta como o investimento de marcas em redes sociais é visto como efetivo entre profissionais de marketing da América Latina. O orçamento destinado para estas plataformas, ano passado, chegou a 55% em patrocínios. Mas o mesmo estudo aponto uma questão de fundo: os profissionais abordados no estudo confessam necessitar de mais conhecimento e mais precisão no manejo os dados com que contam na parametrização das suas ações. Do ‘universo’ entrevistado, 26% afirma ter total confiança nos dados colhidos. Não por acaso, grifaram que em paralelo - ou mesmo assim - recorrem sistematicamente a outros expedientes mais castiços para sua tomada de decisão e, supresa nenhuma, erram muito pouco por buscarem no histórico de seus futuros apoiados, coerência e reputação objetivando parcerias cujo perfil e investimento são sinônimos ESG e, por óbvio, cidadania digital.
Essa visão basilar de ética empresarial é mister anterior a todos os modismos que atalham o ambiente onde a boa comunicação sempre deveria estar associada porque sinônimo de propósito, inteligência, criatividade, inovação e, não é de assustar, compromisso com a função social das organizações.
Quando nos aplicamos apenas ao esforço digital e sem reflexão abandonamos ä própria sorte um capital ético que costuma atuar como antídoto para os efeitos perversos da pura monetização oferecida por plataformas cuja reputação, também hoje, precisa estar submetida aos marcos civilizatórios que tanto custam a democracia e, portanto, ao mercado que naturalmente erode se não a protege.
E para não soar injusto com os princípios de data-driven vale grifar que só inteligência de mercado sem sensibilidade, experiência e senioridade para transformar dados em estratégia cidadã já se comprovou, com vastos estudos, cases, literatura, escândalos e o devido processo legal, de nada valem. Toda informação pode e precisa estar associada ao desenvolvimento. Depois de dois anos de retrocessos pandêmicos, há clara preocupação global, mais um exemplo, com o meio ambiente e como ele está sendo considerado pelas reputações oriundas das marcas que se traduzem nesse escopo. Num futuro próximo, apenas como um mero exercício ilustrativo, comprar ouro de garimpo ilegal, predatório e revendê-lo, não deverá ser tarefa simples. E reputações também não se constroem do dia pra noite até valerem ouro.
Essa percepção é velha novidade mas será observada, sobretudo, pelos mesmos consumidores que pululam no B.I. de cada gestor que afeta estar atento quando, na realidade, está obcecado pelo resultado de curto prazo. Se ainda não se atingiu a crista da onda, apostar em bem estar social, apoiar este ou aquele produto, empresa ou personagem que só existe na web, YouTube, na cabeça do consumidor ou eleitor volátil trará prejuízos óbvios. Quando não se observa que a boa comunicação existe tão somente para atingir propósitos éticos com fulcro na cidadania também digital, esquecemos que esta é também a melhor e ainda mais qualificada munição contra uma boçalidade digital que, até agora, sai grande beneficiária desta teimosia estratégica baseada em associar marcas e reputações a lacração geral.
consultora de escrita | mestre e doutora em História | jornalismo | edição e revisão de textos | pesquisa | ghostwriting
2 aA audiência deve compensar os prejuízos com danos (que se creem) eventuais. E falo sem alegria. A verdade pode ser feia, mas nem por isso é menos verdade