A Questão das Multas por Indeferimento de PER/DCOMP
O direito de petição, em suma, é algo bastante simples. Trata-se do direito da pessoa de apresentar exposições escritas para defesa de direitos, da lei ou contra o abuso de poder da administração. Pode ser exercido perante qualquer órgão público, sobre qualquer matéria, desde que a pretensão não seja ilegal.
Trata-se de um direito universal e, por sua própria natureza, encontra-se garantido na Constituição Federal, mais precisamente no Art. 5, Inciso XXXIV, alínea “a”, nos seguintes termos: “Art. 5º. (...) XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”.
Diante de tal direito, foi com profunda decepção que a comunidade jurídica recebeu a edição da Lei nº 12.249/2010, especificamente no tocante à inserção dos §§ 15, 16 e 17 ao art. 74 da Lei 9.430/1996.
Referidos dispositivos pretendiam a aplicação de multa de 50% sobre o pedido de ressarcimento indeferido pelo Fisco Federal e sobre a declaração de compensação não homologada. Essa multa seria elevada para 100% em casos de falsidade de declaração.
O descontentamento generalizado para com os dispositivos em questão adveio de questão básica de lógica jurídica (além do percentual astronômico adotado para as sanções): não é possível estabelecer sanções para o exercício de direitos. A aplicação de sanções pressupõe a ocorrência de um ato ilícito – e é fato notório que nada existe de ilícito em apresentar um pedido à Administração Tributária.
Dessa forma, por agressão constitucional e lógica, os dispositivos começaram a ser contestados judicialmente. O Judiciário passou a adotar uma postura pró-contribuinte com relação a esta questão (ou, por que não, pró Constituição), como se pode ver da decisão abaixo, proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
TRIBUTÁRIO. PEDIDO DE RESSARCIMENTO. CRÉDITOS DECORRENTES DE OPERAÇÕES DE EXPORTAÇÃO. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NOS §§ 15E 17 DO ART. 74 DA LEI Nº 9.430/96 E NOS INCS. I E IIDO § 2º DO ART. 3º DA PORTARIA MF Nº 348/10. INCONSTITUCIONALIDADE.
Segundo jurisprudência deste Tribunal, firmada por ocasião do julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade n.º 5007416-62.2012.404.0000, é inconstitucional a aplicação da multa prevista nos §§ 15 e 17 do art. 74 da Lei 9.430/96, por ofensa ao disposto no art. 5º, inc. XXXIV alínea ´a´, da Constituição Federal e ao princípio da proporcionalidade. (Processo nº 5017224-40.2012.404.7001, Relator: Otávio Roberto Pamplona, TRF4ª, 2ª Turma, Data de Publicação: D.E.28/11/2013)
De outra forma não poderia ser. A repercussão geral do tema já foi reconhecida pelo plenário virtual do Supremo Tribunal Federal em maio de 2014, em decisão proferida no RE 796.939, e aguarda julgamento.
Neste cenário, em outubro de 2014, foi recebida com louvor a Medida Provisória 656 que, em seu art. 56, revogou integralmente os §§ 15 e 16 do art. 74 da Lei 9.430/1996 – ainda que tenha silenciado a respeito da multa prevista no § 17 (na hipótese de não homologação de declaração de compensação).
Dessa maneira, o § 17 do art. 74 da Lei 9.430/1996 passaria a vigorar com a seguinte redação: “Será aplicada multa isolada de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor do débito objeto de declaração de compensação não homologada, salvo no caso de falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo”.
Ainda que o escopo da MP 656 fosse sem dúvida menor do que o necessário para reparar a flagrante inconstitucionalidade imbuída nos §§ 15, 16 e 17 do art. 74 da Lei nº 9.430/96, mesmo assim a comunidade tributária celebrou sua chegada como o prenúncio de uma correção há muito necessária.
Não obstante, não foi o que se observou.
Na conversão da MP 656 para a Lei 13.097/2015, a revogação das multas para os pedidos de ressarcimento foi vetada pela Presidência da República – voltando a vigorar a malfadada redação anterior, com a manutenção das multas inconstitucionais, em detrimento do direito de petição dos contribuintes. O referido veto manteve também a determinação de que o percentual confiscatório de 100% para a multa na hipótese de o Fisco entender que o ressarcimento teria sido solicitado com “falsidade” no pedido apresentado.
A justificativa para o veto foi a de que a suspensão da multa encontrava-se no inciso I do art. 56 da Lei 13.097/2015, que trazia outras disposições que deveriam ser vetadas, não sendo possível o emprego de veto parcial. Ainda, os veículos de comunicação veicularam notícias de que seria editada nova Medida Provisória, para afastar as citadas multas.
Foi o que ocorreu recentemente, com a edição da Medida Provisória 668, de 30 de janeiro de 2015, a qual, além de aumentar as alíquotas do PIS/COFINS-Importação para determinados produtos, revogou os §§ 15 e 16 do art. 74 da Lei 9.430/1996.
Por conta disso, ficam revogadas as multas de 50% ou 100% em casos de pedidos de ressarcimento indeferidos pela Receita Federal.
Contudo, lamentavelmente foi mantida a multa de 50% decorrente de declaração de compensação não homologada, na redação dada pela Lei 13.097/2015, e as discussões judiciais sobre a sua constitucionalidade devem persistir.
Por fim, a conversão da MP 668 (que atualmente aguarda sanção presidencial) terá efeitos retroativos aos contribuintes vítimas da inconstitucionalidade debatida. Isso porque a lei tributária retroage a fato pretérito, tratando-se de situação não definitivamente julgada, quando deixe de defini-lo como infração, nos termos do art. 106, II, “a” do Código Tributário Nacional. Desta forma, as empresas apenas com as multas mencionadas devem permanecer atentas à conversão em lei da MP 668, quando poderão buscar judicialmente o ressarcimento de tais penalidades.