RDC-15: Regulação vs Inovação
Maristela Orlowski
Nova resolução da Anvisa estabelece normas que devem favorecer a inovação no Brasil, facilitando a entrada de produtos e o registro de tecnologias. No entanto, dúvidas e gargalos ainda precisam ser contornados
Agilizar a entrada de produtos no país e favorecer o registro de novas tecnologias. Essas são as promessas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) com a criação da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) número 15, publicada em março de 2014, que discorre sobre os requisitos relativos à comprovação do cumprimento de Boas Práticas de Fabricação para fins de registro de produtos para saúde. Os especialistas comemoram a desburocratização da regulação sanitária, pois isso trará inovação ao país, mas ainda aguardam evoluções para o desenvolvimento do setor como um todo.
Para Carlos Alberto Pereira Goulart, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Equipamentos, Produtos e Suprimentos Médico-Hospitalares (Abimed), a burocratização da regulação sanitária brasileira impacta diretamente na evolução da indústria e dos negócios em saúde. Segundo ele, para serem comercializados, os produtos precisam ser registrados na Anvisa e um dos pré-requisitos para esse registro é o Certificado de Boas Práticas de Fabricação (CBPF), emitida pela agência somente após a inspeção de fábrica.
“Hoje, a Anvisa tem uma fila grande de fábricas a serem vistoriadas, sem capacidade de realização em curto prazo. Como os produtos para a saúde têm um ciclo de evolução muito rápido, a celeridade é importante para evitar defasagem tecnológica”, destaca. “A RDC 15/2014 é a solução para vencer o gargalo de emissão de certificação de Boas Práticas, pois concede à Anvisa o poder de terceirizar as inspeções fabris”, considera. No entanto, o executivo lembra que esse processo ainda está em fase de projetos pilotos, que devem se estender até o final de 2015.
Mudanças
Três importantes mudanças foram estabelecidas com a nova resolução. Uma das novidades é que a Anvisa poderá utilizar relatório de auditoria emitido por terceiros como subsídio para a emissão do CBPF. Segundo o diretor-presidente da Anvisa, Dirceu Barbano, atualmente, a agência participa de um projeto-piloto de auditoria única, que reúne Canadá, Estados Unidos, Austrália e Japão.
“Um trabalho articulado entre as agências reguladoras de todo o mundo é essencial em um contexto onde a produção dos equipamentos é global, pois nenhuma agência, de forma isolada, dará conta da demanda de inspeções e auditorias que vem se desenhando para os próximos anos”, comenta.
Quem também comemora as novas regras é a Associação Brasileira das Empresas Certificadas em Saúde (ABEC Saúde), especialmente a liberação da atuação dos Organismos Certificadores de Produto (OCPs) na emissão de relatório de inspeção. “Trata-se de um pleito antigo da associação junto à Anvisa. Essa descentralização possibilitará maior agilidade na aprovação de processo de certificação, sem a perda da qualidade”, considera o diretor-administrativo da ABEC Saúde, Evaristo Araujo.
O executivo ressalta, no entanto, que a agência ainda precisa fazer uma série de esclarecimentos, o que permitirá a efetiva aplicação das novas regras no mercado. “Na prática, os empresários do setor médico e hospitalar já podem recorrer aos OCPs para dar início aos processos de inspeção, mas a Anvisa não informou quais OCPs estão autorizados a fazer tal procedimento.”
Menor e maior risco
Outra novidade é que a Anvisa não vai mais emitir o CBPF para os produtos das classes I e II, que são as classes de menor risco, como luvas, seringas e alguns instrumentais cirúrgicos. Tal simplificação atingirá cerca de 400 empresas que atualmente aguardam a emissão do Certificado, o que equivale a 25% dos pedidos.
Araújo destaca que ainda há dúvidas de como as empresas devem proceder com os casos em curso. “A Anvisa não se pronunciou como ficam os processos de produtos classes de risco I e II que foram iniciados antes da publicação das novas regras e ainda não finalizados, tanto de renovação, quanto de novas certificações”, pondera o executivo.
Uma terceira medida é a permissão para que o protocolo de solicitação do CBPF seja aceito para a apresentação dos pedidos de registro, revalidação e alterações de produtos das classes III e IV, de maior risco. Isso significa que o fabricante não terá que aguardar a concessão do certificado para que a análise dos seus produtos seja iniciada.
Com os dois processos ocorrendo em paralelo, o tempo de chegada de novos equipamentos no mercado deve ser reduzido, já que a análise do produto poderá ser feita enquanto a fábrica aguarda a certificação.
Abastecimento
As disposições para casos de descontinuação temporária e definitiva, reativação da fabricação ou importação de medicamentos também foram consideradas. O objetivo principal é permitir que sejam tomadas as medidas necessárias, com antecedência, para reduzir os impactos à população pela falta de um medicamento.
Os fabricantes e importadores de medicamentos terão que informar à Anvisa com um ano de antecedência a intenção de retirar do mercado produtos que possam levar ao desabastecimento. As empresas que decidirem interromper a produção ou importação, por questões técnicas ou mercadológicas, deverão garantir o fornecimento regular do produto durante 12 meses. A obrigatoriedade abrange produtos que não têm substitutos no mercado nacional e cuja retirada pode deixar os pacientes sem tratamento adequado. As situações de redução na fabricação ou importação também deverão ser informadas com antecedência de 12 meses.
Já nos casos em que a retirada do mercado não represente risco de desabastecimento, o prazo continua sendo de seis meses. É o caso de medicamentos com substitutos registrados e disponíveis no Brasil. A norma prevê também que a ocorrência de fatos imprevistos que possam levar ao desabastecimento deverão ser informados à Anvisa em até 72 horas a partir da constatação do problema. O desrespeito às regras poderá ser punido com advertência, interdição do fabricante e multa que varia entre R$ 2 mil e R$ 1,5 milhão.
Gargalos para a inovação
O Brasil é a sétima economia do mundo, mas ocupa o 64º lugar entre 142 países no Índice Global de Inovação – elaborado pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), Universidade de Cornell (EUA) e Insead, escola de administração francesa –, perdendo seis posições no ano passado. Deficiências no ensino, financiamento insuficiente, excesso de burocracia, falta de maior entrosamento entre indústria e academia são alguns dos principais problemas.
Para o presidente-executivo da Abimed, a inovação é um indutor do desenvolvimento socioeconômico e um caminho para o país encontrar seu espaço no cenário internacional. “Ainda temos muito a percorrer para eliminar gargalos, como o elevado custo Brasil e a falta de uma cultura de aproximação entre indústria e academia, mas existem também oportunidades para acelerar a inovação e ampliar o acesso da população a novas tecnologias médicas”, diz.
Segundo ele, as tecnologias de produtos para saúde se renovam rapidamente e é importante o Brasil acompanhá-las porque são decisivas para a melhoria da saúde e qualidade de vida da população. “A inovação possibilita a detecção precoce de doenças, aumenta a precisão e eficácia de tratamentos, reduz a mortalidade e o tempo de hospitalização, além de aumentar a longevidade, entre outros benefícios comprovados.”
Nesse sentido, a reestruturação e o reforço de quadros de pessoal da Anvisa promoverá uma agilização de processos que dificultam a evolução no setor, o que será muito positivo. No entanto, o principal gargalo que precisa ser superado é a vistoria de fábrica. “O caminho para superá-lo é a implementação do Medical Devices Single Audit Program (MDSAP), previsto para 2016″, considera Goulart.
O MDSAP é um subgrupo de trabalho do International Medical Devices Regulators Forum (IMDRF), um fórum de agências reguladoras de diversos países, cujo objetivo é criar procedimentos de inspeção de fábricas por terceiros que atendam às regras de todos os participantes. “Por enquanto, restar esperar que todos os acertos e definições da nova RDC estejam prontos até o final de 2015”, finaliza.
Por Maristela Orlowski