“Sempre tentei escrever como homem; hoje não me importo mais”, diz Fernanda Young

“Sempre tentei escrever como homem; hoje não me importo mais”, diz Fernanda Young

LITERATURA

Autora de “A Mão Esquerda de Vênus” fala sobre a

liberdade de expressão feminina que conquistou

recentemente e o processo criativo de seu novo livro


Maristela Orlowski ¸ Especial para a Gazeta do Povo


O título do novo livro de Fernanda Young, “A Mão Esquerda de Vênus”, por si só, carrega um simbolismo peculiar à autora. Assim como as 327 páginas da obra, que reúne 45 poemas inspirados em uma coleção de cartas e diários de amor e ainda traz rabiscos de versos, desenhos, fotos, pinturas e bordados provenientes do processo criativo da escritora. O novo livro de poemas é resultado da liberdade de expressão feminina que Fernanda diz ter conquistado recentemente.

Hoje, com 46 anos e fazendo faculdade de Artes Visuais, a escritora e roteirista ressalta a maturidade que lhe permitiu aceitar-se como uma autora mulher e retratar a feminilidade de forma mais expressiva. “Me constrangia ser mulher no meio literário. Sempre impus a masculinidade em minha literatura e tentei escrever como homem”, revela. “Hoje não me importo mais. É chocante a aceitação e o fato inevitável que sou mulher e escritora – e isso se deu com muita negação.”

Maturidade

O amadurecimento contribuiu para Fernanda expor mais uma vez seu lado poeta. O mergulho nas cartas de amor de Laura Figueiredo – trocadas com seu amante entre o final de 1970 e o início de 1980 – serviram de inspiração para o novo desafio.

Segundo Fernanda, Laura, já falecida, era uma mulher visionária e muito corajosa. Suas cartas secretas eram repletas de paixão, tristeza e erotismo. E, justamente por serem proibidas, eram tão excitantes. “Tomei com a mão esquerda o poder de ser venusiana, acionei meu lado subconsciente e arquétipos relacionados ao amor e extrai toda a sedução dessas cartas para a poesia”, ressalta.

Esse lado místico foi revelado durante lançamento de seu novo livro em Curitiba, na noite de segunda-feira (16). Curiosa a respeito do Tarot de Marselha há cerca de dez anos, Fernanda explicou a relação da “mão esquerda” – que se usa para tirar as cartas – com o lado subconsciente, menos racional, mais sentimental. Já Vênus, o planeta que rege seu signo (Touro), a deusa do amor retratada por Botticelli, está tatuada em sua mão esquerda. “Foi um presente que me dei no meu aniversário passado”, lembra.

Processo criativo

Não foi um caminho fácil. Segundo a escritora, escrever poesia é muito cruel, doloroso, pois a estrutura é extremamente complexa e a pontuação tem de ser precisa para que ela seja entendida – o que a assusta e intimida. Para chegar ao resultado final, alguns poemas foram reescritos inúmeras vezes.

Durante o processo de criação, muitas vezes embalado por Chopin, Fernanda conta que rabisca as ideias e desenha em papel vegetal, em telas e também nas paredes. “Meus ambientes são todos rabiscados. Às vezes, preciso de uma lupa para tentar entender o que escrevi embaixo dos desenhos”, confessa.

O resultado pode ser conferido nas 200 páginas iniciais de “A Mão Esquerda de Vênus”, que apresenta um “boneco” do processo de criação do livro de poemas, com fotos de todo material artístico e criativo da escritora.

Fernanda conta ainda que o esforço não parou por aí: foram dois anos de inúmeras tentativas de publicação do livro. “Muitas pessoas disseram que não há público para poesia no Brasil. Acho isso uma indecência, já que nossa língua é riquíssima, além de um péssimo modo de acabar com a nossa autoestima.”

“Bukowski feminina”

A escritora é fã de si própria e diz estar chocada com sua nova obra. Ela revela nunca ter lido tanto um livro seu quanto “A Mão Esquerda de Vênus”. “Não durmo sem ler e estou lendo meu próprio livro todas as noites. Nunca vou deixar de folhear, tanto pela beleza como pela categoria dos poemas”, conta Fernanda.

O entusiasmo também veio dos demais fãs da escritora. Ana Karolina Oliveira Souza, de 27 anos, que acompanha a carreira de Fernanda desde a época do programa “Os Normais” e a segue fielmente nas redes sociais, aposta no sucesso do novo livro. “Ela é ousada, não mede palavras e expõe histórias e sentimentos intensos. Esse é o seu diferencial”, diz.

Gabriel Lopes, de 20 anos, estudante de Letras que diz gostar de Fernanda desde o tempo de “Saia Justa”, que contava também com a Rita Lee, chegou a trabalhar em sala de aula os poemas de “Dores do Amor Romântico”. “O modo como ela usa as palavras e coloca o sentimento neste novo livro é diferente, de um modo simples, mas que não acaba com a profundidade das sensações e dos momentos. Sem contar que a estética é muito bonita e envolvente. ”

Já Fernanda Anacleto, estudante de Jornalismo de 25 anos, chama a xará de “Bukowski feminina”. Sua admiração pela escritora explodiu quando leu o romance “Tudo Que Você Não Soube”. “Foi um soco no estômago. Percebi que as palavras têm o poder de transformar as coisas”, comenta.


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