Reapropriando a renda com “arrastões” O que significa isso?

            Reapropriação de renda.  Este é um tema que deveria preocupar mais os intelectuais, os economistas e planejadores de políticas públicas encarregados de manter a eficiência  e a estabilidade na gestão de governo. A  tese abre uma enorme porta para  modelos alternativos de distribuição da riqueza. O governo parece saber disso. Mesmo enforcado, recusa-se a mexer no “Bolsa Família”, no “Bolsa Escola” e outros artifícios destinados a mitigar os efeitos da  má distribuição da renda no País. O modelo irrita a muitos contribuintes,  e seria ruim se não existissem outros  instrumentos mais danosos .

           Há duas semanas falou na Universidade de São Paulo um professor da Universidade de Luxemburgo chamado Wandoberghe. Concluiu que “O arrastão é reapropriação”, contrariando a ideia de que os “arrastões”  são eventos delituosos. Acrescentou que  [...] “a desigualdade social só vai diminuir significativamente quando os trombadinhas tiverem total liberdade de passar a mão na carteira de cada burguês mimado que frequenta as praias”. O arrastão seria uma resposta criativa à apropriação histórica da mais valia do trabalhador pela  sociedade de consumo. É um problema grave, gerido com dificuldade.                     Outro que se apresentam com este perfil  é o “rolezinho”, aquela invasão desordenada da multidão sobre  espaços públicos e privados.   Os pequenos comerciantes são vítimas diárias  , mas ninguém se importa com eles. A defesa dos “rolezinhos”,  no momento que ocorreram, foi enfática e convincente, sobretudo porque aconteceram nos chamados shopping centers, construídos para realizar os sonhos  e as vaidades das categorias  ricas e médias , como suas lojas, produtos e serviços sofisticados . Todos sabem que a construção da maioria desses shoppings  impactou negativamente as comunidades locais onde se instalaram.  Até acontecer os “ rolezinhos” ninguém se preocupava efetivamente com as condições e qualidade de vida dessas comunidades. O diálogo só foi estabelecido por meio da violência.

                Fundador, na Alemanha, da Liga dos Justos, Wilhelm Weitling, considerava  os criminosos  arquitetos principais da revolução. Entendia ser possível a derrubada do governo burguês pela simples ação de um pequeno grupo de pessoas  ousadas. O futuro resultaria da prática do novo.   Sua proposta foi reproduzida no Brasil por Carlos Marighella, segundo o qual  a ação direta alimentada por mitos e pela violência seria o instrumento adequado para fazer emergir uma nova sociedade. Ao comparar as duas reflexões observa-se  que ambos remetem não a simples banalização da violência, mas a uma revolução mesmo.

              Assistindo-se senhoras, velhos e crianças correndo, se arrastando  e gritando pelas areias, diante de uma horda de jovens espertos, corajosos e armados com paus e tacos de golfe que se lançam, nas praias ou nas lojas,  sobre pertences que não são seus,  fica a dúvida se a razão  de Wandoberghe não é apenas teórica.  A questão não pode ficar sem uma luz. Nós, os periféricos,  na ausência de pensadores confiáveis, somos muito permeáveis a aventuras e irresponsabilidades intelectuais de filósofos narcisistas e estilosos do primeiro mundo.

             A ausência de perspectiva e clareza de reflexão nesse momento coloca os brasileiros facilmente nas mãos de irresponsáveis e loucos mesmo. Sem instrumentos para reflexões adequadas, a população tende a classificar  os “arrastões”e os “rolezinhos” como atos transgressores, e a  solução é encher a praia de polícia. Se ainda por analogia recorrêssemos  à Revolução Francesa (1789-1799), há duzentos anos,  veríamos que o preço pago tanto pelos pobres quanto pelos ricos  foi muito alto.  Por aqui, dá para perceber que jamais passa pela cabeça dos cidadãos brasileiros  que exista alguém que deseje repetir isso. Intelectuais, economistas, e planejadores  deviam antecipar-se em oferecer alternativas, e não deixar  que a solução venha de fora.  

Jornalista e professor. Doutor em História Cultural

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