As redações e a tecnologia
Até pouco tempo atrás, os ambientes de redação no Brasil eram um tanto quanto resistentes a tecnologia. Não digo em relação aos equipamentos usados nas empresas de mídia, mas de uma forma geral os profissionais do Jornalismo vinham de uma cultura menos tech e por muitos momentos até se orgulhavam dessa coisa mais nostálgica, menos dependente das novidades.
Tem um quê de romantismo aquelas redações antigas que a gente vê em filmes, mesas bagunçadas, araras com jornais impressos dobrados, pilhas de papel e até gente fumando (sim, jovens, antigamente se fumava dentro de redações, restaurantes e até de aviões).
Não dá mais para não andar de mãos dadas com a tecnologia. O profissional que hoje chega às redações é mais que multimídia. Convivi com gente que, ao perceber mudança no perfil do seu veículo, foi resistente dizendo “agora eu vou ter de trabalhar para mais de uma plataforma?”. Esquece, caminho sem volta. Confesso que em algum momento do início da minha carreira, que tem 26 anos, certamente devo ter tido resistência a algo também.
A questão é se adaptar à realidade, aprender o que tiver de aprender e ser um profissional mais completo. É impossível não ser assim.
Sempre gostei de tecnologia. Nunca fui um hacker, mas na juventude fiz umas traquitanas por aí - e que obviamente não contarei aqui. A internet foi uma revolução. Lembro quando, lá pelos meus 19 anos, contratamos um serviço de internet e um rapaz foi instalar aquela geringonça no computador de casa. Conexão BBS, barulheira no modem, e-mail BOL, conectar de madrugada para pagar um único pulso de telefonia, demorar dias para baixar uma música, ficar puto com a mãe quando ela tirava o telefone do gancho e te desconectava da rede… Parece que estou falando de hominídeos, idade das cavernas ou pinturas rupestres. Mas não, era o fim da década de 1990 mesmo.
Sempre fui curioso. Curiosidade e desconfiança movem o jornalista. Sou capaz de lembrar exatamente o dia em que o Valmir Storti , então pauteiro no jornal Lance ! , me chamou até o “mesão” - local onde sentavam as chefias - para me apresentar a uma novidade.
“Zé, você gosta muito de pesquisar, de dados, de fuçar coisas… Dá uma olhada nessa ferramenta que acabaram de lançar. Acho que pode te ajudar muito”.
Era o Google. O Google !!!
Mas onde eu quero chegar? Até hoje existe resistência em redações quando o assunto é tecnologia. Durante os 17 anos em que fui gestor na Globo , seja no comando do digital ou como chefe de uma redação integrando as três plataformas (tv aberta, fechada e internet), tentei apresentar soluções de tecnologia para o meu time. Às vezes até coisas bem simples, mas que eram desconhecidas por muita gente e que rendiam bons resultados ao serem implantadas. Vou citar quatro exemplos:
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Por diversos anos levei parte da minha equipe ao YOUPIX , o maior festival de criação e inovação do Brasil, idealizado pela Bia Granja . Voltava de lá com a cabeça explodindo de ideias, de conexões feitas, de ver coisas sendo testadas e de encontrar tanta gente talentosa.
O Twitter (Elon, sorry, mas não consigo chamar de X) surgiu em 2006, eu aderi em 2009 e em algum momento, inspirado no Gustavo P. , comecei a usar a versão Tweetdeck. Fiquei encantado como aquela plataforma (o “deck”) poderia ser útil para o meu trabalho. Além do básico, era possível customizar muita coisa dentro da necessidade de cada um. Reparei que muita gente ainda não usava, não sabia usar ou tinha preconceito. Resultado: levei uma equipe da Globo até a sede do Twitter, na Faria Lima, e recebemos aulas de como extrair o melhor da ferramenta.
Um tempo depois, já como chefe de redação integrada e com meu dia muito mais tomado com as demandas da TV, percebi que no meio de uma conversa, um editor da televisão ficou perdido quando eu falei “SEO”. E não era só uma pessoa, muitos dentro da redação não faziam ideia do que era SEO, como funcionava ou para que servia. Trouxemos, numa parceria, um treinamento de SEO para o esporte da Globo, lotamos uma sala e demos uma surra de Search Engine Optimization.
Por fim, uma das minhas iniciativas segue na redação do esporte até hoje. Instalei um monitor de audiência do globoesporte.com para que toda equipe, seja do digital ou da tv, pudesse acompanhar em tempo real os assuntos que estão bombando no momento. Por muitas vezes esse monitor fez o Globo Esporte da TV, por exemplo, dar alguma notícia que não estava inicialmente no espelho. A ideia acabou sendo levada para outras redações pelo Brasil.
A tecnologia está aí para te ajudar. Dê a mão para ela, aprenda com ela, faça dela uma aliada e não uma inimiga. Tem Inteligência Artificial, tem ChatGPT, tem Data Lake e tem coisa que ainda nem surgiu. Use e abuse.
Deixo aqui registrado dois jornalistas em quem me inspiro quando o tema é comunicação e tecnologia: Rafael Sbarai e Fabricio Vitorino . Dois craques que merecem ser seguidos de perto.
#jornalismo #redaçao #tecnologia #chatgpt #IA #AI
Digital Business Specialist | Content Coordinator @ Gato Mestre, Globo
8 mMuito legal, Zé. Esses são convites para a multidisciplinaridade. Somos e estamos jornalistas, mas amanhã conhecendo essas tecnologias, podemos estar em carreiras diferentes. O que eu acho bacana em estar em projeto tecnológico é a via de mão dupla, além de aprender, poder passar um pouco do mundo da redação aos cientistas de dados e o funcionamento de um produto editorial. ps. Eu estou na foto do treinamento de SEO, ainda pela afiliada.
Especialista em jornalismo digital | Gerente de Growth @ Canaltech | Pai do João e do Theo | Ex-Globo.com, Techtudo, G1 SC e NSC | Mestre em Cultura Russa | Analista de espaço pós-soviético
8 mGrande Zé Gonzalez! Quantas boas lembranças (e lembranças de dias de luta!). Muito obrigado pela referência no texto. É totalmente recíproco. E estar ao lado do Rafael Sbarai é sempre uma honra. Pra ilustrar, uma imagem que reflete (e atesta) como vc e o time do Globoesporte sempre foram ponta de lança, a vanguarda da performance e do bom jornalismo digital no Grupo Globo. Lembro um evento de 2016, muito antes da moda dos downloads SXSW. Vcs bancaram um baita talk sobre os rumos do negócio, para toda a empresa, com os 4 cavaleiros de Austin (além de mim e do Sbarai, os feras Alexandre Maron e Antonio Coelho). E pudemos levar nossos aprendizados para centenas de colegas, presencial e remoto, estimulando uma sinergia que deu excelentes resultados!
I am happiest when working with companies and projects involving culture, creativity, and the creator economy 😝
8 mos crachas! 2016! :)) que legal
Jornalista - Especialista nas editorias de direitos humanos & política. Former fellow from International Center for Journalists (ICFJ).Apaixonado por projetos colaborativos e notícias de última hora!
8 mÓtimo artigo!
Editor web de dados esportivos e análise de desempenho no GloboEsporte.com
8 mFeliz que o senhor não te esqueces de mim...