Reflexões e aprendizados sobre a trajetória empreendedora

Esse ano abri espaço para ter ótimos almoços, jantares, cafés e papos de corredor com gente que empreende organizações que admiro. A gente sabe que CNPJs são feitos de CPFs, mas a real é que a gente ainda se dedica ou se permite muito pouco se conectar enquanto CPFs. E como é bom. Me energiza estar conectada com gente real, qualificada e alinhada. E também acho que flui mais naturalmente fazer negócios depois, já tendo a confiança estabelecida e a segurança de alinhamento de entre quem lidera as organizações. 

Fora a troca de percepções sobre o mercado em si, um assunto frequente nessas conversas honestas tem sido sobre “nós”, sobre a pessoa por trás da ação; sobre as outras esferas do que somos, para além apenas do que fazemos. 

Tenho ficado em mente com o assunto de saúde mental, tão necessário no campo do empreendedorismo - cada vez mais falado, mas ainda muito pouco perto do que se deveria. 

Bill O’Brien disse que “o sucesso de uma intervenção depende da condição interior do interventor” e eu concordo muito. 

Empreender requer muita resiliência - seja na consistência da ação, seja na musculatura emocional e profundidade mental para sustentar a ação. 

Resolvi compartilhar os aspectos que vejo que têm me ajudado e ajudado outros pares:

• Contato com a natureza. Observar o inverno, a primavera, o verão, o outono nos lembra que nada é uma coisa só o tempo todo, que cada período tem seu tempo e características; nos lembra que a vida é formada por ciclos e que a impermanência e a mudança são a regra; nos lembra que algumas folhas precisam cair para que novas possam nascer; que água em falta mata a planta, mas água em excesso, também; que a natureza não é binária ou polarizada, que o cactus que tem espinhos também dá flor - e que tá tudo bem. 
• Conteúdos sobre esportes de alta performance e trajetórias de empreendedores e líderes. Alguns deles na Netflix que recomendo: The Playbook, Losers, Nyad, Sprint, Roadrunner, Líderes que Inspiram, O Retorno de Simone Biles, Shirley para Presidente, Mark Cavendish, Madam CJ Walker, Joy: o nome do sucesso. As biografias do Agassi, Elza Soares e Malala também são ótimas. Ver a trajetória de outros nos inspira, nos ajuda a normalizar dilemas que nos confundimos ao achar que são apenas nossos e a aprender também a partir da vivência de outros. 
• Terapia em dia. A trajetória empreendedora por vezes nos demanda sermos “personagens”, afirmando segurança para investidores quando na real se está inseguro, motivando o time quando na real se está descrente, e por aí vai. Cada vez acho que o caminho da honestidade é o melhor, mas mesmo sem o exagero de máscaras falsas, há uma certa camada de filtro social que muitas vezes é necessária. Além disso, digerir o quem eu gostaria de ser, quem esperam que eu seja, quem é possível que eu seja agora… Diferenciar nossa “persona” empreendedora e outras esferas da nossa identidade.. Organizar as emoções paradoxais que coabitam de se sentir triste e feliz, corajoso e desesperançoso ao mesmo tempo… A psicologia e psicanálise trazem sabedorias já desenvolvidas que podem nos ajudar muito. Dizem que a ignorância é uma benção, mas não consigo acreditar em uma forma de viver que não seja comprometida com a consciência. 
• Ter ambientes seguros de troca entre pares. É muito bom ter conversas honestas e vulneráveis e ambientes para compartilhar frustrações e anseios, bem como lembrar que não se está sozinho, se sentindo parte de um grupo. 
• Ter contato com arte, música e poesia. Seja escrever, tocar algum instrumento, frequentar shows, pintar quadros… A arte dá um refresco para a alma e nos ajuda a elaborar a realidade vivenciada. Líderes lidam com o imaginário coletivo do grupo e experimentar interpretar os aspectos mais sutis do grupo ajuda nas decisões mais tangíveis. É preciso dar espaço ao vazio para que o novo possa emergir.
• Manter viva a rede de apoio de amigos e família. Mesmo o super-homem não era isso o tempo todo, também era Clark Kent rs. Quando estamos muito identificados com a nossa persona empreendedora, a qualidade das nossas decisões se reduz, sem nos permitirmos analisar as situações com neutralidade, distanciamento, visão crítica. Conviver com gente querida nos lembra que somos gente, antes de sermos empreendedores. Fora isso, quando estamos calmos e felizes, costumamos tomar decisões mais lúcidas e de qualidade. O medo nos leva a seremos curto-prazistas e egoístas. 
• Cuidado com o corpo. Seja via esporte, alimentação, sono, descanso… Empreender é maratona e não corrida de 100 metros. Não é trivial sustentar dias de 12h de reuniões seguidas e uma sequência de decisões difíceis a serem tomadas. Além de também ajudar na qualidade das nossas decisões. 
• Conhecer culturas e lugares novos. Os insights de negócio muitas vezes não vão vir observando nosso próprio mercado. Podem vir ouvindo a história de como uma pessoa conduziu uma situação difícil, de como um povo se organizou, etc. O processo criativo é errático e não linear e não vai acontecer apenas lendo livros de negócios. 

Fomos treinados a priorizar o fazer frente ao ser; a achar que tínhamos que ter identidades diferentes no trabalho e em casa; a operar na cisão e desconfiança e competição e polarização. Mas vejo que cada vez mais estamos percebendo que viver na nossa integralidade e admitindo nossa complexidade  pode ser um caminho muito mais promissor para nós enquanto pessoas e empreendedores. Que bom. 

Aos queridos, obrigada pelas trocas. Vocês sabem quem são.