Regulamentação do Lobby, sim ou não?
Nada mais oportuno para falar: regulamentação do lobby, já que, dentre as diversas associações especializadas em lobby no Brasil, destaca-se a FIESP e a CNI, cujo presidente, Robson Braga de Andrade, foi preso na manhã de ontem pela PF, na Operação Fantoche que investiga um esquema de corrupção envolvendo contratos com o Ministério do Turismo e entidades do Sistema S.
Assunto em voga nos últimos meses, tem dividido as instituições e, embora haja argumentos plausíveis para ambos os lados, de início, diga-se que não é fácil a tarefa de aprovar o Projeto de Lei que trata da matéria, nem mesmo com as emendas elaboradas ao longo dos anos.
Como se sabe, desde 2007, tramita o PL nº 1.202/2007, de autoria do Deputado Carlos Zarattini, que propõe o disciplinamento da atividade de “lobby” e a atuação de grupos de pressão ou de interesse e assemelhados no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal.
De início, cumpre-se definir a atividade de “lobby” como sendo, a priori, a atividade de influenciar o poder público na tomada de decisões atendendo certo interesse ou um grupo organizado de interesses. É o que alguns chamam de “trabalho de convencimento” e, embora seja uma atividade antiga, apenas ganhou corpo robusto na democracia, quando as decisões passaram a ter distribuição uniforme entre os Poderes, e também ficaram fortalecidas as organizações sociais, sendo que, ainda assim, inexiste regulamentação no Brasil.
Com isso, não se quer dizer, porém, que tentativas não houve. Na realidade, a primeira proposição é do Senador Marco Maciel, autor do PL nº 6.132/90, que dispõe sobre o registro de pessoas físicas e jurídicas que exercem qualquer atividade propensa a influenciar o processo legislativo no âmbito do Congresso Nacional.
Sem sucesso, porém, o projeto esbarrou na inconstitucionalidade.
O mesmo, aliás, deve ocorrer com o PL de 2007, padecendo de inconstitucionalidade, na medida em que, por seus dispositivos, acaba invadindo a seara privativa das Casas Legislativas.
Para além disso, porém, mais importante do que o vício formal, é preciso tocar em outros pontos que entornam a atividade do lobby, e afasta a necessidade, e possibilidade, de regulamentação no Brasil.
Embora se tenha notícia de que o lobby seja uma atividade de sucesso, e legítima, em outros Países, como nos EUA, cumpre-se lembrar que o sistema político de lá muito se difere do Brasil.
De início, diga-se que os norte-americanos foram influenciados e trilham o caminho do pluralismo, enquanto que no Brasil vigeu, por muito tempo, a política do corporativismo e do clientelismo, de certo modo, ainda arraigada, apesar do pluralismo promulgado em 1988.
Ademais, as eleições americanas ocorrem a cada dois anos, enquanto que aqui são de quatro em quatro, ou até em oito anos no caso dos Senadores, de modo que, nos EUA, os candidatos acabam se aproximando mais da população, de quem dependem para a reeleição, sobretudo para o financiamento de suas campanhas. Por natureza, então, eles já tendem a atender aos interesses da sociedade.
Por fim, diga-se que, lá, a eleição é centrada no candidato, responsável por arrecadar o dinheiro de sua campanha e pelo cumprimento do seu programa de governo, enquanto que no Brasil quem comanda são os partidos políticos, a quem os políticos devem certa dose de suserania.
Por aqui, então, ainda que se tenha vontade do político, certo é que ele se compromete precipuamente com o seu partido, ficando noutro plano os interesses dos seus eleitores e dos cidadãos de um modo geral.
Com isso, logo se vê que para importar a legitimidade do sistema norte-americano primeiro seria necessário adequar-se o sistema político, o que é bastante distante dessa realidade e tem um longo percurso histórico a percorrer.
Mas mesmo assim, apesar de todo esse distanciamento, e de toda evolução, diga-se que nem nos Estados Unidos, onde já é regulamentado há 50 anos, o lobby goza de boa reputação.
É que não é blasfêmia dizer que, apesar de se saber que existem pautas boas e pautas ruins, na maioria das vezes, o lobby anda por lugares ermos, intimamente ligado à corrupção e ao tráfico de influência.
Com efeito, não é preciso muito esforço, nem maiores delongas, para se notar que sempre essa atividade esteve, e está, relacionada a fins ilícitos, associada a casos de improbidade administrativa, fraude em licitações públicas, crimes contra a ordem econômica e tributária, além de crimes eleitorais, principalmente os relativos ao financiamento de campanhas.
E isso é histórico. É congênito. Aqui, se confundem o criador e a criatura, não se sabendo dizer se o lobby nasceu da corrupção ou se a corrupção é fruto do lobby.
Por isso, então, pode-se concluir que não é a regulamentação o meio de moralizar a atividade. O problema é bem mais profundo. Na verdade, com a regulamentação do lobby, corre-se o risco de institucionalizar a corrupção.
Talvez quando da reforma política, que importe em mudança profunda nos princípios e nas práticas, não só dos políticos, mas da sociedade, se possa avançar para um modelo de atuação mais próxima dos cidadãos nas decisões administrativas, que pode, ou não, passar também pela regulamentação do lobby.