Regulamentação dos  Produtos de Cannabis no Brasil – Produtos Farmacêuticos e RDC 327

Regulamentação dos Produtos de Cannabis no Brasil – Produtos Farmacêuticos e RDC 327

Em dezembro de 2019 nasceu o termo PRODUTO DERIVADO DE CANNABIS, antes disso quando se tinha a intenção de falar sobre a utilização da Cannabis sativa e/ou seus derivados, um conjunto variado de nomenclaturas eram utilizadas, como por exemplo: óleo da Cannabis, óleo de canabidiol, maconha medicinal, produtos à base de canabidiol.

O produto de Cannabis é um produto industrializado, destinado à finalidade medicinal, contendo como ativos, exclusivamente, derivados vegetais ou fitofármacos da Cannabis sativa. Tal definição é apresentada na RDC327.

A RDC327 foi publicada depois de extenso debate da ANVISA acerca das reais possibilidades e aplicações medicinais dos derivados de Cannabis, sendo levado em conta todo o entendimento sobre a segurança tanto de uso como de fabricação e comercialização dos produtos de Cannabis, no Brasil e em todo mundo. Diferentes especialistas foram ouvidos, visitas técnicas foram realizadas, médicos, pacientes e sociedade foram convidados ao debate. Mesmo que o cenário brasileiro na época pudesse ser definido como atrasado em relação ao tema, em dezembro de 2019 a ANVISA saiu na vanguarda regulatória e através da publicação da RDC327 tornou o Brasil um dos países mais atualizados e respeitados quando o assunto é a aplicação de produtos de Cannabis para fins medicinais. Essa fermenta regulatória serviu para que outros países repensassem o seu posicionamento a respeito do tema.

Fazendo uma leitura da RDC327 é fácil compreender a sua importância e o seu impacto na sociedade. Para além de definir o que são os produtos de Cannabis, a regulamentação descreve os procedimentos para que empresas possam obter a concessão da Autorização Sanitária (AS), sendo essa autorização responsável por permitir que os produtos de Cannabis sejam fabricados, bem como estabelece os requisitos para a sua comercialização e as regras de prescrição médica, dispensação farmacêutica, além do monitoramento e a fiscalização que os produtos e as empresas são submetidos, dando dessa forma total respaldo técnico aos Produtos de Cannabis. Tais produtos podem ser tanto compostos de fitofármacos ou de fitoxomplexos. Fitofármaco é quando na formulação de um produto, o ativo farmacêutico é obtido a partir da extração e isolamento de uma matriz vegetal, dessa forma no contexto dos produtos de Cannabis, o canabidiol (CBD) é um fitofármaco, sendo possível a sua utilização na medicina sobretudo pelo seu comportamento anticonvulsivante e ansiolítico. Já o fitocomplexo é quando a formulação de um produto é composta pela associação de diferentes ativos extraídos de uma mesma matriz vegetal, e da mesma forma quando estamos falando sobre os produtos de Cannabis, um fitocomplexo seria o extrato integral obtido a partir da Cannabis sativa, sendo tal extrato composto por fitocanabinoides, como o CBD e o tetrahidrocanabinol (THC) e terpenos com propriedades farmacológicas, como o beta-carofileno por exemplo, dando ao fitocomplexo da Cannabis uma maior abrangência medicinal. É interessante notar que a RDC327 pode fornecer AS para produtos que sejam tanto fitofármacos quanto fitocomplexos, sendo que de acordo com o Art 4 tais produtos devem conter exclusivamente derivados vegetais da Cannabis e possuir predominantemente o CBD. Ainda fica definido que o teor de THC será responsável por criar duas subcategorias dos produtos de Cannabis, aqueles que serão prescritos em receita especial do tipo B por apresentarem teor de THC menor do que 0,2% (ou 2mg/ml), e aqueles que vão ser prescritos em receita especial do tipo A por apresentarem teor de THC maior do que 0,2% (capítulo V Art 51 e 52). Os produtos de Cannabis só podem ser dispensados mediantes retenção e arquivamento da receita médica, sendo essa função de total responsabilidade do farmacêutico que irá seguir o rito tradicional de todo medicamento enquadrado na portaria 344/1998 e na RDC22/2014.

No entendimento da ANVISA os produtos de Cannabis devem ser prescritos quando estiverem esgotadas outras opções terapêuticas, estando o médico e equipe clínica respaldados tanto pela literatura como por sua experiência e ética. Os pacientes devem ser informados de todos os possíveis riscos e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), sobretudo porque os produtos de Cannabis estão isentos de apresentarem estudos clínicos próprios prévios, sendo de responsabilidade da empresa que obteve a AS a apresentação dos resultados de estudo clínico completo e específico para o produto dentro do prazo de 5 anos, para que a autorização não seja cancelada pela ANVISA. Dessa forma, a ANVISA entende que cria uma ferramenta capaz de impulsionar o desenvolvimento de mais pesquisas com os produtos de Cannabis, tornando o cenário da ciência e evidências ainda mais robusto quando estamos nos referindo a adoção dos produtos de Cannabis na prática clínica. Destaco que, diferentemente da RDC660, a RDC327 possibilita o acesso simplificado aos produtos de Cannabis, uma vez que permite que tais produtos sejam comercializados em farmácias e drogarias de todo o Brasil.

Para que as empresas interessadas possam obter a AS, elas devem atender diversos requisitos e deve ser a empresa a responsável pela qualidade e segurança dos produtos de Cannabis. As empresas devem possuir autorização de funcionamento emitida pela ANVISA para fabricar ou importar medicamentos (AEF) além de certificado de boas práticas de fabricação de medicamentos (CBPF). Em relação aos documentos e relatórios, é necessário apresentar o racional técnico e científico que justifique a formulação do produto de Cannabis, relatórios de estabilidade, comprovar que possui capacidade para receber e tratar as notificações de efeitos adversos e dessa forma possuir as ferramentas adequadas de monitoramento de farmacovigilância, apresentar os testes de limites e especificações analíticas de controle de qualidade que atestem sobretudo a concentração dos principais fitocanabinoides presentes na formulação e outros documentos. Todas as responsabilidades devem ser atendidas e submetidas para análise da ANVISA, que então irá emitir a AS para o produto de Cannabis. Atualmente existe um total de 32 produtos de Cannabis autorizados pela ANVISA, sendo 22 formulações de CBD isolado e 12 de Extrato de Cannabis sativa. Inclusive a ANVISA disponibiliza em seu site a lista de todos os produtos de Cannabis que possuem autorização mediantes as regras da RDC327: https://consultas.anvisa.gov.br/#/cannabis/?substancia=26256

Todas as exigências documentais e técnicas podem parecer num primeiro olhar algo difícil e não praticável, mas na verdade fazem parte do dia a dia do setor farmacêutico. São cuidados que visam atestar sobretudo a segurança de determinado produto e medicamento, garantindo assim segurança prescritiva e sobretudo segurança farmacêutica para os pacientes. Quando se opta pela utilização de um produto de Cannabis que atende as normas dispostas pela RDC327, médico e paciente estão optando para utilização de um produto que passou pela análise técnica da ANVISA, apresenta rastreabilidade, conformidade de sua formulação e enquadramento compatível as regras aplicadas aos medicamentos.  De fato, no Art 8 é descrito que a empresa responsável pelo produto deve pleitar a regularização do produto de Cannabis pelas vias de registro de medicamento, uma vez que a ANVISA entende que os produtos derivados de Cannabis possuem justificativa para serem enquadrados como medicamento e/ou medicamento fitoterápico, e usa a RDC327 como um instrumento de transição para que futuramente todos os produtos de Cannabis possam de fato serem registrados como medicamento no Brasil. Por isso, os produtos de Cannabis já devem possuir qualidade farmacêutica para uso humano e devem ser formulados a partir de insumo farmacêutico ativo (IFA). Ainda, o controle de qualidade do produto acabado deve ser realizado em território nacional para todos os lotes, sendo tais análises realizadas em laboratórios credenciados pela Rede Brasileira de Laboratórios Analíticos em Saúde (REBLAS).

Outras qualificações dispostas na RDC327 são específicas para os produtos de Cannabis, como por exemplo o fato deles não apresentarem nomes comerciais devendo ser designados pelo nome do derivado vegetal ou fitofármaco acompanhado do nome da empresa responsável, não apresentar fórmula de liberação modificada, nanotecnologia ou peguilhados e conforme o Art 10 os produtos de Cannabis serão autorizados para utilização apenas por via oral ou nasal.  O Art 12 proíbe qualquer publicidade dos produtos de Cannabis enquanto o Art 14 não permite a entrega de “amostra grátis”. Ainda, a RDC327 define que não serão considerados produtos de Cannabis para fins medicinais os cosméticos, produtos fumígenos ou alimentos, além de proibir a manipulação de fórmulas magistrais contendo derivados ou fitofármacos à base de Cannabis. Além disso, de forma contundente, como em outros materiais técnicos da ANVISA, a RDC327 reafirma que não é permitida que os produtos de Cannabis sejam comercializados sob a forma de droga vegetal da planta Cannabis sativa, ou suas partes, mesmo após processo de estabilização e secagem, ou na sua forma rasurada, triturada ou pulverizada, ainda que disponibilizada em qualquer forma farmacêutica.

Obviamente, mesmo sendo um documento que dentro das suas limitações é bastante completo e realístico, a RDC 327 ainda merece atualizações com melhorias em diversos aspectos, como por exemplo sobre a prescrição dos produtos de Cannabis ser realizada por outros profissionais que já prescrevem medicamentos controlados conforme a portaria 344/1998, como por exemplo os dentistas, além de possibilitar que os produtos de Cannabis possam ser administrados por outras vias como a via tópica, ou ainda reconhecer a existência e o potencial farmacológico de outros fitocanabinoides como o canabigerol (CBG). Esse ano está sendo aguardada a publicação da primeira atualização da RDC327 que ainda não tem data para ser publicada. Mas em seu conjunto, a RDC327 vai para sempre ter a sua importância como um marco na história regulatória dos produtos de Cannabis não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, sendo o instrumento que visa a garantia da qualidade técnica, bem como padronização de fabricação, adequação ao rito prescritivo e de dispensação, elementos esses que são fundamentais para garantir o acesso e o tratamento adequado e continuado para os pacientes brasileiros.

 

 

 

Vinicius Costa de Alvarenga

Especialista em Gestão e Transformação de Negócios

8 m

Na verdade após 5 anos do pedido de licença as empresas deveriam ter os teste clínicos p seguir o registro do medicamento…a revisão já era pra ter ocorrido pois seriam até 3 anos após a publicação… minha dúvida é se a empresas perderão suas licenças findo o prazo de 5 anos ou se o lobby postergará mais e mais esse prazo….

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