A relação simbiótica entre organizações e imprensa especializada
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A relação simbiótica entre organizações e imprensa especializada

Paulo Brehm

Já aqui, nesta série de reflexões, abordei alguns aspetos das sempre complexas relações entre as organizações e a imprensa especializada, mas não há dúvidas que ainda há muito por dissecar.

Algumas organizações defendem que, ao emitir comunicados de imprensa, além de disseminar as suas mensagens - sejam novidades, inovações, aspirações, convicções, ou opiniões - estão a fornecer conteúdos relevantes e de qualidade que ajudam os órgãos de comunicação a atrair e reter os seus leitores. Por vezes, até se pode dar este caso, mas, desde logo, “presunção e água benta, cada qual toma a que quer!”. Este é o tipo de análise que, no fim do dia, e em abono da verdade, só mesmo a editora pode fazer, pois é a única que consegue ter a noção exata dos leitores que atraiu, reteve, ou até afastou.

Por outro lado, a imprensa frequentemente argumenta que é ela quem está a dar visibilidade e projeção às empresas a quem oferece cobertura mediática, quando publica os seus comunicados, lhes faz reportagens ou realiza entrevistas. A media, de uma forma geral, tem um papel crucial em validar e amplificar as mensagens das empresas, conferindo-lhes credibilidade (ou o seu inverso) e alcance junto do público. Quando especializada, naturalmente cria maior afinidade com os públicos-alvo do setor em que se inserem. Mas, convenhamos, nem todos conseguem a mesma proeza nem os mesmos resultados.

Dizer que uns são mais importantes que outros é, como dizem os anglo-saxónicos, total nonsense! A realidade é que tanto a imprensa como as empresas dependem uma da outra numa relação de simbiose. As empresas necessitam da imprensa para comunicar com o seu público-alvo de forma eficaz, complementarmente à publicidade, enquanto a imprensa necessita das organizações e dos seus potenciais conteúdos – bons de preferência - para se manterem minimamente relevantes.

Atualmente, há quem considere que a imprensa especializada sofre de uma permanente overdose de press releases. Em primeiro lugar, há que dizer que um comunicado é uma base perfeitamente aceitável para um conteúdo. Mas, como em tudo, há comunicados e comunicados… Há os bem redigidos e há as desgraças. Todos os jornalistas (enfim, os que sabem da poda) distinguem o trigo do joio, ainda que alguns, por vezes, se distraiam (por variadíssimas razões) e publiquem ipsis verbi o que lhes chega, sem o mínimo de filtro, critério ou verificação. E, acreditem, há por aí tanta aberração publicada… tanta prosa adjetivada e desprovida de informação, que até assusta. A responsabilidade começa nas empresas, segue em quem os redige, e termina em quem os publica. O leitor, inocente, é quem sofre!

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Como circunstância atenuante, acontece – e isto é importante perceber – que num mundo dominado pelos online, a pressão por conteúdos é diária, horária mesmo. Longe vão os tempos em que a frequência era, ao limite, semanal, mas muitas vezes mensal. Dava tempo para tudo… Hoje, em cada dia, um jornal tem de apresentar um número variado de notícias e artigos. A questão é… há assim tantos conteúdos para um jornal especializado? Percebe-se, então, porque ganham importância os tais press releases, que ajudam a compor o ramalhete. O lado negro desta situação é que todos os jornais publicam as mesmas coisas. Onde está a capacidade de, pelo menos, incluir uma ou outra notícia ou artigo da chamada produção própria? É infelizmente pequena, porque estamos a falar de jornalismo de subsistência, com poucos recursos, e não de produção editorial a sério. Não é fácil inovar nestas condições. Vejamos:

Num mundo ideal, quem deveria pagar a imprensa, assegurando-lhe toda a independência que esta deveria ter, seria o leitor. Ao longo dos anos, porém, salvo muitíssimo raras exceções, as publicações B2B são, em regra, oferecidas aos leitores. Ou seja, estes não pagam pela informação ou, no caso daquelas que ainda cobram algumas assinaturas, o valor é despiciendo.

É a história do ovo e da galinha. Para viver com as receitas da venda aos leitores, haveria que investir no reforço das redações. Mas, ao fazê-lo e até esse dia (e são processos demorados e cada vez mais desafiantes, dada a concorrência de fontes informativas) como sobrevivem as publicações? Não surpreende, pois, que todos lutem pela sua sobrevivência, arranjando outras formas de gerarem receitas. A informação que integram está acessível na concorrência, seja no setor jornalístico, seja fora dele, nas redes sociais. Não é diferente de tantos outros negócios: competem entre si, mas também com os detentores da informação, em canais diretos ou nas redes sociais, por exemplo. E se não são os leitores a pagar, quem paga a conta?

Mesmo nos meios online, há salários, há custos técnicos, há deslocações, há impostos, a fatura pode ser, e é, mais elevada do que possa parecer. Não surpreende que haja publicações que, atualmente, vivam de outros negócios: iniciativas de relações públicas, seminários, workshops, todas ações úteis (e acima de qualquer crítica), mas que afastam as receitas do core do negócio. E, finalmente, há as parcas receitas publicitárias, que, em regra, dificultam a gestão dos conteúdos, pois que a quem paga é necessário dar resposta (as organizações assim o esperam) e há sempre mais ou menos pressões difíceis de solucionar.

Sobre as receitas publicitárias, não posso deixar de referir o que escrevi em (1) Comunicação e Publicidade: Coerência, precisa-se! | LinkedIn. Se todas as publicações se dessem ao respeito… Adiante…

As assessorias de imprensa têm certamente um papel crucial nesta dinâmica, atuando como mediadoras entre as organizações e os meios de comunicação. Ajudam a elaborar e a distribuir os press releases, a sugerir matérias, entrevistas, artigos, facilitando o trabalho dos jornalistas e aumentando as oportunidades de cobertura mediática. No entanto, é importante reconhecer que as assessorias não fazem milagres. a qualidade do conteúdo e a relevância da informação são fundamentais para garantir a atenção da imprensa.

Acredito que a imprensa especializada é fundamental para os negócios. Por um lado, porque oferece (ou deve oferecer) informação útil para o(s) seu(s) público(s) alvo, que são, apesar de tudo, variados (um profissional de um subsetor de turismo, por exemplo, tem expectativas e necessidades diferentes dos demais, ainda que possa haver alguma sobreposição de interesses). São publicações que, em regra, devem ser servidas por jornalistas com conhecimentos técnicos capazes de os ajudar a oferecer boas análises e trabalhos. Por outro lado, todas as organizações lutam pelo seu espaço ao sol, e a imprensa especializada também tem esse condão. A cobertura mediática proporciona visibilidade, credibilidade e uma plataforma para as empresas se destacarem no seu setor. Esta exposição é crucial para o crescimento e a sustentabilidade dos negócios, especialmente num ambiente cada vez mais competitivo.

Em conclusão, a imprensa especializada desempenha um papel vital no ecossistema empresarial. Embora existam desafios, como a pressão constante por notícias e a dependência de press releases, ou o enorme desafio na obtenção de resultados financeiros, o valor da imprensa especializada para os negócios é inegável. Estão, pois, condenados a conviver.

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