RELATIVISMO AUTORITÁRIO: FREUD EXPLICA.
Nada como a boa e velha Psicanálise para discernir o mundo contemporâneo, não é mesmo?
Pois bem, aprendemos com Freud que tudo aquilo que é recalcado, ou seja, aquelas representações que são excluídas da consciência (seja ela individual ou coletiva) sempre acaba retornando de modo disfarçado, mas reconhecível para aqueles que tem ouvidos para ouvir e olhos para ver.
Outro dia eu disse que a mentalidade moderna recalcou o Deus da Graça cristão e que essa representação tem retornado na contemporaneidade na forma da expansão irrestrita de supostos "direitos" e no repúdio ao valor do esforço. Assim como a cristandade na Idade Média acreditava num Deus que daria a vida eterna gratuitamente, muitos de nós, modernos, direcionamos essa expectativa de redenção e felicidade para a Política e, consequentemente, para o Estado. Daí a nossa tão religiosa esperança na Educação, que talvez seja até mais fervorosa que a fé depositada pelos medievais na capacidade salvífica dos sacramentos.
Mas não foi só o Deus da Graça cristão que o superego moderno recalcou, mas também a própria noção de Verdade.
Divirto-me, por exemplo, com alunos que usam a expressão "verdade absoluta" sem notarem que se trata de um flagrante pleonasmo. Eu mesmo já me peguei fazendo uso dessa expressão sem me dar conta da redundância. Trata-se de um sintoma no sentido propriamente freudiano do termo. Sintoma do recalque sofrido pela noção de Verdade no mundo moderno. Por trás da expressão "verdade absoluta" oculta-se, pela via da denegação implícita no correlato absurdo "verdade relativa", uma espécie de DESEJO DE VERDADE que não foi extirpado das vísceras humanas, apesar da indignação afetada de um Nietzsche, por exemplo.
Ora, vemos esse desejo de verdade expresso, sobretudo, nas manifestações concretas daqueles dentre nós que defendem (no nível do discurso) justamente o relativismo e o espírito democrático. Nada surpreendente para quem está familiarizado com as descobertas freudianas, afinal quem já leu Freud sabe que o recalcado se manifesta amiúde por meio do seu contrário. Contudo, nunca consegue se disfarçar perfeitamente...
Explico: Na medida em que a noção de Verdade possui necessariamente um caráter impositivo (bem notado por Nietzsche, Foucault e outros teóricos relativistas), ela está inseparavelmente articulada a outra noção que também vem sendo paulatinamente recalcada no mundo moderno: a noção de AUTORIDADE. Por essa razão, compreende-se porque aqueles dentre nós que encontram-se inteiramente colonizados pelo espírito moderno e que defendem o recalque da Verdade, acabam adotando posições autoritárias. O desejo de verdade que lutam arduamente para manter recalcado por trás de seu discurso relativista e pseudodemocrático se manifesta justamente pela exacerbação despótica da autoridade. Em outras palavras: a Verdade é expulsa pela porta da sala da modernidade com sua Bíblia e sua coroa e o autoritarismo (seu representante recalcado) retorna sorrateiramente pela janela com um fuzil nas mãos...
Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.