Reportagem especial: diplomacia sem glamour
Ao contrário do esplendor de décadas passadas, o Itamaraty enfrenta sua pior crise, com cortes no orçamento, atrasos em pagamentos e até falta de papel higiênico nas embaixadas
Por Deco Bancillon
Do alto do 14º andar do edifício que abriga a embaixada brasileira no Congo, no bairro do Gombe, na capital Kinshasa, a vista das largas avenidas com calçadas ajardinadas produz um agradável aspecto tropical que chega a remeter às paisagens de Belém e Manaus. Uma sensação que ajuda Paulo Uchôa Ribeiro Filho, o embaixador do Brasil no Congo, a encarar as dificuldades de trabalhar num país que vive uma guerra civil há quase 20 anos e tem o pior IDH do mundo. Toda a agenda do diplomata é analisada minuciosamente pela segurança da embaixada. Além disso, sempre que se desloca pela cidade o embaixador é acompanhado por pelo menos um soldado do Exército brasileiro. Durante a noite, em sua casa, dois soldados ficam de plantão.
Aos 49 anos e com mais de duas décadas de Itamaraty, Uchôa tem vasta experiência em áreas de conflito. Quando estava no Iraque, em 2009, seus deslocamentos eram feitos em comboios de três veículos, nos quais o primeiro e o terceiro transportavam seis agentes de segurança armados com metralhadoras. Três anos antes, no Líbano, viveu momentos de tensão quando a capital Beirute foi arrasada pelo conflito entre o Hezbollah e Israel. Mas, apesar dos riscos que morar em Kinshasa pode representar, a preocupação do diplomata nos últimos meses está distante da segurança. É para honrar os compromissos financeiros da embaixada que ele tem perdido o sono. “Quando há atraso no repasse dos recursos para pagamento de aluguéis, telefono pessoalmente para os proprietários dos imóveis da Chancelaria e da Residência e explico a situação. Até agora, pude contar com a compreensão de todos”, conta.
O caso de Uchôa é um entre tantos outros que foram reportados ao Ministério das Relações Exteriores no ano passado, o que, segundo especialistas, fez de 2015 o período em que o Itamaraty viveu sua pior crise orçamentária desde 1899, quando passou a ocupar o casarão na Rua Larga, no Rio de Janeiro, residência do Barão de Itamaraty, que posteriormente deu nome à pasta. Desde o início do ano, diplomatas das 236 representações brasileiras, entre embaixadas e consulados, foram avisados que dias austeros viriam e que o governo só teria dinheiro suficiente para pagar salários e demais obrigações trabalhistas de funcionários. O aviso era claro: a menos que as próprias embaixadas e consulados tivessem recursos em caixa para fazer frente às despesas do dia a dia, serviços de telefonia, internet, além de gastos básicos com contas de água, luz e calefação, seriam cortados. Os tempos de vacas magras não iriam poupar nem os postos tradicionais.
Não tardou e representações diplomáticas brasileiras passaram a ser notícia por causa de problemas orçamentários e atrasos de repasses pelo Itamaraty. Em meados do ano, o jornal argentino La Nación publicou reportagem em que relatava as dificuldades do governo brasileiro em pagar o papel higiênico e o aquecimento de suas instalações. Na mesma época, a imprensa americana mencionou que a embaixada em Washington não pôde buscar o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que chegava à cidade, porque não recebera recursos para o seguro obrigatório dos veículos. Na ocasião, todas as representações diplomáticas naquele país ficaram 20 dias sem poder utilizar os carros devido a atrasos nos pagamentos de seguro. As notícias eram o sinal mais claro de que o glamour das festas e viagens que tanto atraem jovens para o serviço diplomático chegara ao fim.
“A verdade é que a nossa vida é um exílio voluntário. É começar pela manhã e não saber a hora de voltar. É ir visitar presídios muitas vezes até nos fins de semana, para tentar ajudar brasileiros que tiveram problemas com a Justiça. É atender a 300 pessoas por dia, para providenciar passaporte, certidão de casamento, visto. É reconhecer corpo de turista morto e ser o primeiro a avisar a família. E, muitas vezes, ajudar com os tramites para o sepultamento daqueles que são enterrados como indigentes”, diz a presidente do Sindicato Nacional dos Servidores do Ministério das Relações Exteriores (Sinditamaraty), Sandra Nepomuceno, que já trabalhou para o governo brasileiro na África do Sul, Sérvia e Itália. “Para quem ainda tem aquela percepção de festas, eu sinto desapontá-lo, mas o glamour da profissão não existe há bastante tempo”, acrescenta.
Leia a reportagem completa aqui: