Resenha no céu

O céu de Belo Horizonte estava mais cinzento nesses últimos dias. Chuvas aqui ou ali, poucas, é certo, parecendo lágrimas a anunciar que alguma coisa havia acontecido. Foi, então, que veio a notícia de que dom Serafim havia partido, após 95 anos dedicados a servir a Deus e aos homens. Dos seus quase um século de existência, 60 anos foram vividos aqui na capital mineira. Acompanhou as profundas transformações da segunda metade do século passado e as primeiras décadas deste século. Foi nesses anos um pastor de almas e um líder na busca da realização da cidadania, do respeito aos direitos humanos e da equidade. Foi, além, um educador integral e um criador de instituições para contribuir com a prosperidade das pessoas e a preservação dos valores éticos. Esteve presente em todos os momentos relevantes da história da cidade, do Estado e do país.

Dom Serafim conseguiu unir prudência com ousadia. Reflexivo, cauteloso e conciliador, foi sempre uma voz de bom senso nos momentos de incertezas e tensões. Os exemplos são muitos. Trago à luz, apenas, os tempos difíceis do início dos anos sessenta quando a escuridão do obscurantismo, do ódio e da violência abateu sobre o Brasil. Aos estudantes da Juventude Universitária Católica, que embora demandassem mais ousadia em tempos turvos, dom Serafim oferecia o porto seguro da prudência.

Já nas décadas seguintes, reitor da Universidade Católica, a ousadia do visionário, cercado de jovens sonhadores, superou a prudência. Foi um desbravador e criador de instituições. Preparou a universidade para tornar-se, na década de setenta, já na administração de seu sucessor, Gamaliel Herval, a Pontifícia Universidade Católica(PUC) de Minas Gerais. A PUC se modernizou e cresceu. Com Lélio Fabiano, criou a curso de comunicações, marco na formação de profissionais e no exercício da pesquisa nesse campo tão complexo. Com Emerson de Almeida, transformou o centro de extensão da Católica na extraordinária Fundação Dom Cabral, melhor escola de formação de executivos da América Latina e uma das 10 melhores do mundo, segundo o ranking do prestigiado jornal londrino, “Financial Times”.

Imagino, agora, a festa no céu com a chegada de dom Serafim. A resenha que acontecerá com Roberto Drummond, Tele Santana, Nelson Campos, Elias Kalil, Cafunga, Zé do Monte e tantos outros atleticanos. Muitos aqui não sabem, mas foi, com sua fé, que dom Serafim segurou o pé do Victor na posição exata para parar a bola chutada no pênalti do Tijuana e, também, derrubou a atacante Ferreyra do Olímpia que corria livre para marcar o gol que tiraria a Libertadores do Galo. Ousadia até na fé.

Dom Serafim, sua passagem para a vida eterna nos enche de orgulho e de alegria. Seu legado é uma lição de vida, suas obras ficam a nos inspirar. A lamentar, apenas a falta que sua prudência nos fará nesses tempos sombrios e incertos

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