Resiliência e aprendizagem, os dois lados da moeda da experiência
A Resiliência tem sido uma palavra bastante utilizada no mundo corporativo, de uns tempos para cá.
A resiliência cobre vários significados. Por exemplo, da Ciência dos Materiais,
... se refere à propriedade de que são dotados alguns materiais, de acumular energia (mais, ver aqui).
Na Psicologia,
... como a capacidade do indivíduo lidar com problemas, superar obstáculos, ou resistir à pressão de situações adversas - choque, estresse etc (mais, ver aqui).
E ainda, na Ecologia,,
... capacidade de um sistema restabelecer seu equilíbrio após este ter sido rompido por um distúrbio, ou seja, sua capacidade de recuperação (mais, ver aqui).
No campo das organizações, poderia disponibilizar um número infindável de referências sobre o assunto. Vou citar aqui duas, não necessariamente as mais importantes, mas que dão uma ideia sobre o tema, uma com linguagem mais relacionada ao dito "mundo corporativo", a outra valendo-se de linguagem "acadêmica".
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A primeira vem de Eduardo Carmello, autor do livro "Resiliência: a transformação como ferramenta para construir empresas de valor", resgatando a origem etimológica do termo, que significa "impulsionar novamente para", algo como um resgate energético, buscando forças sempre que for necessário.
A segunda é de caráter acadêmico e trata de uma tese de Doutorado em Administração, pela FGV/EAESP, de autoria de Fernando Job, intitulada "Os Sentidos do Trabalho e a Importância da Resiliência nas Organizações". Algo diverso de Carmello, ele aprofunda mais o sentido de sofrimento associado à resiliência, em particular, o relacionado ao trabalho nas Organizações.
Apesar das controvérsias, ao se ler os textos acima, resiliência e sofrimento parecem convergir. Entretanto, para buscar reunir os argumentos, a resiliência está mais ligada ao sofrimento ativo, ou ver o sofrimento como agente de mudança e, em níveis mais adiantados, para prevê-la. É ver o sofrimento, ou a “perturbação no equilíbrio”, a expressão que se queira dar, como algo que faça parte da vida, até mesmo algo que se possa agradecer por nos ajudar a crescer, seja individual ou coletivamente, em caso de grupos e organizações. Algumas doutrinas ou religiões, inclusive, consideram o sofrimento, de certa forma, sob este prisma, ainda que nem sempre de maneira tão direta. E ao ver o sofrimento, a perturbação, o desafio, como algo natural na vida, sua superação e convivência ativa com a ajuda da resiliência como capacidade humana só pode se dar com uma abertura constante para a ... aprendizagem contínua, consolidando, melhorando e transformando padrões, hábitos e crenças.
Diz-se que o aprendizado ocorre pelo amor ou pela dor. Em termos corporativos, isso poderia ser descrito como a “conscientização valorativa do ser humano” ou como a aplicação de um “sistema de incentivos e consequências”. O primeiro atua no plano das ideias, enquanto o segundo opera no campo das sensações. A abordagem puramente intelectual pode soar um tanto "ideal", enquanto a experiência sensível, adquirida pela vivência, oferece uma alternativa mais tangível. Essa vivência, com suas incontáveis variações, depende do contexto e do indivíduo, refletindo a sabedoria prática que cada um constrói ao longo da vida.
Portanto, embora o ideal tenda a ser aprender pelo amor ou pela conscientização, na prática cotidiana o aprendizado frequentemente ocorre por meio da experiência, muitas vezes acompanhado, em maior ou menor grau, de sofrimento e dor. Diante dessa realidade, resiliência pode ser a atitude mais adequada para extrair valor e aprendizado dessas vivências. Por meio dela, o sofrimento — que, se mal administrado, pode levar ao estresse, à angústia, à perda da criatividade e da capacidade de agir, ou até mesmo a consequências mais graves — pode ser transformado em uma força impulsionadora de crescimento, evolução e superação.
Praticar a resiliência sem uma reflexão crítica, entretanto, pode se transformar em uma armadilha insidiosa, na qual, como alerta Byung-Chul Han, a dor é subordinada a uma lógica de desempenho e ajustada à ideologia da "positividade" (veja mais aqui). Nesse contexto, a resiliência deixa de estar vinculada à aprendizagem ou ao necessário sofrimento transformador, tornando-se um instrumento de conformismo: "você falhou, a culpa é sua." Assim, a resiliência perde seu potencial emancipador e se converte em uma ferramenta para suportar calado, internalizar culpas e submeter-se às dinâmicas de uma lógica dominante, que silencia críticas e perpetua estruturas opressoras.
Enfim, aprendizagem e resiliência são atributos profundamente interligados, desempenhando um papel essencial na adaptação às mudanças e no enfrentamento das experiências diárias, com seus prazeres e sofrimentos inerentes. Essa interação não apenas facilita a internalização mais rápida das ideias e lições aprendidas, mas também as transforma em uma reserva potencial de recursos para ações e decisões futuras, tanto no âmbito pessoal quanto nas organizações. São, em essência, dois lados de uma mesma moeda: a experiência.
Gerente de serviços na Elevadores Atlas Schindler | Gestão Comercial e Serviços
2 mMuito bom artigo. Enquanto lia pensava no sentido Físico, no material acumulando energia por conta de tensões e choques para depois retomar ao seu estado original. Também nós estamos sujeitos a essas tensões e choques no dia a dia, precisamos absorver essa energia e devolver para não “quebrar”, o que vem a ser a síndrome de burnout. Abraços e obrigado por trazer o tema.
Pesquisadora | Trabalho e Emprego | Gestão de Pessoas | Saúde Mental Relacionada ao Trabalho (SMRT) | Saúde do Trabalhador | Docência
3 mLembrei também do Dejours falando sobre sofrimento criativo e patogênico. Não sei se tenho muito apreço pela palavra “resiliência” porque às vezes me parece utilizada para mascarar os possíveis efeitos nocivos da positividade tóxica. Mas também vejo valor em superar as adversidades e reerguer-se em meio aos desafios. Por fim, consideradas as contradições, há de se afirmar a necessidade de se refletir sobre e buscar sempre o equilíbrio!