Consultar e ser consultado

Outro dia, lembrei-me do filme "Hitch", com Will Smith, em que um conselheiro amoroso bem-sucedido, capaz de fazer "milagres" com "clientes difíceis", enfrenta dificuldades para aplicar as próprias regras ao seu dilema amoroso.

Isso pode remeter a uma série de clichês, como, por exemplo, "em casa de ferreiro, o espeto é de pau". Quem vive no mundo corporativo já presenciou ou participou, como cliente, fornecedor de serviço ou consultor, de situações semelhantes, ou seja, aquilo que o consultor ou prestador de serviços prescreve pode ser difícil de aplicar a si mesmo.

A área de Gestão de Pessoas das organizações, ou outras funções corporativas, pode exemplificar essa situação, evidenciada por uma frase muito comum: "provar do próprio veneno". Essa expressão é usada para várias categorias profissionais, como médicos e psicólogos, que costumam recorrer a colegas quando enfrentam problemas pessoais.

Um dos motivos pode ser o fato de estarmos bloqueados por nossas próprias crenças e emoções ao lidar com nossos problemas, algo que tem sido objeto de estudos, como o de Daniel Kahneman em seu livro "Rápido e Devagar: duas formas de pensar". Ele aponta que, em nossas decisões, enxergamos apenas o que queremos, e um observador neutro "tem mais probabilidade de detectar erros do que nós". Não por acaso, ferramentas de IA são amplamente utilizadas para auxiliar em processos decisórios, especialmente em situações em que o autocontrole emocional é desafiador (há outras questões envolvidas, mas serão abordadas em postagens futuras).

Dentro de uma visão de aprendizagem como prática social, essas questões não são conflitantes. Aprendemos com os outros, mas, fundamentalmente, o processo de aprendizagem individual é, claro, individual. Realizar a aprendizagem individual não significa praticá-la sozinho, mas assumir a responsabilidade por ela. Além disso, há muitos professores e consultores excelentes que, por um lado, amam o que fazem e buscam, paralelamente à satisfação de suas necessidades materiais, ajudar os outros na medida de sua capacidade; por outro lado, também enfrentam dificuldades pessoais, algo "normalíssimo" para qualquer pessoa, e isso não deve desanimá-los. Pelo contrário, procurar orientação externa é uma atitude que pode ajudar.

Cada um enfrenta seus desafios, mas também possui capacidades. Trata-se, afinal, de algo tão antigo quanto qualquer conto de fadas, nos quais príncipes e princesas recebem espadas, escudos e outros poderes para enfrentar temíveis dragões e outros perigos.

Por outro lado, esse é também um processo coletivo: conhecer a si mesmo, conhecer o outro, compreender a relação entre si e o outro, e entender o contexto temporal e espacial em que tudo ocorre são elementos importantes para o aperfeiçoamento. Os resultados e méritos, por mais que nossos egos e uma sociedade cada vez mais individualista e atomista (uma visão de sociedade em que as pessoas estão voltadas para o atingimento de fins especificamente individuais) possam sugerir, não são, em última instância, apenas e exclusivamente individuais.

Portanto, a quem interessar possa: consultem e sejam consultados. Sobretudo, estejam sempre atentos às lições aprendidas e celebrem os aperfeiçoamentos e bons resultados, mas cuidando para não deixar que a confiança e a competência sejam ofuscadas por vícios como a soberba, a vaidade e o egoísmo.