Resiliência, tô fora

Sério. Não aguento mais ouvir essa palavrinha.

Ela é repetida como uma sacrossanta tábua de salvação. Quem a pronuncia, mergulha na ilusão de ter as roupas e as armas de Jorge.

Imagina-se pronto (a) para tudo.

Até aí nada demais. A criatividade é uma das nossas maiores riquezas. Que todos se deleitem em suas fantasias.

O problema talvez esteja mesmo em mim. Em vez de herói, só consigo ver a label de manada. Não estou falando do conceito da física, e sim sobre o uso "corporativo" do termo.

Sei que auto-ajuda funciona para muita gente. Que ótimo. É razão suficiente para estar valendo.

Sem fugir do assunto, deixa eu dar uma volta. Chego já, você vai ver.

Estava batendo um papo com um amigo sobre o assunto. Ele comentou sobre resiliência na vida pessoal. Exemplo: suportar dores como a perda de alguém amado.

Não precisava de palavra nova. Isso é viver, ué.

Tomar na cabeça, se agoniar, rir, levantar, tropeçar. Existe dia sem frustração? Por menor que seja?

Ninguém faz curso para aturar a morte de um amigo, a doença de um filho, a angústia de olhar para uma conta que você não tem como pagar.

Ou você segue, ou pifa. Não estamos preparados, nem vamos nos preparar.

Se seguir é ser resiliente, é apenas um recorte. Não dá para ignorar que quem pifa aqui, vai se superar ali. E assim caminha a humanidade.

Fracos, fortes. Claro, escuro. Sístole, diástole. Nós.

Voltando aos parágrafos iniciais, a desgraça é o uso "corporativo". Por isso, aliás, o textinho capenga faz muito mais sentido aqui no Linkedin.

Querem nos fazer acreditar que aguentar chefes psicopatas, expedientes infinitos, reuniões intermináveis, metas malucas, que tudo isso é resiliência.

Se for, leve sua resiliência para lá. Eu tô fora.

Na nossa rasteira rapidez, alguém pode dizer: esse cara não gosta de trabalhar, é um vagabundo.

Escrevi essas linhas modorrentas em 38 parcelas porque estamos fechando um evento legal demais. O Plural vai reunir nos próximos dias 21 e 22 mais de 130 palestrantes e painelistas na Praia de Iracema, Fortaleza, discutindo e praticando economia criativa e inovação.

Precisamos de patrocinadores, de parceiros, de fornecedores, de autorizações,... Trocentas coisas para resolver.

Voltei a acordar de madrugada, pensando, sem conseguir dormir depois. Criei minhas clássicas reações de pele em torno dos olhos. Elas sempre me entregam quando estou tenso.

A pressão maior não vem da chefia. Vem da autonomia que me foi dada, de ter que fazer aquilo que a equipe criou ser uma entrega maravilhosa para a cidade e rentável para todos. Problemas simples da rotina de todo mundo, seja lá em que área for.

A semana não está sendo mole. E não poderia estar mais feliz por isso. Acreditamos de verdade que vai ser um evento incrível, que estamos fazendo algo de muito legal pela cidade e por quem mora aqui.

Aí está o ponto. Enfim.

Não é questão se você trabalha muito ou pouco. Se está estressado ou não. O ponto é se você está conseguindo dar sentido ao enorme tempo que passa trabalhando - e a todo e qualquer tempo.

Pra usar outra palavra da moda, que me cai um pouco melhor, tem que ter algum propósito. Seja lá qual for.

A tal resiliência seria uma forma de te manter supostamente satisfeito por estar pirando no trabalho, como se isso um dia te levasse ao sucesso.

E que sucesso? O sonho de ficar milionário?

Ter dinheiro é bom demais. Não há dúvida. E não questiono quem tenha a clareza de ter essa como prioridade (de forma honesta). Mas será que esse é mesmo o grande sucesso para todos nós?

Aos 47, posso dizer que, definitivamente, para mim, não. Reforço: para mim. Não é uma verdade universal, apenas uma escolha pessoal.

Acho que esse descompasso de expectativas vem desde a escola, aquele lugar que faz de tudo para as crianças não gostarem de ler. E nisso eu ganhei deles.

Fico muito mais à vontade numa palavra hoje considerada abominável: resignado.

Moro numa casinha simples muito legal. Tenho mulher e filhos muito mais incríveis do que seria capaz de sonhar. Gosto do ambiente do meu trabalho, das pessoas, das relações, do que temos produzido.

Ser resignado não significa não ser capaz de querer mais, de querer sonhar e de realizar.

Significa que não estou disposto a correr atrás do sucesso a qualquer preço. O sucesso que eu quero, eu já tenho. Não é estático. A roda precisa girar para abastecer as milhares de aspirações que surgem dentro dessa formatação.

Não para nunca.

Divido os custos de casa com a minha mulher. Resmungo com ela quando a conta fica muito cara num restaurante. Questiono se precisamos de tantos ar-condicionados ligados. Não viajo nem de longe com a frequência que acharia ideal.

Isso também é viver.

Tentamos todo os dias alcançar um pouco mais longe. As demandas não param.

Não é resiliência. É vontade.

Só não abro mão de ver meus filhos crescendo. De fazer meus esportes. Ouvir minha mulher falando com carinho de seus alunos. Fazer do trabalho um espaço de realização para mim e para os outros. Buscar algum equilíbrio na relação de tantas prioridades cotidianas.

Não acredito em felicidade plena, fechada. Em resumo, acredito que alguém mais perto de sentido será muito mais proveitoso também para o mercado. Até porque não precisa se convencer que é resiliente para performar melhor.





























Nonato Albuquerque

Comunicador na JANGADEIRO BAND NEWS Fortaleza

12 m

Excelência de texto. Como só poderia ser de alguém com a liberdade de pensar fora da casca, fugir do rótulo e se integrar a um pequeno número de sabedores pensantes como tu és Hélcio

Raquel Araujo

Educadora Parental / Disciplina Positiva / Parentalidade Positiva / Orientadora de Pais / ALENTO - Parentalidade Afetiva

6 a

Que texto bacana, sincero e que soa como um texto que que muitos deveriam ler todos os dias! Obrigada Marina Leitão por ter comentado no texto e ter me proporcionado a chance de lê-lo hoje!

Marina Leitão

Marketing, Estratégia, Conteúdo e Novos Negócios

6 a

exatamente isso ❤️

Marcelo Fazzio

Fundador da Mentoria Express :: Excelência em Atendimento, Liderança, Gestão de Pessoas e Desenvolvimento de Conteúdo :: Insta: @mentoriaexp

6 a

Perfeito

Ivone Rocha

Investigadora de polícia 🕵🏻♀️

6 a

Sempre odeio quando me falam de resiliência. Parece algo que é pre requisito, que é obrigatório ter. E pior, parece algo que realmente te remete a obrigação. Obrigação de suportar. Por mais arbitrária que a situação seja. E isso, pra mim, beira o desumano. Amei o paralelo com o propósito. Um conceito bem mais agradável e inspirador.

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