Resistir e existir
Foram anos programando e curtindo a ideia de fazer uma viagem internacional com minha filha de 10 anos. As meninas Lopes conheceriam o mundo! Na verdade decidimos começar pelo Canadá. Um curso de inglês e depois, por indicação de um amigo viajado, colocamos no roteiro uma parada no México, para conhecer a casa da Frida, ideia da pequena que tinha estudado um pouco a história da artista.
Não que ser a principal responsável pela educação e bem estar de minha filha no cotidiano seja uma coisa fácil e sem questionamentos, mas quando falei da viagem para o México algumas frases de cuidado me espantaram: “Vai ao Médico, por quê? É perigoso para mulheres!, “Sabia que sequestram mulheres no México?” e também “Duas mulheres sozinhas no México?”
Com jeito e na maioria das vezes ignorando tudo isso, seguimos nosso planejamento e desembarcamos na Cidade do México em agosto de 2019. No mesmo dia de uma manifestação de mulheres que pediam uma investigação correta de um caso de estupro, cometido por policiais!
Foi muito significativo perceber e sentir aquela atmosfera de união e revolta. Viver no Brasil e mais especificamente na cidade de São Paulo me faz lembrar do gênero que chamo de meu diariamente. O salário que recebo sempre foi menor do que o de qualquer homem na mesma posição que eu, educo uma menina de 10 anos, que sabe que precisa tomar cuidado com homens que não entendem que ela é criança, evitamos alguns lugares e tomamos muito cuidado no transporte público.
Mesmo assim, não foi esse o momento da virada. Vimos, percebemos o clima, mas estávamos de passagem.
Assim seguimos para nossa próxima parada: Canadá. A mudança de comportamento foi radical, uma clima de tranquilidade que chega a incomodar e foi nesse momento que uma questão fez com que refletisse.
Em uma conversa de corredor, uma professora canadense nos questionou: “Se o seu país é tão perigoso, porque ainda saem de casa em horários não apropriados?”
Essa pergunta me agrediu, me senti ainda mais impedida do meu direito de ir e vir e pior, as demais mulheres do grupo, de outros países concordaram com esse questionamento. Enquanto as mexicanas, mais jovens que eu tentavam explicar essa teimosia “maluca”, foi a minha criança que deu a resposta: “Porque não podemos desistir!”
Uma verdade simples e direta, “Porque não podemos deixar de viver!”
Aquele brilho no olhar me pedindo apoio, afinal sou a mãe que tirou ela da zona de conforto para aquilo tudo, veio certeiro em minha direção. E nossa, que medo senti. Concordei e completei “as vezes precisamos ser exemplo de resistência para que as coisas mudem!”.
Quando li sobre sobre o Anuário Brasileiro de Segurança Pública com dados estarrecedores, como o de que uma menina com menos de 13 anos é estuprada a cada quatro horas no Brasil, todos esses pensamentos me vieram a mente de uma vez.
Não só por tomar mais uma vez contato com essa realidade, mas também por sentir que demorei para deixar claro para o mundo que NÃO VAMOS DESISTIR!
Não vamos desistir dos melhores salários, da liberdade de vestir o que quisermos, da segurança de estar onde quisermos, de tomar as decisões que forem mais convenientes e sempre bom lembrar não desistiremos de estudar!
Tenho muito orgulho das experiências que a vida me proporcionou e do sentido que vejo em comunicar todos os dias os bons trabalhos em educação. Sei que esse sentimento de completude só foi possível graças ao: “Não podemos desistir!”, da minha menina.
Executiva de Novos Negócios
5 aResistir é a única forma de existir. Seguimos firmes.