Responsabilidade civil por fraude em anúncio publicitário comercial.
Se nós compramos um produto através de anúncio publicitário veiculado e depois descobrimos que fomos vítima de um golpe, pois a suposta empresa vendedora não existe, poderemos pedir a responsabilização da empresa que veiculou a falsa propaganda?
Em caso prático, um consumidor moveu ação indenizatória por danos materiais e morais alegando ter sido vítima de propaganda enganosa veiculada por canal televisivo mantido pela Embratel, ré da ação. O autor afirmou que ao assistir a "TV EXECUTIVA", tomou conhecimento, mediante anúncio publicitário, da oferta de um trator em condições vantajosas.
Após fazer dois depósitos para concretizar a compra, disse ter descoberto que a empresa vendedora não existia, pois não possuía inscrição na Receita Federal. Procurou a Embratel (empresa ré), mas não lhe foi prestado qualquer auxílio, orientação, indicação de como poderia contatar com a empresa anunciante, não tendo ela telefone, endereço, nome dos responsáveis com quem contratara o espaço publicitário.
O autor fundamenta seu pedido afirmando que a demandada deveria primar pela correta celebração de seus contratos, pois, embora tenham natureza jurídica particular, afetam um público maior. Sustentou competir à ré verificar os termos do anúncio, as características do anunciante, de modo a não apenas evitar danos a pessoas de boa-fé, mas também de se resguardar ou afastar sua própria responsabilidade.
Na sua defesa, a requerida contestou o pedido indenizatório, sustentando não ser hipótese de relação de consumo, bem como afirmando não ser responsável pelos danos suportados pelo autor. Alegou ter o demandante faltado com as devidas cautelas para a prática do negócio, sendo, indevida qualquer tipo de indenização.
A sentença julgou procedente o pedido, sendo posteriormente confirmada pelo Tribunal de Justiça, que aplicou o Código de Defesa do Consumidor, considerando a empresa ré como fornecedora de serviço, com base no artigo 3.º, § 2.º, sob o fundamento de que o serviço prestado pela Empresa Embratel, via TV Executiva, é remunerado de forma indireta, visto que o grande número de compras efetuados através do canal da ré aumenta o seu prestígio e o valor de mercado.
No mérito, manteve a condenação estabelecida na sentença com base na teoria do risco do empreendimento, destacando a responsabilidade objetiva da prestadora do serviço defeituoso.
Ao julgar o Recurso Especial da empresa demandada, o Superior Tribunal de Justiça confirmou a condenação, afastando as alegações de culpa exclusiva da vítima (falta de cautela ao negociar o produto), bem como o fato exclusivo de terceiro (dano decorreu de atitude da empresa responsável pela produção da publicidade).
Em relação ao fato de terceiro, discorreu o relator ministro Paulo de Tarso Sanseverino sobre o conceito de prestação defeituosa do serviço (art. 14, caput, do CDC), aduzindo que o serviço defeituoso é aquele que não apresenta a segurança legitimamente esperada pelo consumidor (art. 14, § 1.º, do CDC). Esclareceu que a legislação não forneceu um conceito preciso de defeito, que tenha abrangência para a totalidade das situações possíveis na vida social, tendo optado por uma cláusula geral em cujo núcleo está a expressão "segurança legitimamente esperada", cuja ausência caracteriza um produto ou serviço como defeituoso.
No caso em análise, foi considerado que o serviço prestado pela ré não atendeu a "segurança legitimamente esperada" pelo consumidor, destacando-se que o autor procurou a empresa ré pedindo auxílio, diante da fraude de que fora vítima, mas nenhuma colaboração lhe foi prestada no sentido de, pelo menos, informar o nome e endereço dos responsáveis pelo anúncio, deixando o consumidor no mais absoluto desamparo.
A alegação da demandada de "apenas servir de canal entre o anunciante e o consumidor", não foi suficiente para afastar obrigações e responsabilidades pelo serviço que presta, ainda mais porque não atendeu a determinação feita pelo juízo de primeiro grau no sentido de apresentar cópia do contrato de prestação de serviços celebrado com a empresa anunciante. Portanto, concluiu-se que o serviço prestado pela Embratel foi defeituoso, seja na sua execução (contratar com estelionatário a veiculação de mensagem publicitária), seja no momento posterior (deixar o consumidor lesado no mais absoluto desamparo).
Quanto a alegada culpa exclusiva da vítima, pois o consumidor não teria agido com a devida cautela na realização do negócio, o relator fez uma importante indagação: "Quem realmente não agiu com cautela? O consumidor que, ao ligar na programação do canal televisivo, foi seduzido pela oferta veiculada, ou a empresa de televisão que celebra contrato referente a espaço publicitário com fraudadores sem nem mesmo armazenar os respectivos instrumentos contratuais?"
Por fim, entendeu não haver dúvidas da desídia da empresa ré, uma vez que antes da prestação do serviço não tomou as devidas cautelas e, depois de ocorrido o ato ilícito, tenta transferir toda a responsabilidade para o consumidor.
STJ, RECURSO ESPECIAL 1.391.084 - RJ, DJe 25/02/2014.