A responsabilidade daqueles que ficam

A responsabilidade daqueles que ficam

O que poucos sabem é que eu chorei em 29 de abril de 2020. Eu tentei segurar as lágrimas, mas elas vieram rapidamente e deixaram meus olhos vermelhos, meu coração quebrado e uma sensação de alívio. Foi um misto de sentimentos compartilhados com aqueles que assistiram comigo algo tão lindo ser extremamente atingido por um cenário que ninguém previu. É como se um avião tivesse caído e feito um estrago imenso em uma casa que foi minuciosamente construída durante quase 11 anos. E eu senti como se estivesse olhando para a minha moradia de uma maneira diferente, e descobri que meu quarto ainda estava intacto – mas o local em que meus colegas dormiam foi sugado pela infelicidade do imprevisível.

Mas não foi somente a empresa em que eu trabalho. Foi o mundo inteiro. Profissionais competentes viram os terríveis efeitos da economia e do medo roubarem seus empregos. E essas pessoas ainda podem se considerar sortudas porque, enquanto alguns de nós sentirão saudades das empresas em que trabalhavam, outros sentirão falta eterna daqueles que foram esmagados por uma doença surreal, quase invisível e extremamente sufocante.

Faz um mês que tudo isso aconteceu e ainda estamos nos recuperando. Mas todo luto tem que ter um final. Toda perda tem um ganho, e aprendemos sempre muito nessas experiências que nos moldam e nos transformam. Esse processo me lembrou de um dos períodos mais desafiadores da minha vida, que foi quando eu me juntei àquelas pessoas que carregam uma falta eterna. Tudo isso me trouxe o sentimento de que conseguiremos superar o que aconteceu se tivermos equipes próximas (principalmente gestores, porque o papel do meu líder na época do falecimento da minha mãe foi extraordinário que nem tenho palavras suficientes para agradecer), soubermos do nosso valor e levantarmos a cabeça para continuarmos nos desafiando todos os dias.

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Uma das últimas fotos que tirei com minha mãe, em 2009. Ela faleceu em março de 2010 e foi um dos momentos mais desafiadores da minha vida - mas que me proporcionou um crescimento inigualável.

O futuro está incerto, eu sei. Para mim também. E por mais que você leia isto e pense: “para ela é fácil porque ela manteve seu emprego”, eu gostaria que você soubesse duas coisas. A primeira delas é que “desta vez, eu mantive minha posição”. Já passei por outras crises nas empresas em que eu trabalhava e já estive na lista daqueles que tiveram que deixar seus lugares, seus sonhos, seus desafios e suas conquistas para trás. Não foi fácil, eu sei, e sei o quanto tudo isso mexe com nossa autoestima – mesmo que, no fundo, nós saibamos que não se trata de falta de empenho ou resultado. E a segunda é a pressão de honrar a confiança que foi me dada. Cito isso não de forma negativa, mas para dizer que, a cada dia, sinto mais a necessidade de ter um desempenho ainda melhor como forma de agradecimento pela oportunidade de ficar – e isso significa me envolver ainda mais, mesmo que se torne um paradoxo, já que sou daquelas que vive a empresa e sua cultura o tempo inteiro.

Nós que ficamos temos uma responsabilidade imensa: não só com a empresa, mas também com aqueles que se viram na busca de uma nova oportunidade quando simplesmente amavam o lugar em que trabalhavam. Temos que afastar o sentimento da perda e entender que são processos naturais (apesar de que, neste momento, até diria que “sobrenaturais”); árduos, mas necessários. E temos que transformar nossa competência e determinação em ótimos resultados. Porque é isso que todos nós precisamos: dar o nosso melhor sempre, mesmo que essa régua de entregas oscile entre os dias. Mesmo que haja dias ruins ou incertos. Mesmo que haja medo. Mesmo que ainda haja dor. Precisamos continuar caminhando. Afinal, um metro a frente é melhor do que ficar no mesmo lugar.

Falam muito que o trabalho dignifica o homem. Talvez seja o contrário. Quando colocamos nosso amor no que fazemos, nós fazemos o trabalho de verdade valer a pena. Nós impactamos as pessoas – seja por meio de um e-mail respondido com delicadeza, pela entrega de um novo produto, na troca de experiências com os colegas, ao passarmos um café fresco para dar aquela animada no começo da tarde, ao resolvermos problemas e fazermos com que os clientes fiquem felizes. O trabalho ganha significado quando colocamos nossa alma no que fazemos, quando entendemos que todas as peças são necessárias para completar um grande quebra-cabeças.

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Dentre tantos incríveis, este foi um momento único, que me encheu de emoção e orgulho: a inauguração da nova sede de uma empresa humana e que se preocupa com seus colaboradores.

Lições aprendidas no trabalho e na vida se entrelaçam e me mostram que estes dias fazem parte da minha história. Serão momentos que sempre me lembrarei como imprescindíveis para o desenvolvimento da minha resiliência, da importância de dar o meu melhor sempre e da necessidade de entender que a vida é cheia de obstáculos – mas que sempre, sempre, sempre, ela vale a pena. Mesmo que, às vezes, ela demande alguns recomeços – mas só a oportunidade de iniciar algo de novo é incrível e temos que ser gratos por estarmos aqui mais um dia.


It's times like these you learn to live again It's times like these you give and give again It's times like these you learn to love again It's times like these time and time again”. Foo Fighters.


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Luciana Sálvaro é jornalista, fotógrafa e analista de comunicação na Rentcars.com. Sedenta por obter novos conhecimentos, tem como missão de vida criar e contar histórias, e para isso, utiliza palavras e imagens para registrar o mundo. Também escreve crônicas e poesias em seu blog, Sinceramente, eu.

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Para ler mais:

Irrealidade ilógica

Alguém que me ache incrível

Os desafios da motivação


Jussara Barbosa

Analista de Negócios - BDR| SDR| Inside Sales| Hunter| Inbound| Outbound| B2B & B2C| SaaS

4 a

Que texto lindo e necessário, Lu. Me fez bem ler agora. Estou passando por um momento pessoal delicado, mas honrar a oportunidade de permancer que nos foi dada, é um presente. Foi assim que me senti: grata, apesar da tristeza pelos colegas e amigos que precisaram se desligar. Muito bonito sua empatia pelos outros.

Rahysa Lacerda PCD

Assistente l Recrutamento & seleção l Belong Analyst l RH

4 a

Não deu nem tempo de publicar meu feedback sobre a empresa rsrs. Sucesso Lu.

Iris Ferrarini

Assessora de Imprensa | Consultora em Comunicação e Inteligência | Análise de Dados aplicada à Comunicação e ao Planejamento Estratégico

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Emocionante e atual, Luciana. O momento não é fácil para ninguém. Bonita sua atitude de mostrar empatia por quem vai e quem fica.

Mariana Rigotto

Gerente de Pessoas e Cultura | HRBP | Projetos de DHO e Performance

4 a

Uma reflexão importante para mostrar que quem fica também sente. As coisas não são as mesmas sem outras pessoas - ainda por cima talentosas. Um dia estamos no alto, um dia estamos embaixo. E o trabalho para se manter no alto ou voltar ao alto é intenso. Vale lembrar que a lei da gravidade é soberana em momentos como este! Mas ainda assim, estamos rodeados de pessoas que podem e estão dispostas a ajudar muito!

Esdras Pereira

Jornalismo | Reportagem | Produção de Conteúdo | Escrita

4 a

Que bom que você ficou, Luciana. É realmente um privilégio atualmente. Não foi o meu caso, infelizmente. Mas creio que, até nos desligamentos, a gente precisa ser forte (neste momento, sobretudo). O que alivia, às vezes, é saber que o motivo pra muita gente que perdeu o trabalho é de fato a pandemia e não os aspectos profissionais. Achei bonito isso de você tentar se manter firme e se dedicar ainda mais. Até pode ser uma maneira de honrar os companheiros que tiveram de sair. Boa sorte na continuidade do trabalho! 🙏

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