A Síndrome do Impostor ou quando os políticos falam mais do que devem
Por duas vezes, em abril e na volta ao Senado, Aécio Neves discursou na tribuna sem poder dizer tudo (Fotos Públicas

A Síndrome do Impostor ou quando os políticos falam mais do que devem

A cada vez que políticos de projeção como Aécio Neves, Michel Temer ou Lula vão ao microfone explicar o que não podem, o que não convém ou o que é perigoso para a reputação, sabendo que não podem dizer tudo, me pergunto por que não ficam calados.

Voltei a pensar nisso quando Aécio voltou à tribuna do Senado para repetir em discurso o que já fizera em abril, quando um dos delatores da Odebrecht denunciou a existência de uma conta suspeita em Nova York, operada por sua irmã.

Acusou seus delatores e procurou negar o principal para jogar fumaça sobre o acessório, sabendo no fundo que não estava falando tudo. Se tivesse, não se recusaria a falar com os jornalistas antes e depois e se expor a perguntas sobre o que não foi dito.

A explicação mais corriqueira entre os comentários de quem me segue aqui e nas redes sociais é de vaidade, “pura vaidade”, como diria o Advogado do Diabo vivido por Al Pacino no filme com esse nome. A mesma que o fez cometer a imprudência de postar no Facebook uma reunião com líderes do partido, em sua casa, quando estava afastado de suas funções parlamentares, em prisão domiciliar.

A outra, um pouco melhor, é a dos políticos que justificam esse tipo de pronunciamento de meias verdades e ataque aos acusadores para dar argumento à militância.

Foi o que Lula fez no sindicato que lhe serviu de berço depois que libertado da prisão coercitiva de março do ano passado. Foi o que fez Michel Temer perante um grupo de deputados da casa logo após ser denunciado por crime comum ao STF. E o que pode ter feito Aécio perante um grupo de alguns amigos do partido no plenário, nesta terça-feira.

A terceira, uma simplificação do que teria dito o homem da propaganda de Hitler, Goebbels, é a de que uma mentira contada mil vezes acaba virando verdade.

Aécio pode ter caído nas três — vaidade, alinhamento da militância ou namoro com a tese de Goebbels —, mas também na que gosto mais, a Síndrome do Impostor, que os psicólogos se utilizam para explicar a sensação de impotência que acomete mesmo as pessoas mais brilhantes, no topo da carreira ou do sucesso.

Não tem a ver com má fé ou manipulação convencida, mas com a impressão de se sentir uma fraude e não merecer se estar onde se chegou. E compensar com recursos de ansiedade ou puro desespero, como falar muito ou depressa.

Tem a ver com baixa estima, aquele medo paralisante de ser julgado, de antecipar como será julgado. Amy Cuddy, que bombou no site de palestras TED com o tema do seu livro, O Poder da Presença, diz que:

É a crença profunda e às vezes paralisante que nos deram algo que não conquistamos nem merecemos e que em determinado momento seremos desmascarados.

Imagino que Aécio esteja assim, em busca de autoafirmação, depois de tantas adversidades e até choro compulsivo, como se soube que o acometia a cada vez que falava da prisão da irmã.

Faz mais sentido que acreditar que tenha caído em erro tão primário da cartilha de comunicação e gestão de imagem que os políticos conhecem bem. Que passa por:

  1. falar o mínimo e apenas para reconhecer o erro, se for possível,
  2. deixar entrever gestos que denotem arrependimento e disposição para superá-lo,
  3. criar e projetar fatos positivos.

É o que Temer e Lula tentam depois de terem errado nas duas primeiras, depois de falarem demais e abrirem uma guerra contra seus acusadores, como se não estivessem dispostos a gestos de arrependimento. Temer tenta agora fatos novos com suas propostas de reformas. Lula, embora escorregue na compulsão do ataque, vai a encontros e palestras propor mudanças para o país.

Pode até ser que Aécio gostaria de criar fatos positivos, mas a natureza de sua função não ajuda. O que fazem senadores senão falar e votar, ainda mais maldades como as que precisam ser feitas nas reformas trabalhista, política e previdenciária?

Quase nada.

Talvez devesse sair abraçando árvores, adotando creches ou comungando em missa de domingo, para lembrar de seu avô carregando o sírio na procissão de São João Del Rei. Também funciona.

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