Sítio do Pica pau com sequela: a difícil competição com a realidade

No último sábado, 03/08/2019, o programa Zorra (antigo Total), da Rede Globo, fez uma paródia do "Sítio do Pica pau amarelo", criando o "Sítio do Pica pau com Sequela", em uma forma de crítica ao uso de defensivos agrícolas, mais especificamente motivada pela recente liberação de novas formulações. Segundo divulgação na página da própria Rede Globo, o clipe, que mistura um enredo de diversão com terror, "mostra as consequências do uso dos agrotóxicos e o impacto de algumas decisões políticas".

Apesar da estranheza quanto a polaridade da emissora, afinal, "o pop, o tech e o tudo" ainda badala, meu objetivo é colaborar com a discussão, apresentando uma fundamentação um pouco mais palpável sobre alguns pontos. Neste sentido, pego emprestado o próprio slogan do Zorra para desenvolver o raciocínio: "Tá difícil competir com a realidade, mas o Zorra tenta".

Tá difícil competir com a realidade de que os alimentos que chegam à mesa do consumidor são seguros. De acordo com dados do último relatório do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) - apenas 3% das amostras apresentaram resíduos acima do limite máximo permitido (LMR). Claro, o ideal é que o número fosse zero. Mas o Zorra tenta te convencer que "tem veneno na panela", assumindo o inverso dos fatos, destacando a "borrifada na goiaba" e que "a banana brilha amarela". Só para se ter uma ideia, das 406 amostras de goiaba analisadas pelo programa, apenas 1 (sim, uma!), apresentou potencial de risco agudo. A banana, por sua vez, nem aparece como risco potencial no relatório. Sendo válido lembrar ainda que a maior parte dos resíduos, quando ocorrem nesses casos, se concentram na casca, de modo que ao eliminá-la, o risco se esvazia ainda mais.

Tá difícil competir com a realidade de que, até então, não se tem nenhum estudo isento, científico, que comprove que alimentos transgênicos causem mutações ou qualquer agravo à saúde. Pelo contrário, as pesquisas apontam benefícios pela adoção da biotecnologia em diversas esferas. Para se ter uma ideia, estimativas do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB) indicam que, em 20 anos de uso de culturas transgênicas, houve uma redução na aplicação de produtos na ordem de 363 mil toneladas de ingrediente ativo, além da economia de 377 milhões de litros de combustível nas aplicações. Mas o Zorra tenta induzir você ao contrário, dizendo que o "Saci que criou três pernas", além de mostrar um Visconde de Sabugosa bombado, carinhosamente apelidado de "espiga de milho transgênico, caprichada no arsênico". Sem entrar muito em detalhes, só gostaria de lembrar que defensivo não aumenta a produtividade, como se fosse um anabolizante das plantas. Na verdade, ele ajuda a condicionar um ambiente para que a planta explore seu potencial genético.

Tá difícil competir com a realidade de que a expectativa de vida e as condições de segurança alimentar vem crescendo, com o barateamento e maior acesso aos alimentos. Se considerarmos o período entre 1920 - época, inclusive, das publicações do Sítio do Pica pau Amarelo, por Monteiro Lobato - e os dias atuais, vamos ver que a durabilidade do brasileiro mais que dobrou, passando de 35 para 75 anos. O preço real dos alimentos, por sua vez, caiu cerca de 40% (entre 1975 e 2016), o que se deu, sobretudo, em função da modernização da agricultura e de um pacote tecnológico cada vez mais eficiente e produtivo. Mas o Zorra tenta induzir a você ao contrário, apresentando uma "Dona Benta matusquela", uma "Emília que ficou banguela", enquanto que "para o ruralista a vida é bela". Fácil dizer com a barriga cheia e com uma profissão exercida na modalidade indoor (sem qualquer demérito, a minha também é!), enquanto outros colocam seu tempo e capital em risco, em uma atividade desenvolvida em campo aberto, sujeita a diversos fatores não controláveis.

Enfim, diversos são os dados, fatos, pareceres, argumentos, etc., a favor do agronegócio brasileiro. E ainda que hajam diversos pontos de melhoria, o cenário é muito melhor do que se desenha. Tá difícil competir com a realidade de ataques constantes e covardes à imagem do setor. Mas não vamos desistir.

João Rosa (Botão).