A saída é pelo fundo!
Cleila Elvira Lyra
Quando aparecem em nós, ou em outros, alguns sintomas como negação, medo, raiva, depressão, adesão a bebida, a medicamentos, enxaquecas, ou mais algumas centenas possíveis, o que fazemos em geral? Tratamos de nos livrar deles, o mais rapidamente possível. Mas esse pode ser um mau caminho. Isto porque nossos sintomas querem falar, não querem ser ignorados.
Eles falam, estão chamando a atenção não para si mesmos, mas para um outro nível de consciência, posto que são apenas representantes de algo. Assim, tratar deles requer encontrar sua fonte. Um sintoma pode ter aparência física, palpável e visível como uma enxaqueca ou uma gastrite, mas sua fonte tem invariavelmente uma conexão emocional/afetiva, ou seja, subjetiva e invisível.
Estes tempos que estamos vivendo, isolados, com menos atividade habituais, convivendo mais tempo com familiares, nos empurram a percorrer todas as fases descritas por Kluber Ross ao falar da perda ou do luto. As cinco etapas descritas por ela, podem ser entendidas como sintomas.
Elizabeth Kluber Ross[i], foi uma psiquiatra que atuou com pacientes em fase terminal de vida. Nos seus muitos anos de vivência e pesquisa, concluiu que o ciclo da elaboração da perda se inicia com a Negação, segue-se com a Raiva, a Barganha, a Depressão, para finalmente chegar à Aceitação.
Podemos utilizar este modelo para pensar várias situações na vida, mas vamos refletir sobre o momento atual de isolamento e de ambiguidade perante o futuro.
Quando algo difícil nos acontece, nossa primeira reação geralmente é Negar, tentar achar que não entendemos bem. Ex: “deve ser algo lá entre os chineses”; “antes desse novo coronavírus chegar no Brasil, descobrirão a cura”... ou algo parecido. Mais tarde, confirmados os números oficiais de que já são 30000 infectados e 2500 mortos, ficamos com Raiva: “droga de vida, achei que não chegaria tão rápido ao Brasil”; “agora tenho de ficar isolado, trancado em casa, eu não suporto ficar entre quatro paredes, isto é um horror”; culpa daqueles chineses querendo acabar com o ocidente”. Mas como a raiva não solucionou, apenas agregou mais problemas, acontece outra fase, começamos a Barganhar: “a esperança me move”; “Deus é brasileiro”; “prometo fazer uma novena online para a santa”, ficamos amáveis com todos, e com tudo isto, achamos que vamos reverter a situação. Mas como ela não se reverte, com todas nossas tentativas, entramos em Depressão: “fulana com 27 anos e sem comorbidade morreu”; “beltrano com 50 anos, saúde perfeita, em 15 dias morreu”; “posso morrer também como qualquer outro cidadão do planeta, mesmo que me cuide”. E desse fundo de poço, podemos sair diferentes, Aceitando a realidade com atitudes como: “para diminuir as chances de que isto aconteça comigo, vou me cuidar e contribuir para que outros se cuidem”; “o que mais posso fazer para contribuir com a sociedade neste momento tão difícil”?
Assim, para solucionar cada um dos sintomas do ciclo, precisamos vivenciar cada fase, sem querer escamotear nenhuma.
Melhor será despertar da Negação, reconhecendo esta tendência em nós mesmos. Registrando que de quando em quando, usamos o mecanismo de negação como um sintoma para fugir de algo que preferimos não ver. Temos também todo o direito de sentir Raiva, mas devemos reconhecê-la, senti-la naturalmente, afinal a raiva não manifesta se torna uma fogueira interna, nos consumindo. A Barganha também é natural, mas é um tanto infantil ou ingênua. Podemos associá-la à esperança e ao pensamento positivo, que podem ajudar, mas não solucionam o problema, uma vez que o pensamento e o domínio da vontade estão no nível consciente, enquanto a fonte do sintoma está no nível inconsciente, lá onde habita a nossa afetividade. A dissolução demanda que sejamos capazes de integrar o sintoma e sua fonte.
Reforçando, para solucionar algum sintoma, precisamos confrontá-lo ao seu elemento afetivo rejeitado, razão pela qual não se pode integrar as emoções, usando o poder do pensamento. Se assim fizermos vamos ou negá-lo, ou empurrá-lo ainda mais “para baixo” e o pior, o transformaremos na nossa sombra. Acontece que a sombra vai sendo composta pelos aspectos negados ou reprimidos em nós e nos fragiliza.
Continuando a descida no ciclo encontramos a Depressão, que pode ser uma consequência das fases anteriores mal resolvidas. Mas agora chegamos ao fundo do poço e se tivermos coragem de olhar mais para nossa sombra com seus fantasmas, vamos sair dele, parcialmente transformados, Aceitando a realidade com atitudes mais sensatas e inclusive atentos aos outros e ao Bem Comum.
Concluindo, a saída do problema com a resolução dos sintomas vem depois de uma fase intensa e dolorida, a depressão. Que deve como as outras, ser vivida e não disfarçada com medicamentos ou outro “anestésico do coração”.
Como afirma o título, se estiver procurando uma saída, saiba que é pelo fundo.
[i] Este é seu primeiro livro. KÜBLER-ROSS, Elisabeth. Sobre a Morte e o Morrer. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1969.