A saúde da Saúde
Eis um tema universal que cada dia mais é uma preocupação para todos. Em especial para quem sente necessidade de cuidados médicos.
A falta de saúde, por si só, já é uma situação que causa angústia, medo e preocupação. Se a isso se somar a dificuldade ou mesmo a falta da componente primordial de qualquer Sistema ou Serviço de Saúde, a acessibilidade, pode tornar-se num pesadelo para doentes e famílias. Obviamente que os profissionais de saúde também são vítimas da situação.
Nos últimos tempos, muito se tem falado de falhas graves nos serviços de urgência de muitos hospitais portugueses. Do encerramento de serviços; do fecho de serviços em alguns dias da semana; de doentes que andam, de judas para pilatos, à procura de uma porta aberta; de ambulâncias em fila, com doentes lá dentro à espera de vez.
Tem havido especial referência aos serviços de obstectrícia e de genecologia. A situações preocupantes de falta de camas para internamento, enquanto há camas ocupadas por doentes que há muito tiveram alta clínica e que permanecem nos hospitais por falta de lugar para onde ir.
A senhora ministra da Saúde, instada frequentemente a falar do assunto, arenga umas vagas medidas que, pretende, serão a panaceia que vai possibilitar a cura da “doença”. Nem ela própria deve acreditar no que diz.
Fala o Presidente da República (fala sempre e de tudo…), fala o Primeiro Ministro, falam representantes da Ordem dos Médicos, da Associação dos Administradores Hospitalares, comentadores, jornalistas, partidos políticos, cidadãos avulsos, familiares de doentes, doentes…a maior parte das vezes sobre o que pensam ser o problema, o que aflige as pessoas no momento.
O problema da Saúde não se resume a estes infaustos acontecimentos pontuais. Nem mesmo se deve à má vontade dos profissionais de saúde, à falta de médicos ou de dinheiro para a Saúde. É muito mais e muito a montante dos acontecimentos diários.
Profissional de saúde há mais de 50 anos, desde há muito que me recordo surgirem, esporadicamente, vontades no sentido de reorganizar os cuidados de saúde e de reestruturar o sistema. Eu próprio participei, diversas vezes, em grupos de trabalho para pensar o problema.
Quem pensa de um modo sério, conhecedor e profundo sobre a situação da Saúde, sabe que a solução só pode ser encontrada numa profunda reorganização dos serviços e numa mudança de paradigma.
Passa por utilizar melhor verbas disponíveis e meios instalados, respeitar e remunerar seriamente os profissionais de saúde, desburocratizar os serviços, descentralizar, dar maior autonomia de decisão (em especial para contratação e criação de incentivos à produção) às unidades de saúde, regulamentar com seriedade, e sem pressupostos ideológicos, o relacionamento com os privados, Instituições Particulares de Solidariedade Social e ONGs, mas, fundamentalmente, passar de uma postura curativa dirigida ao tratamento de doentes agudos e centrada nos hospitais para uma postura preventiva, descentralizada, apoiada pelas unidades de periferia e Centros de Saúde. Reforço do que deve ser a porta de entrada no SNS (SRS): os Cuidados Primários.
Fazer uma boa Carta de Equipamentos de Saúde (permanentemente actualizada) para uma gestão racional de meios, fomentar a literacia em Saúde desde os bancos das escolas, abrir os Centros de Saúde às populações, deixando de ser centros prescritores de medicamentos para doentes crónicos e fazendo uma real política de Saúde virada para fora, para o meio envolvente, para a educação para a saúde.
Obviamente que tudo isto é melhor de dizer do que de fazer. Não se pode “fechar” a saúde e…começar de novo. Não se pode dizer a um doente numa fase aguda ou a uma gravida na hora do parto, ou a um politraumatizado, ou a um doente oncológico que espere porque vamos reestruturar os serviços.
Mas também não podemos deixar que este estado de coisas chegue ao completo caos no SNS (ou nos SRS).
Recente relatório encomendado a uma equipa (criada em 2019) liderada pela Dr.ª Adelina Pereira, médica da Unidade Local de Saúde de Matosinhos e, actualmente, à frente da Sociedade Portuguesa de Medicina de Urgência e Emergência (desde 2020), refere diversas hipóteses de solução que ainda nem foram consideradas por quem de direito.
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Alias, em Portugal, quando não se pode ou não se quer resolver um problema, cria-se uma comissão ou um grupo de estudo. Depois da notícia ser dada a público…fica tudo na mesma e a situação cai no esquecimento, até novo episódio de “agudização”.
Só nos últimos cerca de 20 anos, sou capaz de citar de cor diversas situações idênticas: Comissão para a Reavaliação da Rede Nacional de Emergência e Urgência (2012); Roteiro de Intervenção em Cuidados de Emergência e Urgência (DGS, 2014); Grupo de Reforma Hospitalar (2016); para não falar dos muitos relatórios e pareceres produzidos por diversas outras entidades oficiais e privadas, incluindo Ordem dos Médicos, Ordem dos Farmacêuticos, Ordem dos Enfermeiros e associações de outros profissionais de saúde.
O governo, os diversos governos, continuam a tentar tratar a “doenças” recorrendo-se de “pensos rápidos”.
Legislaturas de quatro anos, em que a ameaça de eleições está sempre presente, impedem que se encare a situação de um modo mais sério e eficaz.
É do senso comum que os médicos (em especial os mais novos) estão a sair (ou a nem entrar…) do SNS para as entidades privadas: melhores condições de trabalho, menos burocracia, melhor remuneração. Ou, mesmo, a emigrar levando com eles a formação que foi feita cá e paga com os impostos de todos. O mesmo fazem os enfermeiros. Cerca de 50% dos médicos do SNS têm 50 ou mais anos.
Apesar disso, o rácio português de médicos/população é dos melhores da Europa. Também a fatia do Orçamento Nacional para a Saúde não é das piores.
É reconhecida a necessidade de criar a especialidade de Medicina de Urgência e Emergência. Só 4 países europeus não a têm e Portugal é um deles. Nada se tem feito nesse sentido.
A exemplo da maior parte dos países mais desenvolvidos, as Urgências Hospitalares deviam ter equipas próprias e não dependerem da rotação de profissionais dos Serviços. Interesses diversos impedem que isso aconteça, se bem que, de tempos a tempos, o assunto venha à baila.
Utilizar os Centros de Saúde (CS) como unidades de triagem e assistência de doentes agudos que não necessitem cuidados hospitalares. Aumentar o período de atendimento e desenvolver uma mais estreita comunicação entre os CS e os hospitais. Premiar os utentes que utilizem esses serviços e penalizar os doentes que utilizem, sem necessidade, as urgências hospitalares.
Em 2018, um estudo efectuado permitiu saber que 43% dos doentes admitidos nas urgências hospitalares não necessitavam de cuidados urgentes ou emergentes.
Não diabolizando, de modo nenhum, a situação, é preciso referir que, em 2019, 70% dos turnos das urgências hospitalares dependia de Empresas Prestadoras de Serviços Médicos, com médicos tarefeiros a “recibo verde”.
Para além de dificultar a integração dos médicos tarefeiros nos serviços por onde passam, acaba por causar danos no moral dos médicos do quadro que sabem que estes colegas ganham vencimentos que são, não raras vezes, 4 a 5 vezes superiores aos que eles auferem.
E não vou alongar-me mais sobre este assunto, por não ser este o melhor local para o fazer. Simples desabafo.
C-Suite Executive & Business Advisor/Consultant
2 aDiamantino José Teixeira Ribeiro