NATAL
Aproxima-se o Natal. Já muito falei/escrevi sobre o tema: procurando-lhe a origem, o sentido, as verdades escondidas, a tradição, os mitos, a evolução através dos tempos, a etimologia da palavra, o sentido religioso, o modo como diversas religiões o celebram, o solstício de Inverno…Hoje apetece-me falar com o coração. Coisas de velho. Sem saudosismos, mas com o “cheiro” e o “sabor” das lembranças.
Nascido numa família tradicionalmente cristã, como tantas outras, num país e numa região que cultua o Natal de uma forma especial, tenho recordações da quadra, desde muito novo. Recordo a azáfama das madrugadas antes do Natal em que a minha avó, a minha mãe e as empregadas domésticas da altura acordavam, muito cedo, para lavarem toda a louça, arrumar os armários e preparar as iguarias típicas.
Eu acordava estremunhado e, cuidando de não ser apanhado, ficava na boca-da-escada do 1.º andar da casa dos meus avós, onde vivíamos, tentando seguir, o melhor possível, o que se passava na cozinha, na despensa, no sala-de-jantar e no “quarto de passagem”, onde tudo acontecia. Ao ouvir a galhofa que acompanhava as lides, ficava a desejar ter idade suficiente para participar na festa.
Tradicionalmente, fazíamos um grande presépio (“lapinha”), que ocupava um quarto por inteiro, devidamente formado com pedras e papel pintado com viochene, onde não faltavam gambiarras, alecrim, “cabrinhas”, alegra-campo, muitos, muitos “pastores” (bonecos de barro pintado), animaizinhos, bandas de música, casinhas e, mesmo, um pequeno lago. E, lá mais ou menos ao centro, Nossa Senhora, São José, uma vaca, um jumento e o recém-nascido.
Depois, eram acrescentados os Reis Magos.
Nessa acção já eu tinha alguma participação. Para além do presépio, havia sempre uma “árvore de Natal”. Ninguém se dava conta da conotação pagã do objecto, nem do boneco da Coca-Cola, vestido de vermelho, com barbas e bigode que encarnava…São Nicolau, o Pai Natal!
Era tudo em louvor do “nascimento do salvador”.
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Acompanhava, geralmente, a minha mãe às compras de Natal. Maçava-me, um pouco, o termos de parar múltiplas vezes, pela cidade, porque a minha mãe era uma pessoa muito conhecida e tinha muitas amigas. Quase sempre acabávamos numa “mercearia fina” onde os empregados de casaco branco ou bege, tratavam as senhoras por “madame”, e enviavam os cabazes cheios e enfeitados para a morada dos clientes, com a oferta de um queijo flamengo.
Depois, era a ida à missa da meia-noite ("missa do galo"), no dia 24, e o cacau quente com sandes de fiambre, queijo e galinha, carne-de-vinho-e-alhos, na volta a casa.
Mantive essa tradição durante muitos anos, apesar de me confessar ateu.
No dia de Natal, a festa era em casa dos meus avós (onde vivíamos) com o duplo significado de celebrar o nascimento do “menino Jesus” e o da minha mãe que se chamava Natália. Era um almoço de festa, tardio porque as pessoas tinham-se deitado tarde na véspera (já madrugada).Reunia-se toda a família mais chegada (e eram muitos!) e alguns amigos. As crianças (eu, a minha irmã e um primo) brincavam com os presentes que tinham recebido e atormentavam os adultos. Toda a gente vestia o que de melhor tinha e, de preferência, roupa e sapatos novos comprados para a ocasião. O almoço prolongava-se até ao jantar (ceia). A meio da tarde, iam chegando amigos que elogiavam os licores, o Vinho Madeira, o bolo-de-mel e as broas-de-mel.
E foi assim por muitos anos, com algumas alterações ao longo do tempo. Mesmo quando saí da Madeira esperava, com alguma impaciência, a altura de vir festejar o Natal, a “Festa”, como os madeirenses lhe chamam.
Aqui vos deixo algumas das minhas recordações mais queridas da época natalícia.