SAÚDE MENTAL - O Caso Carmen e Teodoro

Quando Carmem entrou em meu consultório, mal conseguiu falar. Seu semblante transparecia tristeza e desânimo. Seu olhar era arredio e evitava o contato visual.

- Me apresentei a ela e pedi que se sentasse na poltrona, à minha frente. Ofereci um copo com água, que ela gentilmente recusou...em silêncio.

Baixou a cabeça e começou a revelar um pouco de sua história recente: sentia-se apreensiva, insegura e com receio de que alguma coisa muito ruim acontecesse com ela e com seus dois filhos.

Pedi a ela que falasse como estava se sentindo fisicamente, como seu corpo espelhava todo este estado emocional.

Colocando suas mãos em seu peito, ela falou de uma sensação de pressão, de seu coração acelerado, da angustia que sentia, sempre que ia para seu trabalho.

- Agora esta sensação está ocorrendo em outros horários. Relatou também que não tem conseguido dormir bem, que acorda várias vezes de madrugada com a respiração ofegante e sentindo muito medo.

– Sinto um medo difuso, indefinido, não consigo identificar a causa, diz ela.

Acrescentou que tem sentido muita dor de cabeça e acha que está se viciando em remédio para aliviar esta dor, que começa na região da nuca e se estende para a parte de trás da cabeça.

– é uma coisa muito desagradável, que só dá vontade de dormir para ver se passa.

As vezes tem sentido também falta de ar, sensação de sufocamento, acompanhada de uma agitação que não quer passar.

- Perguntei a Carmem desde quando ela vem se sentindo assim.

Ela disse que isto vem ocorrendo já há um bom tempo, mas vem ficando pior nos últimos meses. E que ela está pensando em pedir afastamento de seu emprego, pois o ambiente é muito cheio de cobranças, seu chefe vive jogando indiretas sobre o serviço dela, dizendo que ela já não está respondendo como antes, que vem cometendo muitos erros e atrasando o serviço.

Ela gosta do trabalho que faz e gosta de suas colegas, que às vezes a ajudam, mas sente que seu chefe está colocando-as contra ela, criando uma competição desnecessária.

Fica comparando-a com uma colega, que ele considera muito mais eficiente e rápida. E ele fala isso em voz alta, muitas vezes.

- Ele está sempre pegando no meu pé! E eu já não estou aguentando mais. Já faltei ao serviço três vezes só nesse mês, pois não consegui acordar no horário, pois tive uma noite péssima, acordando várias vezes. Disse ela elevando o seu tom de voz.

- Acho que por isso ele está me perseguindo! declarou ela.

O que Carmem está revelando em seu sofrimento?

- Um estado de ansiedade generalizada, combinado com momentos de pânico, que se revelam nas noites mal dormidas. Ela está irritadiça com pequenas coisas, e em constante estado de alerta, como se estivesse esperando algo ruim acontecer.

Seu corpo já está reclamando, gritando de tanto sofrimento de que tem sido vítima em seu ambiente de trabalho e principalmente na relação com seu chefe, uma pessoa muito dominadora e ansiosa.

Se ela continuar neste martírio provocado pelo constante assédio moral que vem sofrendo, seus sintomas poderão se agravar, levando-a a tentar se salvar em ações paliativas.

Ela já vem comendo e bebendo mais do que de costume. Isto, no começo, parecia uma saída que a aliviava, mas agora tem criado mais um problema, com a culpa de estar se sentindo mal, por estar engordando.

Carmem se sente acuada pelo seu chefe, o sr. Teodoro.

Ele é sempre muito exigente e detalhista, apressado, querendo tudo para ontem. E fica criando competição com as colegas. Por isso tem brigado com elas e acha que estão mancomunadas com o chefe para lhe vigiar.

Está pensando em parar de trabalhar, ou mudar de emprego.

Em casa, Carmem tem brigado muito com os filhos, pois tornou-se mais exigente com eles, chamando atenção e brigando por pequenos detalhes. Depois se sente mal, pois sabe que eles não têm culpa de seu sofrimento.

Ela está também sem paciência com o marido. Ficou mais fria com ele e não tem sentido vontade de sair para jantar ou fazer qualquer outra coisa com ele.

Suas amigas têm reclamado que ela não participa mais dos encontros comemorativos e das rodinhas de bate-papo, coisa de que gostava tanto.

Até que depois de um surto mais forte aceitou a sugestão de uma amiga e procurou um psicólogo para tratar deste sofrimento.

Evolução

Depois de alguns meses de psicoterapia, Carmem encontrou forças e tranquilidade para solucionar seus problemas emocionais.

Tornou-se consciente e responsável por sua parte na situação e nas relações de trabalho que mantinha com o Sr. Teodoro, conseguindo conversar com ele sobre como estava se sentindo e de que precisaria ser transferida para outro setor de trabalho, do contrário pediria demissão da empresa, pois sua vida pessoal já estava sendo muito prejudicada pelo transtorno emocional que vinha sofrendo.

Depois disso ela conversou com o diretor da empresa e este concordou com a sua ideia de ser transferida para outra área.

Atualmente Carmem voltou a sentir-se melhor no ambiente de trabalho, refez várias amizades que tinham ficado estremecidas e voltou a dedicar-se ao serviço de que tanto gosta.

A situação emocional se normalizou em sua casa.

Sente-se aliviada por não precisar conviver mais com o Sr. Teodoro.

Quem é o Sr. Teodoro, o chefe de Carmem?

Não o conheci pessoalmente, mas pelos relatos de Carmem posso adiantar algumas de suas características e comportamentos.

TEODORO

Ele sente-se um vencedor na vida, pois diz que conseguiu tudo o que queria, superando todos os obstáculos em sua caminhada. Entenda-se obstáculo, as pessoas que ele teve que pisar, para conseguir subir. As pessoas são consideradas meros trampolins para Teodoro. Ele demanda admiração excessiva. É um explorador em relações interpessoais. Carece de empatia. É visto como uma pessoa arrogante, dominadora. Sente-se especial e às vezes acha que não é reconhecido como deveria, pelos outros. Evita pedir feedback, pois tudo o que dizem é visto como crítica pessoal, o que o torna agressivo com seu interlocutor.

Aliás o seu nome já revela o seu exacerbado narcisismo: Téo=deus e doro=de ouro.

Apresenta o transtorno mental de Personalidade Narcisista. É uma pessoa ansiogênica, gosta de que as pessoas o temam, mais do que o respeitem. Tem dificuldades em casa, na relação com os filhos e com a esposa.

Possui uma sensação grandiosa da própria importância (p. ex., exagera conquistas e talentos, espera ser reconhecido como superior, sem que tenha as conquistas correspondentes).

Tem fantasias de sucesso ilimitado, poder, brilho, beleza ou amor ideal.

Ao interagir com alguém, ele o faz sempre para reforçar sua própria imagem e seu autoconceito, não se deixando influenciar pelo outro. Para conseguir isto ele não ouve o que o outro diz, interrompendo-o e impondo seu ponto de vista, que julga a única verdade.

Ele culpa o outro por seus erros, pois não consegue perceber seus pontos fracos e suas limitações. 

O líder narcisista tende a ser centralizador de decisões, insensível às opiniões dos demais e dono da verdade. Tem dificuldade de trabalhar em equipe, pois não se sente confortável em compartilhar suas ideias e seus projetos.

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