SE BOLSONARO CAIR, QUEM OCUPA O VÁCUO?
Paulo G. M. de Moura – cientista político
Quem se deixa levar pelo noticiário político, se for de esquerda vibra com as brigas públicas entre lideranças da chamada “nova direita” e sonha com a volta ao poder. Se for de direita e acreditar em tudo que lê pode ser levado à decepção e ao pessimismo.
Ao escrever essas linhas meu objetivo é mudar o rumo dessa prosa. Para isso, vou propor outro olhar sobre essa realidade. Sugiro ao leitor a abertura da grande angular em direção ao futuro. Mais precisamente em direção a eleição presidencial de 2022.
Quem faz análise política precisa saber diferenciar conjuntura de estrutura. Isso que se vê no noticiário e que por hora provoca euforia e excitação na esquerda (especialmente na esquerda da mídia e seus comentaristas políticos), ou depressão nos ativistas da “nova direita” que se iniciaram na política a partir do movimento para remover o petismo e a corrupção do poder, é o que chamamos de “conjuntura”. Isto é, a sucessão de fatos ou de suas versões na mídia.
E qual seria o elemento estrutural e organizador da dinâmica que está por trás das aparências? É o jogo do poder.
Nas democracias o jogo do poder é demarcado, dentre outros fatores, pelo calendário eleitoral. As eleições organizam no tempo as oportunidades de mudança dos governos. Consequentemente, os agentes políticos protagonizam suas ações (táticas) tendo o calendário eleitoral como um fator determinante do cálculo estratégico.
Outro dispositivo legal da democracia que pode pautar o comportamento dos atores políticos é o impeachment. Ou seja, a possibilidade de interromper o mandato de um governante fora do calendário eleitoral.
Todos aqueles que me leem, imagino, são iniciados na política e conhecem a máxima segundo a qual “na política não existe vácuo”. Isto é, o poder que alguém perde não se esvai e não fica sem dono. Muda de mãos.
Recorrendo ao modelo clássico de estrutura do market share da política, podemos dividir tabuleiro político em três quadrantes: direita, centro e esquerda.
Lula, por exemplo, disputou várias eleições como radical e perdeu confinado no quadrante esquerdo. Reembalado por Duda Mendonça Lula moderou seu discurso e mudou sua aparência; conquistou o centro e venceu. Bolsonaro, sem marqueteiros, chegou ao poder num movimento inverso e raro; somente possível em conjunturas extremas. Partiu da direita e conquistou o centro sem moderar seu discurso, sua imagem e sua maneira de ser.
As duas vitórias de FHC, em 1994 e 1998, aconteceram a partir de uma candidatura de centro-esquerda que conquistou os votos da direita para evitar o mal maior que seria a vitória eleitoral da esquerda.
Tendo esses aspectos em conta, qual o cenário que temos hoje?
No quadrante esquerdo do tabuleiro temos as forças que o compõem desgastadas perante a opinião pública e divididas diante da oportunidade que os demais partidos de esquerda (PSOL, PCdoB, PSB e PDT) veem de remover o PT da posição hegemônica que esse partido sempre teve sobre esse segmento do mercado político.
No quadrante do centro vemos pelo menos duas tentativas relevantes de constituição de candidaturas para enfrentar o presidente Bolsonaro. São elas: 1 - João Dória (PSDB); e, 2) Luciano Huck. Esse segundo ainda sem partido, mas inclinado a concorrer pelo CIDADANIA (sucedâneo do velho Partido Comunista Brasileiro, que depois passou a ser o PPS).
A mídia adora incluir Dória no campo da direita (aliás como o PT sempre fez com FHC). Mas, o correto é apenas caracterizá-lo como uma “nem tão nova” cara da centro-esquerda. Da mesma forma, classifico Huck como centro-esquerda, não apenas pelo partido ao qual ele vem se associando, mas, também, pela retórica da conjugação entre reformas liberais e “preocupação social” que marca seu posicionamento. Dória ou Huck dificilmente conseguirão penetrar no eleitorado fiel a Bolsonaro, razão pela qual acenam sistematicamente à esquerda.
E no quadrante direito quem temos?
Fora a tentativa, improvável, de o governador Wilson Witzel (PSC/RJ) se viabilizar candidato a presidente, não há nenhum nome além do presidente Bolsonaro, que vem tomando um pau danado da mídia desde que assumiu e, não só não cai abaixo da marca dos 30% nas pesquisas de opinião como, na última pesquisa XP/Ipespe teria recuperado parte de sua popularidade.
Feitas essas constatações e sem que fatos novos mudem o curso dos acontecimentos, qual o mais provável cenário eleitoral de 2022?
Eu apostaria numa disputa entre Bolsonaro e Huck (ou Dória).
Que fatos novos podem alterar o curso dos acontecimentos? Que me ocorram, poderiam ser: a) o virtual impeachment de Bolsonaro, ou; b) a virtual candidatura de Lula, em vias de ser solto pelo STF.
Dado que a direita não tem outro nome com a força política de Bolsonaro, seu eventual impedimento tende a recriar um cenário de centro-esquerda contra esquerda. E, na hipótese de Lula concorrer, assistiremos a mãe das batalhas com o candidato mais forte da esquerda enfrentando o candidato mais forte da direita.
Sob essas circunstâncias, ao olhar-se para a cena política atual, seria interessante que esse cálculo estratégico fosse considerado como orientador da ação política das forças sociais que se mobilizaram para tirar o PT do poder e mudar o Brasil.
Dado que na política não existe vácuo, o eventual impedimento de Bolsonaro ou sua inviabilização política como candidato da direita, sem que outro nome efetivamente de direita o substitua, somente faz abrir espaço para a volta ao poder das forças do passado que foram removidas de suas posições pelo movimento do impeachment e pelo resultado da eleição de 2018. Isto é, ou uma aliança da esquerda com o centrão corrupto, ou uma aliança da centro-esquerda com o centrão corrupto tende a voltar a nos governar.
E quais seriam as chances eleitorais de Bolsonaro? A meu ver, muito grandes.
A série de pesquisas eleitorais publicadas recentemente apresenta um elemento comum: a principal demanda do eleitor segue sendo por candidatos de fora da política tradicional. Atestam essa constatação os desempenhos do próprio Bolsonaro, de Sérgio Moro e de Luciano Huck nos rankings eleitorais projetados.
Na pesquisa XP/Ipespe recém-publicada, salta aos olhos a expressiva maioria de eleitores que atribuí a Lula e Dilma, nessa ordem, a responsabilidade pelo desastre econômico pelo qual o país passa.
Nesse levantamento, que carece de confirmação nas próximas pesquisas dos demais institutos, o prestígio de Bolsonaro teria crescido. Esse crescimento, embora no limite da margem de erro, aparece em várias respostas à diferentes perguntas do questionário, todas coerentes entre si. Ou seja, não há discrepância nas respostas e transparece um padrão que sugere consistência ao viés favorável a Bolsonaro.
Nas próximas pesquisas publicadas o que deve orientar o olhar do observador é mais o viés do que os números em si, dado que as metodologias e datas de pesquisa diferem entre os institutos, além de pairar sobre eles suspeitas conhecidas de parcialidades e preferências.
Supondo-se que a popularidade de Bolsonaro melhorou, quais poderiam ser as causas dessa inversão da tendência de perda de apoio que os institutos apontavam nas pesquisas anteriores?
A meu ver, os fatores que poderia explicar essa melhora na popularidade de Bolsonaro são: a) a recuperação, ainda que lenta do emprego e da renda dos trabalhadores e, b) a divulgação reiterada e sucessiva de indicadores de melhora no ambiente da segurança pública em todo o país. Some-se a isso, o fato de que o ministro Sérgio Moro desmentiu veementemente os alegados conflitos com o presidente, afiançou o compromisso do governo com o combate a corrupção e declarou que seu candidato em 2022 é Bolsonaro. E, mais recentemente, o presidente tem se posicionado publicamente como crítico de seu próprio partido, envolvido em suspeitas de candidaturas laranja.
Combate à corrupção; combate ao desemprego e combate ao crime e à violência são as principais demandas do eleitorado. Bolsonaro tem respondido bem a todas.
As projeções recentes do FMI (metodologicamente pessimistas já que só incorporam perspectivas efetivas de aprovação das reformas estruturais), são de que o PIB subirá 2,0% no próximo ano e manterá este ritmo até 2024, quando o crescimento deverá atingir 2,3%.
Nada que provoque euforia, mas um cenário positivo em se considerando que andamos patinando em torno de 1% ou menos de crescimento do PIB e estamos saindo de uma recessão brutal que jogou 14 milhões de trabalhadores no desemprego. Hoje são menos de 12 milhões.
Segundo o economista Igor Moraes, a recuperação do emprego e da renda do trabalhador é uma tendência. O salário real de quem tem carteira assinada está estável, mas no mercado informal tende a crescer 10% nos próximos 2 anos. E, aprovada a Reforma da Previdência vem por aí diversas ações econômicas que vão impulsionar a construção civil, grande geradora de empregos para trabalhadores de baixa renda.
Mais do que os números em si, para efeito eleitoral, o que vale para a análise do comportamento político é o “clima de opinião”. Ou seja, nesse ambiente, a sensação de alívio com a volta do emprego e melhoria da renda e da segurança pública tende a contagiar a opinião pública em favor do presidente.
Num cenário como esse, se nenhum fato político de grande magnitude alterar o curso dos acontecimentos, a hipótese de os adversários da centro-esquerda e do centrão embarcarem na aventura de um impeachment é de baixa probabilidade com Bolsonaro engrenando os dois últimos anos de mandato na ascendente e altamente competitivo.
Quem quer removê-lo dessa posição tem a quem e o que a oferecer como alternativa?