Se empreender é desafiador para todos, para que projetos de apoio às mulheres?
Escuto essa pergunta com frequência desde que me tornei coordenadora nacional dos projetos de empreendedorismo feminino do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE. Trata-se de uma excelente indagação. Ela nos leva a questionar se, de fato, homens e mulheres no Brasil experienciam os mesmos desafios na hora de abrir e gerir sua empresa.
Ao recorrer aos dados e à experiência de mais de dez anos em fomento ao empreendedorismo, afirmo com tranquilidade: empreender é desafiador para homens e mulheres. No entanto, para elas, é mais. As razões são majoritariamente culturais. A boa notícia é que, como todo traço cultural, pode-se estimular a mudança a partir de políticas de sensibilização e intervenções inteligentes.
Mas o que realmente dificulta a mulher a empreender no Brasil?
As duas principais raízes dos desafios à mulher empreendedora são:
- tempo e energia gastos com tarefas domésticas não remuneradas + cuidados com pessoas – crianças e/ou parentes
- crenças limitantes (aqueles estereótipos que a sociedade instala em nossa psiquê na primeira infância)
Eis os dados, segundo pesquisas do SEBRAE 2018:
§ as mulheres correspondem a 50% dos negócios abertos em 2018 no Brasil. Estatística equilibrada, considerando que elas respondem por metade da população do país.
§ As mulheres no Brasil são 16% mais escolarizadas em anos de estudo. No entanto, negócios liderados por mulheres faturam 22% menos que os liderados por homens.
Por que esse cenário?
Um dos motivos é porque mulheres se dedicam, em média, 18% menos horas aos seus negócios do que homens. Elas gastam mais tempo com tarefas domésticas e cuidado com pessoas. Segundo o IBGE, mulheres investem, em média, o dobro de horas semanais (21 horas) com afazeres domésticos e cuidado de pessoas. Os homens gastam 10 horas com as mesmas tarefas.
Outro motivo são os setores dos negócios liderados por mulheres. Segundo o SEBRAE, os segmentos de beleza, alimentos & bebidas e vestuário concentram a maioria dessas empresas. Porque não vemos mulheres em setores tradicionalmente de alto valor agregado e inovação como engenharias, robótica, serviços tecnológicos e finanças?
A resposta, entre outros fatores, remete à nossa cultura, já que ela contribui para:
- recair desproporcionalmente sobre a mulher o peso das tarefas de casa e cuidados com pessoas.
- estimular a instalação de crenças limitantes a partir de estereótipos que aprendemos desde a tenra infância: “isso não é coisa de menina”, “meninos são melhores em números”, entre outros tantos. Inconscientemente reproduzimos essas crenças ao longo da vida e as deixamos interferir em nossas escolhas. Por que há tão poucas meninas em STEMs (ciências, tecnologia e matemáticas)? Além do impacto da crença limitante de que “meninas não são boas em números”, a força da representatividade se demonstra fundamental em nossas escolhas de carreira e vida.
O poder do exemplo e das habilidades socioemocionais
Quando crianças, sonhamos em ser aquilo que vemos gente como nós sendo. Se meninas não enxergam mulheres líderes, à frente de empresas, engenheiras ou cientistas, como acreditar que podem exercer esses papéis quando crescerem? Políticas que lancem luz sobre a representatividade de mulheres são positivas não só na normalização junto aos adultos como na inspiração aos mais jovens.
Outro fator fundamental na conta da cultura são os estímulos desiguais ao desenvolvimento de certas habilidades socioemocionais entre os meninos e meninas. Também chamadas de soft skills, essas práticas não cognitivas demonstram-se tão ou mais importantes ao sucesso de um negócio quanto as competências técnicas (hard skills). Enquanto as primeiras remetem-se a competências como autoconfiança, liderança, capacidade de defender uma ideia em público e de criar rede de relacionamento, as segundas relacionam-se com habilidades como planejamento, finanças, marketing e gestão.
Muitas vezes tido como um cenário contra intuitivo, mulheres tendem a demonstrar dificuldades em soft skills como criar rede de relacionamento e se comunicar em público, por exemplo. Os motivos são majoritariamente - de novo - culturais: redes são geralmente criadas em eventos sociais como happy hour após o trabalho; situações em que muitas mulheres, sobretudo com filhos pequenos, são desestimuladas pela cultura: “que tipo de mãe sou eu que deixo meu filho pequeno para ir a happy hour?” ou “meu marido é ciumento” são falas comuns entre as empreendedoras.
O que fazer diante desse cenário?
Políticas que auxiliem na tomada de consciência de crenças limitantes nos adultos e criação menos estereotipada de crianças são imperativas.
- De atitudes simples como estimular meninas a colocarem suas opiniões a políticas complexas como adequações na base comum curricular que estimulem igualmente o empreendedorismo entre meninos e meninas são caminhos possíveis;
- Mentorias entre empreendedoras seniores e juniores são fundamentais, uma vez que habilidades socioemocionais são trabalhadas nas sessões;
- Incentivar a criação de espaços kids em agências públicas de fomento e bancos, assim como permitir que mães e pais levem suas crianças a cursos de capacitação auxiliam no desafio da falta de creches e nas horas dedicadas a empresas x família;
- Estimular capacitações híbridas (presencial e online), de maneira a evitar que empreendedoras gastem tempo em deslocamentos e longe dos filhos;
- Criar e fortalecer redes de apoio (pessoais e profissionais)
- Envolver e os homens. Essa talvez seja a mais imperativa, já que essa não é uma pauta exclusiva de mulheres, mas sim da evolução da sociedade como um todo.
O primeiro passo é a tomada de consciência – daí a importância de eventos e rodas de conversa para a sensibilização. Com ela, vem a mudança de comportamento e logo resultados de curto prazo. Quando homens e mulheres superam crenças limitantes e estereótipos culturais tem mais chances de prosperar não só nas empresas, mas em suas vidas em sociedade.
Uma das possibilidades do mundo pós pandêmico é uma onda de mais mulheres no mercado de trabalho, para que as famílias possam conseguir dar conta de suprir todas as necessidades financeiras. Nesse contexto, talvez algumas dessas questões sejam apressadas. Esse debate e as possíveis ações indicadas são necessários e urgentes.
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4 aExcelente texto, Renata Malheiros Henriques! Diante de tantas ideias relevantes que colocou em "O que fazer diante desse cenário?", uma outra 'ideia' seria copiar o que alguns países mais desenvolvidos já fazem, como é o caso da Espanha, que aprovou por decreto a equiparação das licenças de paternidade e maternidade no país: a partir de 2021, eles também disporão dos mesmos quatro meses que as mulheres.
Global Technical Talent Acquisition | Lead Technical Recruiter | Human Resources Manager
4 aRenata Malheiros Henriques simplesmente fantástico. Vou utilizar suas ideias como meu manifesto. Estou muito feliz com a oportunidade que estou tendo em São Caetano do Sul de, em conjunto com outras empreendedoras e apoio de políticas de apoio ao empreendedorismo feminino, poder contribuir com as novas gerações de negócios e pessoas. Quero muito fazer a diferença nesse mundo, vez que sou privilegiada em ter tido apoio de líderes tanto homens quanto mulheres, os quais mentoraram meu caminho e assim o faço hoje com outras pessoas. Parabéns e quero conhecer mais suas propostas. 👏
Excelente!!
Advogado | Sebrae
5 aMuito bom!!!