"Sempre fizemos assim": resíduos de construção civil em perspectiva
"Sempre fizemos assim".
Já escutou essa resposta fechada antes? Curta, direta e que inibe, muitas vezes, uma réplica com algum conteúdo propositivo?
"Por que não fazem a separação do 'lixo' por tipo ao invés de mandar embora tudo misturado?"
A resposta você já deve estar mais familiarizado, suponho. E esta resposta é vertical: desde à diretoria, passando pelo corpo técnico para, enfim, sedimentar-se na base operacional.
Responsável por aproximadamente metade da carga de CO2 (Gás Carbônico, para os íntimos), o seguimento da construção civil surfa uma onda termodinâmica do berço ao túmulo em que ganha um destaque ímpar em ambos os extremos, considerando nossas terras de Vera Cruz como campo de análise:
- Setor de maior consumo de recursos naturais: cerca de 4 toneladas/ano/habitante no consumo de agregados naturais; 2/3 da madeira natural extraída/ano (66% da madeira); e matérias primas escassas que demandam atividades de mineração para obtê-las (zinco, cobre e bauxita, por exemplo).
- Entre os setores que mais produzem resíduos: 7,5 toneladas/dia/habitante (entre 40% a 60% do volume de resíduos sólidos urbanos).
Vamos, portanto, embarcar no âmbito da gestão dos resíduos de construção civil (RCC), em que, no Brasil, há uma geração anual de 84 milhões de metros cúbicos de resíduos de construção e demolição. Em 2016, as até então 310 usinas licenciadas para a gestão de RCC reciclaram cerca de 17 milhões de metros cúbicos. Em contraposição, 67 milhões de metros cúbicos seguiram para aterros sanitários ou receberam destinações alternativas, para não dizermos o termo 'ilegais'.
A economia movimentada por este aporte industrial consistiu em R$ 391 milhões em 2016, isto é, 20% do potencial econômico do setor. Deixa-se, portanto, escorrer pelos ralos da economia um aporte de aproximadamente R$ 2 bilhões/ano em valores diretos de mercado, sem entrarmos no mérito do impacto positivo na microeconomia em função dos empregos gerados e mais recursos para as famílias.
Atualmente 84% das usinas brasileiras são privadas, de modo que no ano de 2002 80% destas pertenciam ao poder público. A implementação da Resolução Conama 307 foi um divisor de águas na dinâmica deste setor, promovendo o incentivo às empresas a investirem nessa área.
Amparados pelos dados que temos, sabemos que, ainda assim, há resistências não apenas em relação à gestão ambiental dos resíduos como brevemente tratamos acima, mas também quanto à utilização de materiais reciclados no âmbito da construção civil devido à 'desconfiança' da qualidade dos mesmos a serem empregados na execução de empreendimentos. Essa classe de materiais, no entanto, apresenta aplicações pré-estabelecidas e de qualidade atestada por órgãos de padronização internacional, como a International Organization for Standardization (ISO). Países europeus utilizam resíduos reciclados de construção e demolição desde o pós guerra nos anos 50.
O exemplo alemão nos mostra que há uma efetiva lucratividade na esteira da consolidada Economia Circular, governamentalmente formalizada em 2012. O setor emprega mais de 200.000 pessoas em mais de 3.000 empresas envolvidas com os processos de gestão de resíduos sólidos, de modo que €50 bilhões (euros) são movimentados anualmente. Inserida neste contexto, a geração dos RCC atingem, aproximadamente, 90% de reciclagem.
Nossa economia em sua diversidade, em especial no âmbito da construção civil, visto que é o tema central deste artigo, merece num futuro próximo reproduzir a sentença "sempre fizemos assim", sob uma nova perspectiva cultural, econômica, social e ambiental.
A sociedade só tem a ganhar e, como de praxe, a natureza agradece.