Sensação, percepção e realidade
É sabido que valemo-nos dos nossos sentidos para a percepção da realidade. Nós, seres humanos, nos gabamos da primazia sobre as demais espécies. Mas será que percebemos – e compreendemos – mais eficientemente o mundo ao nosso redor?
Os sentidos constituem capacidades fisiológicas dos organismos que suportam a percepção. Os sentidos, sua operação, classificação e teoria caracterizam tópicos que se sobrepõem e são estudados numa grande variedade de áreas da ciência; especialmente a neurociência, a psicologia cognitiva e a filosofia da percepção. O sistema nervoso tem um sistema sensorial ou órgão específico e dedicado para cada um dos sentidos.
Os seres humanos apresentam uma multiplicidade de sentidos, sendo os cinco sentidos primários, tradicionalmente reconhecidos: a visão, a audição, o paladar, o olfato e o tato. Dentre os outros sentidos humanos podemos citar: a percepção térmica; a dor; as sensações de equilíbrio e de aceleração; e a próprio-percepção (ou percepção e controle dos nossos próprios membros e músculos, esta inclusive pode ser treinada para tornar-se semi-automática, ou mesmo automática, possibilitando que o nosso cérebro se ocupe prioritariamente de outras atividades simultaneamente à realização de tarefas já internalizadas, um exemplo: conversar e dirigir, apesar de politicamente incorreto).
O sistema visual é parte do sistema nervoso central que possibilita ao organismo o processamento detalhado da visão, assim como coordena várias outras funções de foto-resposta não imagética. Ele inclui os olhos, os conectores para o córtex visual e outras partes do cérebro. O sistema visual interpreta a informação recebida através da luz visível e é responsável pela construção da representação do mundo à nossa volta.
Os nossos olhos constituem um complexo mecanismo biológico. O funcionamento de uma câmera fotográfica é frequentemente comparado àquele dos olhos, pelo fato de ambos focalizarem a luz dos objetos externos que estão no campo de visão sobre um meio sensível à luz. No caso da câmera, este meio é o filme fotográfico ou um sensor eletrônico; no caso do olho trata-se de uma matriz de receptores visuais. Valendo-se ambos do mecanismo da similaridade geométrica embasado pelas leis da ótica. A luz que penetra através dos nossos olhos é refratada na passagem pela córnea. Ela atravessa então pela pupila (controlada pela íris) e é novamente refratada. A córnea e a pupila trabalham em sincronia, como um conjunto de lentes para projetar uma imagem invertida e passível de percepção sobre a retina.
A retina consiste numa miríade (ou uma matriz) de células fotorreceptoras. Essas células fotorreceptoras contêm moléculas de proteínas específicas denominadas opsinas. A rhodopsina é encontrada nas células radiais que são periféricas à retina e tem a função de captação da luz para a visão noturna. Existem três tipos de opsinas cônicas, as quais são encontradas, por sua vez, nas células do cone central da retina: cada um desses tipos é diferenciado conforme as faixas do comprimento de onda luminosa que é capaz de absorver, sendo as opsinas curtas aquelas que absorvem o espectro do azul, as opsinas médias aquelas que absorvem o espectro do verde e as opsinas longas aquelas que absorvem o espectro da luz vermelha. Essa matriz de opsinas que compõem a retina é a responsável pela absorção dos fótons e a transmissão do sinal nervoso para células conectoras que o encaminham ao córtex visual.
Um estudo da Universidade da Pensilvânia calculou que a estrutura da retina humana é capaz de absorver aproximadamente 8960 kilobits por segundo de informação visual, enquanto um porco de Guiné tem a capacidade da absorção através de sua retina de apenas 875 kilobits por segundo.
Entretanto, diferentes espécies são capazes de ver (são sensíveis a) diferentes faixas do espectro luminoso. Os gatos têm a habilidade de enxergar mesmo com grande escassez de luz graças aos músculos no entorno de sua íris, permitindo contrair e expandir muito as suas pupilas, bem como ao tapetum lucidum, uma membrana reflexiva que otimiza a visão felina.
Pitvipers, pythons e outras serpentes venenosas (especialmente aquelas que habitam as cavernas) apresentam órgãos sensíveis ao infravermelho, os quais permitem a percepção do calor do corpo de suas presas. O famoso morcego-vampiro apresenta também um sensor infravermelho no seu nariz. Foi descoberto que os pássaros e alguns outros animais são tetra-cromatos; i.e. eles apresentam a capacidade de percepção da luz ultravioleta até o comprimento mínimo de onda de 300 nanômetros. E as abelhas e as libélulas são também sensíveis ao ultravioleta.
A audição também é um dos cinco sentidos primários; caracteriza-se pela habilidade da percepção de ondas sonoras pela detecção de vibrações através de um órgão como o ouvido Nos humanos e noutros vertebrados ouvir é possível graças ao sistema auditivo: as vibrações são detectadas pelo ouvido e transmitidas através de impulsos nervosos para o cérebro, especialmente para o lobo temporal. Assim como o tato, a audição dá-se pela sensibilidade ao choque de moléculas do mundo exterior contra a superfície do organismo; e por isso ambos, a audição e o tato, são denominados sentidos mecânicos.
Simplificadamente, o mecanismo da audição consiste no seguinte: O canal do ouvido ajusta a pressão das ondas de ar recebidas para uma mesma faixa de comprimento de onda. No ouvido interno, essas vibrações sonoras são detectadas por células capilares localizadas na membrana basilar, e a decomposição em diferentes frequências de onda dá-se ao longo do comprimento dessa mesma membrana. A membrana basilar separa as frequências: as frequências altas produzem maior ressonância próxima ao final do ouvido médio, enquanto as frequências mais baixas produzem maior ressonância na extremidade oposta. Em suma, a membrana basilar realiza ininterruptamente análises do tipo de uma transformada de Fourier, transmitindo a informação da frequência e da intensidade sonora através do nervo auditivo diretamente para o fluxo cerebral.
Nos humanos, o limite inferior e a capacidade de localizar fontes sonoras são reduzidos significativamente debaixo d’água, meio no qual a velocidade do som é maior que aquela do ar. A audição subaquática é pela condução dos ossos e a localização do som parece depender de diferenças na amplitude detectadas pela condução através dos ossos.
Nem todos os sons são normalmente audíveis por todos os animais. Cada espécie apresenta as suas faixas específicas de audição tanto no que diz respeito à amplitude quanto à frequência sonora. Muitos animais usam o som como meio de comunicação e, portanto, a audição nessas espécies é de importância ímpar para a sobrevivência e a reprodução. Em espécies que usam o som como fonte primária de comunicação, a audição é mais apurada na faixa de frequência da fala. Frequências de áudio, ou sonoras, é como são comumente denominadas aquelas capazes de serem ouvidas pelos humanos, tipicamente na faixa de frequências entre os 20 Hz e os 20 mil Hz.
As frequências mais elevadas que aquelas de áudio são denominadas ultrassônicas, enquanto as inferiores são denominadas infrassônicas. Alguns morcegos usam a faixa de ultrassom para a ecolocalização em vôo. Os cães também são capazes de ouvir ultrassons, e este é o princípio de funcionamento dos apitos caninos silenciosos (ao menos para nós, humanos). As cobras têm sensibilidade aos infrassons pelas suas barrigas alongadas e esbeltas; enquanto as girafas, os elefantes, os golfinhos e as baleias usam a faixa de frequência dos infrassons para a comunicação.
Alguns animais incluindo os morcegos e os cetáceos tem a capacidade de determinar a sua orientação e velocidade com relação a outros corpos ou objetos pela interpretação da reflexão sonora e do efeito Doppler, como se tivessem um sonar. A este sentido específico denomina-se ecolocalização.
Insetos como as moscas e as borboletas têm sensibilidade ao paladar nos seus pés, permitindo que eles saboreiem qualquer superfície sobre a qual eles pousem (daí a preferência pelos doces e flores, respectivamente, no caso dos primeiros e dos segundos). O peixe-gato, por sua vez, possui o seu sistema palatável ao longo de toda a superfície externa do corpo, permitindo que ele identifique apuradamente a qualidade e acidez do meio aquático no qual ele se encontra (e por isso você nunca encontrará essa espécie nadando em águas poluídas).
A maioria dos mamíferos não-humanos apresenta o sentido de olfato muito mais apurado que aquele dos humanos, apesar de em ambos os casos os sistemas olfativos serem bastante similares. Os tubarões têm um senso de olfato tão apurado que estes são capazes de determinar com grande precisão inclusive a direção do estímulo, fazendo com que localizem mais eficientemente a sua presa, mesmo a grande distância. Já os insetos apresentam receptores olfativos em suas antenas.
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A eletro-percepção é o sentido da percepção de campos elétricos. Várias espécies de peixes, tubarões e arraias têm a habilidade de alterar os campos elétricos dos seus entornos imediatos. Alguns peixes têm a percepção passiva de mudanças sutis nos campos elétricos; outros podem ainda se expressar através dos seus próprios campos elétricos e captar o padrão potencial elétrico ao longo de toda a superfície externa dos seus corpos para fins de comunicação social.
As ordens dos golfinhos e dos monotrématos (à qual pertencem os ornitorrincos) são as únicas que apresentam eletro-percepção dentre os mamíferos; sendo o ornithorhynchus anatinus aquele que apresenta este sentido mais desenvolvido.
Já a magneto-percepção refere-se ao sentido da direção com relação ao campo magnético da Terra. Esse senso direcional é particularmente desenvolvido nos pássaros, embora também seja observado em insetos, como as abelhas. Apesar de não restar dúvidas quanto à existência deste sentido em muitas aves, sendo de importância fundamental para a habilidade de navegação dos pássaros migratórios, o mecanismo através do qual se dá a magneto-percepção ainda não é bem compreendido pela ciência.
Outro sentido bastante peculiar é aquele da detecção de correntes no meio líquido. As linhas laterais ao longo do comprimento de peixes e outros seres aquáticos anfíbios são órgãos externos para a percepção de correntes aquáticas, na forma de vórtices. Essa linha lateral é também sensível às vibrações de baixa frequência. Estes receptores mecânicos consistem também em células capilares, da mesma natureza daquela das células auditivas, sendo desenvolvidos principalmente nos peixes para a navegação em meio líquido e para a caça.
E os sensores de deslocamento relativo dos aracnídeos detectam a deformação mecânica de seus exoesqueletos, provendo informações sobre forças e vibrações às quais estes insetos estão sujeitos.
Com base na exposição dos múltiplos e diferenciados sentidos, apresentados acima, chegamos à conclusão de que cada espécie apresenta recursos próprios para a percepção da realidade – sendo esta sim, comum a todos nós.
Pode-se avançar ainda um pouco mais nessa ideia, chegando mesmo ao entendimento de que dois indivíduos de mesma espécie apresentam uma percepção diferenciada da realidade, uma vez observadas diferenças sutis nos órgãos (ou sistemas) responsáveis pelos seus sentidos, bem como na forma como essas informações ou percepções se complementam de forma particular na reconstrução mental do universo individual. Assim, para um individuo o clima (o conjunto das variáveis de temperatura, umidade, luminosidade, etc.) pode parecer agradável, enquanto para outro, não; apesar de se encontrarem numa mesma sala!
Apesar de a realidade ser única, os nossos sentidos são diferenciados e a percepção é individual. Pode-se concluir, portanto, que a percepção plena da realidade é impossível para o indivíduo, senão para o conjunto de todos os seres, observado que os nossos sentidos para a percepção são diferenciados e, além disso, limitados.
Nessa imensidão de sensações, de percepções, é como se a realidade só fosse acessível à mônada. Mônada é o termo cunhado para representar a Divindade, o ser primário essencial ou a totalidade de todos os seres. Logo, a mônada é a percepção total ou o Uno, representando o Um anterior à divisão, estando associado à cosmogênese.
É como se a realidade só tivesse habitado o individuo há muito tempo atrás, enquanto imerso na sopa primordial de aminoácidos, anterior à sua separação ou diferenciação em organismos distintos. Ao longo das eras formaram-se as macromoléculas (como aquelas das proteínas, dos polissacarídeos e dos ácidos nucleicos) donde, através de sucessivas combinações e arranjos, cada vez mais complexos, resultou a multiplicidade dos seres vivos – as atuais espécies e os seus indivíduos.
Vamos explorar uma abordagem matemática (e, portanto, exata) para elucidar essas ideias um tanto abstratas sobre as quais discorremos anteriormente. Imagine que a realidade consistisse dos números naturais apenas: zero, um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze e assim por diante.
Usualmente representamos os números na base dez. Isso significa que, da direita para a esquerda, o primeiro algarismo diz respeito ao multiplicador de dez elevado a zero (que é igual à unidade), o segundo algarismo diz respeito ao multiplicador de dez elevado a potência um (que é igual à dezena), o terceiro algarismo diz respeito ao multiplicador de dez elevado a dois (que é igual à centena), e assim sucessivamente. Logo, para a “realidade” do número cento e setenta e nove existe a “percepção” do número 179 na base decimal (que é igual a nove vezes um, mais sete vezes dez, mais uma vez a centena).
Da mesma forma, para a “realidade” do número cento e setenta e nove existe a “percepção” do número 263 (= 2×64 + 6×8 + 3×1 = 179) na base octal (base oito). Entretanto, para a “realidade” do número cento e setenta e nove não há “percepção” na base duodecimal (base doze)! De fato, a “percepção” do número 129 na base duodecimal equivale à “realidade” do número 177 (= 1×144 + 2×12 + 9×1), enquanto a “percepção” do número 130 na base duodecimal equivale à “realidade” do número 180 (= 1×144 + 3×12 +0x1). Existe, portanto, a impossibilidade de “percepção” na base duodecimal para a “realidade” dos números inteiros 178 e 179.
Quanto mais complexo o organismo (ou quanto maior a base na qual se dá a “percepção”) maior é a perda observada com relação à realidade. Valendo-se dessa assertiva (?) e recordando do objeto inicial de investigação desse texto (Nós, seres humanos, nos gabamos da primazia sobre as demais espécies. Mas será que percebemos – e compreendemos – mais eficientemente o mundo ao nosso redor?), nós poderíamos mesmo ser levados à conclusão de que não. E ainda mais: que, eventualmente, as espécies mais simples seriam aquelas naturalmente mais eficazes na percepção da realidade!
Ledo engano: Na elaboração desse nosso modelo simples esquecemo-nos de levar em conta as faculdades da intuição e do raciocínio, que são sentidos bastante aguçados na espécie humana! Estes nos permitem exercitarmos a imaginação, o sonho e a criatividade; são tênues vínculos que mantém os nossos laços atrelados à mônada. E cabe a cada criatura exercitar estes músculos mentais, para a expansão da consciência e a (re-)conexão supramental.