Seu cachorro será usado para tentar manipular você
Texto publicado originalmente na LambeLambe, newsletter sobre cães que mantenho com o Ricardo Martini .
Não é a primeira vez que os doguinhos se veem no centro de uma notícia falsa que desperta indignação e, ao mesmo tempo, reflete algo mais profundo sobre a sociedade. Em setembro, falamos aqui na LambeLambe sobre a mentira do então candidato Donald Trump de que "imigrantes estão comendo cães e gatos" foi usada para manipular debates públicos nos Estados Unidos.
Agora, no Brasil, o boato de um imposto de R$ 740 sobre tutores de cães segue um caminho semelhante, tocando em nervos emocionais e provocando reações intensas.
Embora a fake news tenha sido rapidamente desmentida, a discussão traz um contraponto interessante: na Alemanha, um imposto sobre cães não apenas existe, mas alcançou uma arrecadação recorde de € 421 milhões (R$ 2,4 bilhões) em 2023.
Diferente da proposta fictícia brasileira, a tributação alemã é administrada localmente, com taxas que variam de € 120 (R$ 692) a € 1.056 (R$ 6.097) por ano, dependendo da raça e das políticas municipais. O objetivo é claro: financiar serviços públicos, controlar a superpopulação canina e promover maior responsabilidade entre os tutores.
Imposto para pets no Brasil seria possível?
A história do imposto alemão é curiosa e remonta a mais de 500 anos. Inicialmente pago em grãos, ele substituía a obrigação de fornecer cães para caçadas. Hoje, o sistema reflete uma relação mais estruturada entre tutores, pets e a sociedade, incluindo isenções para cães-guia e famílias de baixa renda. Mas como reagiríamos se uma ideia semelhante fosse sugerida no Brasil? Estaríamos prontos para discutir o tema com equilíbrio, sem cair em polarizações?
Essa comparação entre os dois contextos nos leva de volta a uma questão que já exploramos: por que cães e gatos ocupam um espaço tão central em nossa moralidade e, ao mesmo tempo, são instrumentalizados como ferramenta política?
Desde a domesticação, os cães têm sido parceiros evolutivos da humanidade, ajudando-nos a sobreviver e prosperar. Esse vínculo, construído ao longo de milênios, é tão forte que notícias sobre eles – verdadeiras ou falsas – mobilizam sentimentos profundos, como proteção e empatia.
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Ao mesmo tempo, as diferenças culturais são evidentes. Na Alemanha, o imposto é aceito como parte de um pacto social; já no Brasil, até mesmo a mera sugestão de uma tributação provocou um turbilhão de desinformação. Isso reflete não apenas os contextos econômicos distintos, mas também como encaramos nossas responsabilidades como tutores e cidadãos.
Seja na forma de um boato ou de uma política pública concreta, nossos pets continuam no centro de debates que transcendem a relação humano-animal. Talvez a verdadeira lição aqui não seja sobre impostos ou fake news, mas sobre a necessidade de tratar esses temas com profundidade e responsabilidade.
Cuidado: seu cachorro será usado para tentar te manipular
Além disso, uma certeza se impõe: cães e gatos serão cada vez mais instrumentalizados politicamente. Por estarem cada vez mais próximos de nós, ocupando o lugar de membros da família, é natural que candidatos, partidos e outros agentes tentem mobilizar as paixões dos cidadãos para conquistar votos.
Por isso, precisamos ter cuidado e ficar atentos. Temas emocionais costumam ser justamente aqueles que nos fazem agir sem pensar — como compartilhar notícias falsas sem verificar a veracidade.
O ideal seria discutirmos questões relativas aos nossos doguinhos com calma, ponderação e um toque de racionalidade.
No entanto, como mostram os casos de Donald Trump e da notícia falsa sobre o imposto pet, o espaço para esse tipo de debate está se tornando cada vez menor.
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