Silêncio absoluto
Um silêncio inaudito preenche o vácuo deixado por um estrondo terrível. Não é silêncio total, é como se os sons tivessem se assustado e prendido a respiração. Os motores, as crianças, os pássaros, o vento. Eu não tenho certeza se não sou eu que está surdo. Não, eu ouço meu coração batendo forte e descompassado e meus pés se chocando contra os escombros. Meus olhos focam no chão e os ouvidos no som do vácuo. Acho engraçado minhas pernas obedecendo não sei a que comando, sozinhas seguindo uma dança ritmada, às vezes parecendo cair, como no dabke. Acho engraçados meus pensamentos incoerentes: gosto tanto dessa calça, podia ter escolhido outra hoje, vai dar muito trabalho tirar todo o sangue dela, será que tem jeito? A sandália é velha, não está combinando, Shadia vai ficar brava quando vir, será que ela está bem? Pelo menos cortei minhas unhas ontem. Esse é o melhor caminho? Não importa, tenho que seguir por onde conseguir passar, sempre em frente. E o silêncio me lembra o deserto onde fomos há uns dias, um bálsamo para a alma, sem nenhum dos barulhos que hoje acompanham os humanos e fazem o papel de dizer que estamos vivos e somos importantes para alguém. Os toques de notificações dos aplicativos de mensagens, de likes, de novas fotos, estou vivo, querem a minha opinião, você também está vivo amigo. Quem diria que, agora, é a ausência que me mostra que ainda existo. Corro no silêncio para me salvar e é nele que está a esperança, a possibilidade. Só os sons do meu coração apressado, do ar saindo da minha boca com força e dos meus pés procurando abrigo. Não há mais prédios inteiros, só escombros, fumaça, cheiro de explosão. O bunker está por aqui, aquela placa no chão ainda sinaliza onde virar. Shadia está lá, fica perto do mercado. De quem será esse sangue na minha calça, tão vivo e escuro? Meu não pode ser, não sinto dor. A única coisa que me incomoda é esse vácuo depois da explosão do míssil, porque é prenúncio do próximo. Onde está o prédio? Pensa! Tem que olhar o chão, procurar no chão a entrada Hassan! Esse zunido. Ponho as mãos nos ouvidos, sei o que é. Corta o ar mais um projétil. Voo. Baque. Silêncio absoluto.