Sinais Vitais de Uma Startup: A Equipe e Seu DNA

Sinais Vitais de Uma Startup: A Equipe e Seu DNA

Em meu dia-a-dia avaliando um bom número de oportunidades de investimento em startups, tenho procurado me aprofundar em descobrir as características que separam as startups com potencial de sucesso daquelas que, infelizmente, já faleceram e não se deram conta.

Para tentar identificar bastante bem essas características e poder dividir claramente meus pontos-de-vista com todos interessados no assunto, gostaria de me desculpar por não poder ser breve neste artigo, tanto pela minha incapacidade maior de síntese, mas principalmente por não poder economizar em ideias dada a grande importância do tema “Equipe” com relação ao desenvolvimento de uma startup.

Tratando de contextualizar sua natureza é possível afirmar que uma startup representa a visualização de um desejo intenso de realização de quem a fundou, atendendo alguns propósitos básicos que podem significar a possibilidade de ganhos de alguns milhares ou milhões (... bilhões?) de dólares, de ser dono do próprio destino, de ter a oportunidade de ajudar muita gente, de conquistar espaço volumoso na mídia para atender um ego avantajado, etc., etc., etc..

Sejam quais forem os propósitos que a levaram a nascer, uma startup tem que considerar que para atender o desejo de realização de seu(s) fundador(es) deve apenas e simplesmente representar valor incomum para quem usará ou comprará sua oferta, de forma que o resultado econômico compensará (e bastante) o custo e o esforço dispendidos para administrar, produzir e vender. E nada mais!

Se a startup for concebida, construída e conduzida sobre uma sólida fundação baseada na prática de princípios e propósitos voltados à legítima criação de valor (para todos os stakeholders – principalmente seus clientes) estabelece-se a condição fundamental para ocorrer o sucesso. Essa condição é a “partícula de vida”, o ponto essencial de comunhão e de engajamento das pessoas com o negócio e o que irá permitir que o desejo intenso inicial seja estendido a todos como seu traço essencial de cultura.

Sem isso, altos níveis de paixão, de compromisso e de trabalho árduo, requeridos para transformar o desejo intenso de realização de valor da empresa desde sua concepção, não são entendidos, compartilhados e praticados.

Sendo assim, o sucesso projetado pela ideia original do fundador deverá ser o produto de uma equipe de trabalho com DNA próprio e ajustado ao desafio de promover a melhor execução possível e, ao mesmo tempo, de fazer evoluir constantemente a proposta de valor original.

Esse DNA, independentemente do setor de atividade, é caracterizado pela dedicação de toda a equipe em observar incessantemente o ambiente de negócios, interpretar os fatos pertinentes, questionar paradigmas, entender novos significados, aplicar o melhor das competências e talentos individuais, acumular e compartilhar o aprendizado (próprio e de terceiros) e, através disso, cuidar da criação e desenvolvimento de uma base expressiva de clientes como a única forma de promover o crescimento a alcançar o sucesso.

Esses conceitos parecem ser válidos, mas e na prática como se aplicam? Não pretendo ter todas as respostas, muito menos as definitivas, mas poderia destacar algumas iniciativas que reconheço como muito importantes na formação de equipes com características que contém um DNA adequado de sucesso e que se estenderão às fases posteriores de evolução do negócio:

1. Detalhamento extremo da Proposta de Valor do negócio (use as metodologias propostas no Business Model Canvas e no Value Proposition Design como referências) e definição do que é crítico para que a proposta seja desenvolvida e entregue em termos dos conhecimentos e habilidades necessárias, bem como as atividades fundamentais requeridas.

  • Isso é vital para que se desenhe a estrutura básica de organização e se descreva o rol de recursos e de competências técnicas/gerenciais que são os requisitos mínimos necessários para que a proposta de valor seja endereçada. O exercício também é essencial para determinar os recursos e competências que são disponíveis e aqueles essenciais que se devem obter interna ou externamente. Nessa fase que converge para um desenho de organização, o que importa é a definição de incumbências e missões críticas, não somente a distribuição de títulos e cargos (que normalmente dá a luz a todos os “Cs” conhecidos – CEO, CFO, CTO, CMO, COO – faltando apenas o C3PO e possivelmente o R2D2).

2. Detalhamento mais uma vez extremo da Proposta de Valor do negócio (usando inspiração e bom senso), desta vez definindo o que é crítico para que a proposta seja desenvolvida e entregue em termos dos comportamentos, atitudes e motivações que efetivamente farão a jornada ter sucesso (e o dia-a-dia já intenso se tornar menos penoso).

  • Lembre-se que uma startup é um exercício permanente de se provar o novo, questionar e rever premissas. Por essa razão, a viagem que se inicia envolverá o exercício de relacionamentos interpessoais intensos e as regras de conduta que prevalecem devem estar voltadas a atender expectativas ainda sem evidências de comprovação e aceitação; experiências passadas são fontes muito importantes de referência e inspiração, mas não são parâmetros conclusivos ou decisórios. Traços pessoais únicos e know-how diferentes têm que se complementar e alavancar necessidades comuns no negócio, sob intensa pressão e em profundidades extremas. Para que isso seja possível, algumas características essenciais da equipe deverão ser uniformes: obstinação e foco, iniciativa, curiosidade, humildade, resiliência (... persistência até certo ponto), entusiasmo, abertura ao novo, ao risco e ao imponderável. A avaliação da equipe deve ser processada através desse filtro e compartilhada entre todos para prevenir males futuros. Pessoas “tóxicas” (destrutivas. negativas e/ou chatas), mesmo tecnicamente competentes, não devem participar dessa viagem!

3. Descrição e discussão constante dos rumos e das metas gerais do negócio para determinado período de tempo, estabelecendo o papel de cada componente da equipe no alcance das metas gerais e definindo as metas individuais.

  • Certamente muitos já ouviram que não se mede o que não se define, o que não se mede não é melhorado e o que não melhora acaba por se deteriorar. Esse é o axioma da qualidade, que embora pareça algo distante da realidade de uma startup dos dias de hoje como metodologia, faz parte essencial na evolução do seu DNA. Sem metas claras e formas de medição, qualquer empreendimento fica ao sabor dos ventos e as pessoas (por mais brilhantes e comprometidas que possam ser ou estar) entendem realização e produtividade, cada uma, à sua maneira. A dinâmica de cenários de uma startup pode alterar fortemente as operações e isso é motivo suficiente para que redefinições frequentes de rumo (não de destino) - e medições correspondentes - sejam necessárias, produzindo novos indicadores. Indicadores promovem feedback construtivo e usados com a frequência requerida não permitem que viajantes com rumos e metas próprias façam parte da tripulação!

4. Identificação continua dos talentos, competências, habilidades e conhecimentos necessários para cada um dos momentos de evolução da startup (seja agora, ou seja, no processo de expansão) e dedicação intensa no ajuste desse “encaixe” às demandas emergentes.

  • A estrutura humana, operacional e funcional de uma startup determina sua capacidade em dar respostas às necessidades diárias de desenvolvimento de valor, como também fazer frente à imponderabilidade e maximizar oportunidades. Como, por definição e por limitação natural, essa estrutura deve ser mínima em termos do tamanho da equipe, a característica marcante do DNA de uma startup de sucesso é o “encaixe” contínuo entre talentos, competências, habilidades e conhecimentos para entregar o que é efetivamente requerido em determinado momento do ciclo de vida do negócio. Uma atividade que é um fator determinante para o sucesso numa determinada etapa certamente será sucedida por outras mais relevantes no processo de evolução do negócio. Portanto estrutura, funções e competências requeridas no início das operações provavelmente terão escopo e profundidade de atuação completamente diferentes em outro estágio da startup. O que é estático morre e o que é eclético sobrevive!

5. Concordância e prática da noção de que a liderança de uma startup deve ser resultante de seu propósito e não do desenho de uma cadeia de comando. Liderar uma equipe significa capitanear a ideia de sucesso e extrair o melhor de cada um dos integrantes nessa direção.

  • O entendimento do conceito de liderança provavelmente é o dos que mais tem gerado buscas no Google no que se refere a assuntos de gestão. Dentre suas mais diversas noções e interpretações, a que considero mais aplicável no caso de startups (... e, porque não, em todo o universo empresarial) é o que diz respeito ao fato de que ideias são duradouras e pessoas passageiras. Portanto, liderar quer dizer apaixonar pessoas por ideias, inspirando e dando vida à ação necessária para torná-las reais e valiosas. Isso ocorre através do conhecimento, exemplo, conduta (instilando a doação e recebimento de respeito e confiança) e determinação. Dessa forma, numa startup todos podem ser líderes. O modelo de liderança baseado no “Eu-Ego”, no caso, é pouco relevante se quisermos efetivamente construir uma equipe de alto desempenho a não ser que esse “Eu-Ego” seja efetivamente a representação máxima, única e insubstituível da ideia original. Se esse for o caso (e provavelmente algumas mega empresas - recentes ou não - foram assim formadas) estaríamos conceituando sobre as características de líderes que se tornaram exceções absolutas e não sobre aquilo que deve prevalecer em condições normais em que um novo negócio deve prosperar (e muito) através de pessoas normais que produzem algo excepcional. No dicionário de lideranças que inspiram ideias e sucesso (definitivamente o caso de startups), a pronome “Eu” foi abolido e devidamente substituído por “Nós”!

6. Aceitação do erro (e sua inevitabilidade) quando necessário, mas comemoração, promoção do reconhecimento e premiação apenas pelo sucesso efetivo alcançado.

  • Tão simples assim, porque uma startup é um processo de errar construtivamente na direção de algo valioso. É claro que os resultados esperados do negócio serão só possíveis pela diminuição proporcional dos erros comparados aos acertos para alavancar a evolução e aceitação da proposta de valor. Para que isso ocorra organizadamente, é necessário que se identifiquem os riscos das iniciativas fundamentais a serem implantadas definindo assim quais os limites de erro aceitáveis em comparação com os benefícios a alcançar. Como uma startup não pode prescindir de avançar na criação do novo, o erro nessas circunstâncias é aceitável e é ingrediente fundamental do aprendizado. Por outro lado, devemos exultar com o acerto e com os resultados provenientes. Circunscrever a aceitação do erro impulsiona a capacidade de melhorar resultados e isso deve ser premiado através do reconhecimento e comemoração permanente dos passos corretos e das vitórias em direção ao sucesso. O como premiar é tema de teses de doutorado não vamos nos debruçar sobre isso, no entanto, se a equipe tiver o DNA correto certamente entenderá o conceito de premiação conforme a dimensão da obra comum em construção. Como analogia, seria como premiar um engenheiro civil pela qualidade de cada tijolo assentado ao invés da conformidade e da solidez do edifício construído.

Esse artigo é mais um que compõe a série: Os Sinais Vitais de Uma Startup. No próximo estarei abordando as questões referentes à organização estruturada das atividades de um novo empreendimento, especialmente com relação aos meios e métodos disponíveis e recomendáveis.

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