Sobre Fake News e apedrejamento público

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Por Márcia Giupatto

Com as tecnologias da informação nós, pessoas comuns, conquistamos maior espaço para transmitir informações, emitir nossa opinião e influenciar grupos. As mídias digitais nos permitiram ter voz nos mais diferentes espaços de comunicação, inclusive na produção de conteúdos. Isso é um ganho significativo para que qualquer pessoa, independentemente da sua popularidade, possa criar, divulgar, disseminar conteúdos diversos na sua área de atuação ou interesse. Por outro lado, parece haver uma baixa preocupação com o que é verdadeiro do que é calunioso e difamatório. Mas nossa civilidade pode nos ajudar a distinguir o que verdadeiro do que é falso, a partir de algumas reflexões que proponho aqui a partir da perspectiva civil relacionada à calúnia e difamação, da questão moral e sua ameaça ao prestígio social e da perspectiva política no enfraquecimento do Estado Democrático de Direitos.

Geralmente, o poder de comunicação virtual recém conquistado pega emprestado a lógica das interações presenciais. Confiamos nas notícias e nos conteúdos produzidos que são publicados por instituições ou pessoas com quem temos afinidades, em quem conhecemos o caráter, pessoas que acreditamos trabalhar pelo bem comum tendo a convicção de que elas não seriam capazes de trazer uma inverdade. Temos a impressão ou a inocência de que grande parte do conteúdo produzido e veiculado nas redes sociais atua socialmente pelo bem das pessoas, principalmente se essas informações vêm de grupos de pessoas com interesses comuns. Mas não é bem assim.

A velocidade e a quantidade das informações veiculadas na internet somadas à nossa confiança “cega” nos conteúdos veiculados por pessoas em quem confiamos e/ou temos afinidades desfavorecem a nossa capacidade de analisar e julgar os fatos com maior sensatez. Por isso, é fácil de se deixar influenciar pela opinião dos emissores das mensagens, cuja percepção dos fatos pode ter sido equivocada ou mesmo cuja intenção pode ter sido mostrar uma situação com o objetivo de manipular nossas opiniões e atitudes. Ao acessar determinados conteúdos algumas vezes não se tem a criticidade para diferenciar o que é fato de uma opinião, o que é real do que é sensacionalismo, o que é denúncia do que é propagação de ódio. Quando compartilhamos algo com ausência de senso crítico tanto em relação ao conteúdo produzido quanto à narrativa dos emissores da mensagem, estamos ajudando a dar legitimidade ao que está sendo compartilhado nas redes, que pode ser uma informação de utilidade pública ou algo de relevância social, mas que também pode ser um conteúdo falso e tendencioso que leva outros a compartilharem, em alguns casos, até acrescentando novas calúnias, e propagando ainda mais ódio e violência. Embora a Proposta de Lei 2287/2019, já aprovada pela CCJ – comissão de Constituição e Justiça e em tramitação no plenário da câmara dos deputados, proponha a descriminalização da calúnia e a difamação como crimes contra a honra possa ser entendido, erroneamente, como uma permissão para esse tipo de conduta, o nosso Código Civil Brasileiro é responsável por apurar, inibir e responsabilizar quem desobedece a regra social de respeito aos valores e concepções morais dos indivíduos, inclusive por meio das quais as pessoas, cuja honra e prestígio social tenham sido afetados pela ação difamatória, possam buscar indenizações. Dessa forma, conforme previsto em nossa legislação, somos responsáveis pelo que produzimos e compartilhamos, e somos também responsáveis pelo nosso comportamento virtual cuja lógica e regras de civilidade devem ser as mesmas das interações presenciais. Para além da perspectiva da legalidade, há outros elementos mais intangíveis relacionados à comunicação virtual.

Nos diálogos presenciais, as pessoas medeiam seus comportamentos e orientam as suas falas a partir das reações do interlocutor, a empatia é um fator determinante nas conversas em diferentes contextos comunicativos. Na web, o interlocutor é virtual, muitos não se dão conta disso e sua comunicação pode se tornar violenta, ameaçadora e ofensiva. Sem reflexão e empatia, perde-se também a capacidade de avaliar os desdobramentos perversos que uma postagem com conteúdo calunioso, ofensivo, e/ou ameaçador pode acarretar na vida das pessoas. Uma notícia ou um conteúdo virtual falso tem uma gravidade imensa porque pode levar ao desprestígio social de pessoas prejudicando a vida social não apenas das vítimas, mas inclusive daqueles que ajudam a propagar essas notícias falsas. É como colocar uma vítima numa arena enquanto vários apedrejam, seguindo aquele efeito manada que só víamos nas sociedades menos civilizadas, nos idos da idade antiga. Será que estaríamos voltando à idade das trevas? Os comportamentos individuais influenciam o comportamento coletivo e podem comprometer inclusive os avanços civis conquistados pelo nosso país. Um país civilizado se faz quando os indivíduos vivenciam a lei na vida cotidiana.

Por mais recente que seja esse poder alcançado por nós “sociedade dos comuns” na veiculação e produção de conteúdos não precisamos nos digladiar nas interações virtuais, já aprendemos e avançamos significativamente como sociedade no respeito aos direitos coletivos e individuais. No Brasil a nossa Carta Magna prevê que somos um Estado Democrático de Direitos, tendo cada sujeito a presunção da inocência. No entanto, nas redes sociais muitos veiculam um conteúdo ou uma notícia já sentenciando alguém, condenando pessoas a partir da ótica míope de apenas uma ou de um grupo de pessoas. Se é possível uma comparação, os que compartilham conteúdos caluniosos e difamatórios podem se assemelhar àqueles que atiravam pedras e ajudavam a colocar a cabeça nos locais públicos da cidade para que fossem expostos e tripudiados. Como podemos regredir assim? Estou certa de que podemos ser mais fraternos, mais humanos, mais sensatos e mais gentis uns com os outros tanto presencial como virtualmente. Isso nos ajudará também a ultrapassarmos esse estado de polarização em que nos situamos nesse momento histórico brasileiro. O debate sobre fake News, ou em bom português notícias falsas, precisa acontecer nas diferentes instâncias sociais: nos momentos em família, nas salas de aula, nos centros culturais das cidades, nos encontros religiosos, sindicais e políticos para que sejamos cada vez mais cidadãos comprometidos com o bem-estar das pessoas e da nação. 

Amélia Borja

Gestora de Projetos. Formadora de Gestores. Profissional de Ensino Superior: Didática Ens. Sup e Metodologia Científica

5 a

Perfeito!!!! Parabenizo-os sei texto. Abs

Beto Silva

Inovação Educativa I Tecnologias Educacionais I Mediação de Leitura Literária I Formação de professores I Gestão de Projetos - Educação e Cultura

5 a

Boa ma! 💙

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