Sobre a "semana de quatro dias"
Não faz muito tempo que tive a oportunidade de trabalhar numa empresa que adotava a "semana de quatro dias": o trabalho começava segunda-feira de manhã e terminava na quinta-feira à noite. E mais recentemente um colega que é gestor de várias equipes de tecnologia veio me perguntar sobre o que eu pensava a respeito, já que por lá estavam pensando em adotar esse modelo como parte da política de retenção e até atração de talentos.
Enquanto o respondia, percebi que isso rende um artigo interessante.
Vantagens
É muito bom trabalhar somente quatro dias por semana. Muito bom mesmo. No dia "cortado", que é quando você não trabalha mas o resto do mundo ainda o faz, esse acaba sendo um excelente dia de "botar as coisas em ordem": banco, detran, cartório, médico, dentista, mecânico, cabeleireiro e o que mais for deixam de ser um incômodo tão grande e podem ser incorporados facilmente ao planejamento semanal. E, quando não há nada disso na agenda, você pode simplesmente descansar. Ou estudar. (Muita gente vai estudar coisas que são benéficas para a própria empresa em que trabalham, veja só!)
E ainda acontece muito de as pessoas trabalharem nesse dia, mas em coisas que julgam particularmente interessantes e em seu próprio ritmo, sem cobranças de ninguém (eu mesmo já fiz muito disso).
Já para a empresa, é interessante ver que, mesmo que as pessoas trabalhem "poucos" dias, cada um desses dias é trabalhado com mais ânimo e disposição. Ao ponto de que, sinceramente, não posso dizer que a produtividade nessa empresa que adotava a semana de quatro dias fosse menor do que a produtividade de qualquer outra em que trabalhei.
Ou seja: a empresa acaba nem percebendo a diferença (particularmente eu vejo que a qualidade do trabalho tende a aumentar, inclusive), enquanto os funcionários vêem uma vantagem real que, sim, serve muito bem como política de retenção e até mesmo de atração de talentos.
E de bem-estar! Poucos param para pensar nisso, mas é muito bom que as pessoas tenham não somente um pouco mais de qualidade de vida (podendo investir em algum hobby ou simplesmente passar mais tempo com quem ama) mas também menos desculpas e mais incentivos para cuidar da saúde, seja fazendo mais exercícios, seja finalmente indo fazer aquelas consultas médicas que sempre adiavam.
(Se alguém conhece alguma estatística relacionando semanas com menos dias de trabalho com a quantidade de "sick leaves", por favor, me manda.)
Pontos meio complicados
Em geral, nem todas as equipes da empresa podem usufruir desse modelo. Qualquer coisa que envolva "atendimento em horário comercial" acaba ficando de fora do esquema.
Além disso, algo que sempre senti era uma quebra grande de ritmo: como a sexta-feira era livre, cada um terminava seu trabalho na quinta e somente na próxima segunda o retomava: eram três dias inteiros de intervalo (e a quinta-feira acaba ganhando aqueeele ritmo de sexta, sabe?) e a retomada parecia ter bem mais atrito do que no modelo clássico sexta-a-segunda.
Pontos de atenção
É importantíssimo que a empresa respeite o modelo que adota. Porque se, okay, "nós não trabalhamos na sexta", então nós não trabalharemos na sexta. Tão breve algum gestor comece a marcar reuniões nesse dia ou se "estar offline no Discord" gere caras zangadas na segunda, o que deveria gerar satisfação acaba manchando a imagem da empresa com uma enorme mancha de hipocrisia. Portanto, todos os envolvidos, especialmente gestores, diretoria e CEO, devem estar cientes do que está sendo proposto e de quais são os limites que devem ser respeitados.
Ademais, não precisa dar folga na sexta. Eu sempre achei a ideia de ter folga na quarta-feira bem interessante: é o dia da pizza e do cinema baratos. :-)
Minha opinião a respeito: uma alternativa
Não adote a semana de quatro dias. Tem um jeito muito melhor de alcançar os mesmos resultados e com muito menos gotchas: simplesmente implemente PTOs (paid time off).
Por quê?
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Bom, por vários motivos.
A semana de quatro dias dificilmente pode ser implementada em todos os setores da empresa. E eu acho que fica um clima meio estranho quando alguns tem um benefício como esse e outros não (muitos ficariam surpresos com a quantidade de atritos acontecendo diariamente quando alguns descobrem as disparidades salariais entre "a galera de T.I" e o restante da empresa -- então já tem material o bastante pra isso, né? Não precisamos de mais).
Além disso, aumentar os dias de folga não significa necessariamente adotar algum dia específico como o dia em que ninguém estará produzindo nada, certo?
Façamos as contas, pensando em semanas: um ano tem 52 semanas. Os funcionários tem férias de 1 mês, que já "matam" 4 semanas, então sobram 48. Sempre tem algum feriado em que o dia escolhido para folgar acaba indo pro beleléu, mesmo, então vamos considerar que sobram 45 semanas nas quais 1 dia será "dado" aos funcionários como dia de folga.
Se pensamos em termos de dias de PTO, seriam os 21 das férias mais 45.
66 dias.
Então ao invés de eleger um dia da semana para "eliminar", adote a política de 65 dias de PTO: cada um pode "combinar" com seu gestor, com, digamos, 1 ou 2 semanas de antecedência, qualquer número de dias de PTO que queira. E, no ano todo, cada um pode tirar 65.
Pronto.
Vai reformar a casa? Pede a semana. Precisa renovar a CNH? Pede o dia. Tá cansado da correria? Pega uma "quinta-e-sexta" e dorme até acordar. Cachorrinho vai operar? Pega lá uns dias e se resolve sem sufoco.
Excelente, não?
Dessa forma todas as equipes podem usufruir do benefício (porque quem lida com "atendimento" simplesmente combina uma escala), a quebra de ritmo não afeta a equipe inteira, as pessoas tem liberdade para adaptar o benefício às suas próprias particularidades (o que é excelente!) e a empresa, além de sofrer um impacto muito menor do que seria com uma "semana de quatro dias", ainda tem um apelo muito interessante para retenção e atração de talentos.
Pequenas dificuldades dos 65 dias de PTO
A CLT é chata demais!
Para quem, graças a Deus, consegue ganhar mais que R$ 5.000 por mês, a CLT é um incômodo enorme. Tudo é estritamente controlado e as regras sobre férias são terríveis.
Portanto, adotar esse esquema que proponho pode exigir que as regras da CLT sejam respeitadas também, ou seja: se o funcionário quisesse tirar 1 dia de folga por semana e 2 dias em algumas delas (fechando 65, no final), já não poderia mais, porque a CLT exige que tire-se pelo menos 20 dias corridos de férias em algum momento (certo, produção? É tanta minúcia que eu não lembro direito). E aí não importa se é o próprio funcionário que gostaria de ter "férias granulares": os políticos do nosso país sabem mais sobre seu bem-estar do que ele próprio, pelo visto.
E é mais difícil de "vender", caso queira-se que isso seja uma política de atração de talentos: "semana de quatro dias" é um termo que se explica sozinho, enquanto "65 dias de PTO" pode ser um pouco mais complicado, inclusive por ser um esquema mais flexível.
Resumo
A semana de quatro dias é, sim, uma parada bacana e serve muito bem não somente como parte de uma política de retenção de talentos mas também como política de bem-estar dos funcionários. E, já que o impacto tende a ser pequeno (pelo menos essa foi a minha experiência -- "a quilometragem pode variar"), acaba sendo uma forma de "aumento de salário sem aumento de custo" quando é implementada (okay, é "one shot", mas ainda é um shot -- é ganhar o mesmo e trabalhar 20% a menos).
(Mas, enfim, 65 dias de PTO é ainda melhor.)
Compliance | Governança | Gestão de Riscos
2 aBoa Cléber Zavadniak! "Pontos meio complicados" e "Pontos de atenção" super concordo ;)
Assistente Administrativo
2 aLaryssa Ronchi Sampaio esse artigo que te falei.
Arquiteto de Soluções, Tutor, Mentor, Empresário
2 aÚltimo comentário, PTO deveria ser traduzido como “dias pagos”.
Arquiteto de Soluções, Tutor, Mentor, Empresário
2 aEu já considerei a semana de quatro dias, mas pra uma startup que precisa entregar rápido não funciona bem. Talvez pra uma empresa mais consolidada. O que faço é liberar os horários pra quem quiser trabalhar a hora que quiser, até 176 horas mensais com banco de horas. Como todo mundo é autônomo, não tenho os problemas da CLT.
Arquiteto de Soluções, Tutor, Mentor, Empresário
2 aGosto da ideia dos PTOs, até porque onde trabalho temos 20 dias por ano. Algumas empresas dão PTOs ilimitados, mas por peer pressure as pessoas acabam usando menos dias, então dias definidos em números é muito melhor. 65 dias de PTO eu acho meio excessivo. Acho que a produtividade cai muito.