Solidão ou solitude - Sua companhia é boa para você?
Um dia, há muito tempo, estava quase encerrando o expediente quando disse aos meus colegas de trabalho: vou ao cinema! Eu tinha uns vinte e poucos anos e escutei em coro: “hummmmmmmmmmm, com quem???”. Respondi que sozinha e esses foram alguns dos comentários:
- Nossa, que depressivo!
- Tadinha, quer que eu vá junto?
- Que tristeza, eu nunca faria isso!
E dali até às 18h formou-se um intenso e acalorado debate em que a maioria achava a minha ideia absurda. Eu fui. Na saída fiz check-in no Facebook e marquei a galera que me desaprovou mais cedo, dando início a mais uma engraçada discussão, dessa vez virtual.
Eu não sou psicóloga e entendo pouco de muita coisa e muito de quase nada. Às vezes tenho receio desse blog soar pretensioso demais, mas como diz um amigo: é um blog, não tem como não soar pretensioso demais. Então vou deixar esse texto o mais pessoal possível, sem querer ditar regras, combinado?
Desde criança eu nunca fui das criaturas mais sociáveis. Nos primeiros anos da escola eu e meu irmão compartilhávamos a mesma professora e nas reuniões de pais ela dizia: “São muito diferentes! Enquanto ela leva o ano inteiro para fazer uma amizade, ele se enturma fácil, mesmo quando trocado de lugar, e faz até os mais quietos bagunçarem”.
Acho que essa característica de ser mais para dentro do que para fora me fez ficar muito tempo em contato comigo mesma. Então eu brincava sozinha, conversava sozinha, me divertia sozinha. Não sempre, claro. Mas aos poucos incorporei esse comportamento e ele acabou se tornando um hábito.
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No início de 2020, quando o coronavírus chegou ao Brasil e precisamos nos enclausurar, vira e mexe me pegava pensando nas pessoas que moravam sozinhas, se estavam segurando a barra e de que forma faziam isso. Até que pouco tempo depois me vi exatamente na mesma situação. De repente eram apenas meus seis bichos de estimação e eu.
Não foi um momento fácil, mas entre altos e baixos, posso dizer que descobri um novo universo. E me dei (mais) conta do significado das pequenas coisas. Tomar uma taça de vinho. Preparar o meu café. Cuidar das minhas plantas. Organizar as gavetas. Jogar velhas coisas fora. Mudar a decoração da casa. Dizer sim para coisas que costumeiramente eu diria não. Dizer não para coisas que rotineiramente eu diria sim.
Mais ou menos na mesma época eu me rendi à terapia. E uma das várias boas coisas que ouvi da minha psicóloga foi: “O equilíbrio não existe. Um corpo em equilíbrio está morto. Você está viva. Precisa aprender a lidar com as oscilações de emoções, humor e estado de espírito”.
Aos poucos fui tentando fazer isso. Se me percebia triste, optava por sentir até a última gota daquela tristeza. Se me percebia alegre, vivia aquele momento de alegria. Se me percebia em desespero, primeiro chorava. Depois conversava comigo mesma até me acalmar. Talvez pela primeira vez na vida eu tenha me dado colo. Tenha olhado para mim mesma com mais compaixão e com menos julgamento. Tenha entendido, e acima de tudo aceitado, que por inúmeras vezes errei, mas que as ferramentas que tinha em mãos não eram suficientes para me fazer acertar.
Fui entendendo que por mais que seja bom ter amigos, família, hobbies e coisas legais para fazer, em alguns momentos, inevitavelmente, será apenas você. Você e seus medos. Você e seus traumas. Você e suas vulnerabilidades. Você e suas culpas. Você e suas inseguranças. Você e suas esquisitices. Você em toda a sua versão mais humana e repugnante possível. Você e sua verdade, nua, crua, escancarada, incômoda e quase que insuportável. Você e aquele seu lado que ninguém conhece. Às vezes nem mesmo você.
Eu sei, não é dos mergulhos mais fáceis e prazerosos de se fazer. Até porque, em algumas camadas, você encontrará um limbo. Mas se tiver a ousadia de arriscar e descer um pouco mais, poderá se surpreender com águas claras e profundas, nunca antes navegadas. Se conseguir atingir essa profundidade, muito provavelmente não fará outra coisa a não ser se abraçar, se acolher e se compreender. Mas para isso, será preciso se encarar, com coragem, e olhar fixamente para seus aspectos mais sombrios e perturbadores, até que eles comecem a se desvanecer. E quando toda essa nuvem escura se dissipar, lá estará você, em toda a plenitude de sua essência.
Encerro o texto de hoje, primeiro, indicando o filme Into the Wild (Na Natureza Selvagem). Uma das frases mais famosas da obra, e a maneira como a sua conclusão é construída, a meu ver, se encaixam com o que foi abordado acima.
E por último, citando Pablo Neruda: “Algum dia, em qualquer parte, em qualquer lugar, indefectivelmente, te encontrarás a ti mesmo, e essa, só essa, pode ser a mais feliz ou a mais amarga de tuas horas”.
Com toda a humildade possível, complementaria essa frase dizendo: “pode ser a mais feliz ou a mais amarga de tuas horas, a depender do tamanho da sua coragem e do quanto é capaz de imergir em si mesmo”.