A Soma de todos os receios (Parte IV)

A Soma de todos os receios (Parte IV)

A Soma de todos os receios (Parte IV)

"Aqueles que não choram, não vêem". Para quem não conhece a citação, é de Victor Hugo, em "Les Misérables". E tem um significado duro, tão duro, do qual ninguém deveria querer ver evidências.

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Chegámos onde sabíamos, mesmo inconscientemente, que íamos chegar. Estamos agora no inicio do Inverno e com uma segunda vaga em curso. Assistimos ao pânico de governantes, à impotência de funcionários estatais, à histeria dos 'média', à desconfiança dos números, e, mais uma vez, à arrogância de especialistas e 'tudólogos' que aparecem, saídos de todos os buracos, para tomarem decisões acerca das nossas vidas.

Quando grandes danos se tornam difíceis de ignorar, eles são lamentados como danos adicionais causados pela Covid. Mas o impacto da ideologia política na preocupação e no comportamento durante esta pandemia de COVID-19 é hoje evidente. As crenças sobre questões objectivas são, de facto, causadas em grande parte pela identidade política. E isso tem-se sentido nas crenças sobre a gravidade da pandemia, que tendem a alinhar-se com os compromissos ideológicos. Depois de semanas com o tema das eleições americanas, também Portugal sofre agora as crenças de identidade à porta das cabines de votação. Infelizmente as decisões sobre medidas, como o distanciamento social ou confinamentos, dependem muito de como se avalia a seriedade do risco representado pelo vírus.

Apesar de pouco relevante na cultura politica nacional, ficámos "especialistas" até há recente "Super Tuesday", em discursos marcantes das diferenças entre conservadores e liberais. Os conservadores tendem a ver o livre arbítrio como o principal impulsionador dos resultados na vida, enquanto os liberais aceitam melhor a ideia de que a aleatoriedade desempenha um papel. Esta é uma clivagem que importa compreender, porque marca diferenças significativas de pensamento e de decisões políticas, mas também ajuda a compreender os terríveis discursos que ouvimos nos últimos dias em Portugal, seguidos de análises de comentadores de bancada. A tendência de atribuir resultados a acções propositadas em contexto da pandemia, é uma realidade universal que nos leva, por vezes, a atribuir também consequências negativas nas nossas vidas a esses formuladores de politicas e opiniões ao invés de atribuí-las ao próprio vírus.

É altura de se fazer um esforço para trazer o foco da situação que vivemos para a magnitude do sofrimento. Por todo o mundo, o coronavírus e as suas restrições estão a empurrar comunidades já famintas até ao limite. Milhões de pessoas perderam os empregos. Assistiram e assistem impotentes enquanto as suas escassas economias diminuem. Além das questões alimentares, virão agora os problemas com a ajuda médica. Esta semana que passou viu a esperança de alegadas possibilidades de existência de vacinas para breve ameaçadas com questões de logística e armazenamento. Chama-se capacidade. Afinal, e usando a célebre expressão de James Carville, "é a economia, estúpido".

Na educação basta olhar para as crianças. Nunca enfrentaram uma crise como esta. Kailash Satyarthi, Prémio Nobel da Paz em 2014, dizia há dias numa entrevista que "não se trata apenas de crise de saúde ou crise económica. Esta é a crise da justiça, da humanidade, da infância, do futuro de uma geração inteira." A organização Save the Children alertava também para o facto das crianças se encontrarem em "risco de sofrimento psicológico duradouro devido aos bloqueios provocados pelo coronavírus".

Estamos à beira de um impacto profundo, sem precedentes, na saúde mental e no bem-estar emocional das pessoas. Verifica-se já um aumento significativo nos casos de ansiedade, depressão e mortes por suicídio. A pandemia destacou as crescentes desigualdades em todo o país, com aqueles que já são mais vulneráveis a serem afectados de forma desproporcional. Há vidas desmoronadas, sonhos desfeitos e assistimos à morte devido à depressão, dependência, outras doenças não tratadas e até à fome nalguns casos.

Então, como chegámos aqui e o que vai acontecer a seguir? Esta é a pergunta para a qual ansiamos que alguém tenha uma resposta.

A COVID-19 é, sem dúvida, uma doença real e que deve ser levada a sério. Os nossos esforços para controlá-la acarretaram, e continuarão a acarretar, altos custos e consequências inesperadas. E, sendo uma realidade, precisamos de lideranças competentes, de informação credível, de políticos corajosos, capazes de dizer a verdade, de científicos confiáveis e de humanistas educadores.

Precisamos de pessoas, cidadãos, numa visão quase aristotélica, que nos ajudem a encontrar verdade e esperança onde parece já terem deixado de existir há muito.

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