Somos cigarras ou somos formigas? Para além da moral da história...
Sou mãe de uma criança de 9 anos e sou pedagoga. Estou coordenadora acadêmica e pedagógica em uma instituição de ensino superior há seis anos, mas atuo no segmento desde 1999 (portanto, há mais de duas décadas). Em todas as minhas atribuições diárias venho apostando na via do diálogo e das construções coletivas. Atualmente sou responsável por duas equipes, cada uma delas com três integrantes, mais uma equipe de quase 50 professores da graduação (incluindo os coordenadores de curso), mais de 20 instrutores (incluindo os supervisores técnicos) e, com todos eles (quase 80 pessoas) procurar buscar o caminho da dialogicidade, pois aprendi com o Paulo Freire sobre a incompletude do ser e sobre as trocas necessárias nas interações humanas, afinal, somos todos incompletos, falhamos, acertamos, às vezes julgamos, outras vezes compreendemos os erros e assim seguimos em nossas relações humanas, sociais, profissionais e, principalmente, pedagógicas, nos ajudando e nos completando.
Na semana passada o meu filho (Davi) antes de dormir pediu para ler uma história para mim, era a fábula da cigarra e a formiga que ele contaria no dia seguinte para as crianças da Agrupada II (ele estuda em uma escola montessoriana desde os 2 anos de idade e a proposta é bastante interessante).
Pensei o quanto essa questão da leitura vai ganhando significado aos poucos e o quanto precisamos estimular com liberdade de escolha e orientação adequada à construção do interesse, mas não será este o ponto abordado aqui nesse texto!
O meu foco será a reflexão construída a partir da análise feita pelo Davi ao terminar de ler a fábula, pois perguntei se ele havia entendido a história e o que ele falaria para as crianças menores na escola no dia seguinte. Quando ele me falou o que havia entendido, tive dificuldade para compreender e considerei que ele não tivesse captado "a moral da história".
A interpretação dele foi a seguinte: mesmo que a cigarra tenho feito a opção por cantar durante o verão sem trabalhar, a formiga entendeu que poderia e deveria abriga-la, ajudando com os alimentos porque assim poderia continuar ouvindo o canto da cigarra, isto é, não houve julgamento ou punição. Na percepção do Davi, houve uma troca, uma complementaridade das ações e até mesmo uma retribuição bacana por parte da cigarra como forma de agradecimento pelo acolhimento, passando a cantar e alegrar o formigueiro no frio do inverno!
Eu sempre fiz uma outra interpretação da história e estava com a minha análise cristalizada no paradigma judaico-cristão, no sentido de que as conquistas só têm valor quando há sofrimento/trabalho árduo, ou seja, é preciso trabalhar duro para não passar aperto e para não incomodar as pessoas pedindo ajuda.
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O meu filho não completou a primeira década de vida e já consegue ter a dimensão da troca, da incompletude dos seres, da construção mútua, sem o foco nas falhas.
Eu, em quase 5 décadas de vida, ao ouvir a fábula mais uma vez (pois é claro que não foi a primeira), ainda estava presa à moral da história amplamente difundida e que acaba por forjar uma lógica pautada na punição: a cigarra não trabalhou durante o verão, passou os dias cantando, que passe frio e fome no inverno, diferentemente da formiga que passou o verão armazenando os alimentos em seu abrigo.
Ouvindo a explicação do meu filho percebi que durante a vida todos nós somos cigarras e somos formigas em momentos diferentes das nossas trajetórias!
A partir da reflexão e da aprendizagem com a interpretação apresentada pelo Davi entendi que precisamos agir considerando a incompletude humana sempre presente em nossas relações cotidianas, pois todos erramos e acertamos!
O importante é que pela via do respeito, do diálogo e da compreensão, possamos evoluir, cantando e trabalhando!
Para o Raul Seixas, as formigas trabalhavam porque não sabiam cantar. Que saibamos ouvir e nos completar em nossas missões diárias, é o que espero com as minhas equipes e com as pessoas com as quais compartilho os meus dias, desafios, receios e conquistas, afinal, precisamos aprender com as formigas, com as crianças e com as cigarras, sempre interagindo e evoluindo. Há quem diga que a cigarra era folgada e precisava sentir o peso da decisão equivocada, mas seguir pela linha do julgamento e da punição não será a minha conclusão aqui, pois meu filho me fez pensar sobre outras possibilidades de análise que combinam muito mais com o que eu penso para o futuro dele e da humanidade, começando pela minha atuação na condição de mãe, educadora e coordenadora.
Pesquisadora Institucional | Recenceadora Institucional | Coordenadora da CPA | Processos Regulatórios MEC | Professora | Mestre em Letras | Especialização em EAD | 25 anos experiência Gestão Acadêmica
2 aLeila Nivea Bruzzi Kling David, a minha interpretação tem relação com o desprestígio da arte em um mundo capitalista. Então, o valor do "trabalho" da cigarra se mostra no seu poder de tornar mais leve o "fardo" do trabalho árduo da formiga. 😊
MBA em Gestão Empresarial | Gestão em Logística | Gestão de CD e Supply chain | Gestão de Operações | Gestão Comercial|
2 aInteressante a analogia e ponto de vista. Por isso sempre temos evoluir e ouvir outras opiniões sobre o que fazemos e aprendemos. Sempre teremos versões, métodos e opiniões que ajudam a crescer e entender de forma diferente.
Desenvolvo programas para potencializar Líderes Logísticos | Mentor Carreiras | Linkedin Top Voice | Coautor 2 livros Liderança | Educador | Palestrante
2 aMuito interessante termos a oportunidade de um outro olhar sobre um mesmo assunto.
Pedagoga | Especialista em Educação Profissional | Formação Continuada | Gestão Educacional | Avaliação de Processos e Programas Educacionais
2 aFantástica a interpretação do Davi! É uma bela e necessária reflexão pra nós, que aprendemos a olhar de outra forma.... a gente aprende todos os dias! Obrigada por compartilhar ❤