Sorria, você está sendo filmado
Não faz muito tempo que houve uma grande discussão sobre a questão de privacidade relacionada às soluções de localização geográfica inseridas em alguns dispositivos, como os automóveis que poderiam trazer chips embarcados, permitindo o monitoramento contínuo do veículo. Ainda que o enfoque fosse monitorar as condições de funcionamento do veículo, muitas pessoas se assustaram com a possibilidade de alguém monitorar onde elas estavam. Com o avançar da tecnologia, as pessoas perceberam que a solução trazia mais benefícios do que ameaças, e passaram a aceitar esse tipo de recurso com naturalidade.
Nos dias atuais, um novo tema surge com força nas discussões sobre privacidade: o reconhecimento facial. Não é novidade para ninguém a enorme quantidade de câmeras instaladas em todos os lugares públicos, além do volume de imagens que as pessoas postam sobre suas vidas nas redes sociais. Então cruzar essas informações, com o uso de soluções de inteligência artificial, não parece mais uma missão impossível.
A China já é o país com o maior índice de utilização de soluções de reconhecimento facial, e não para de investir nesse tipo de tecnologia. Segundo estimativas, atualmente existem mais de 200 milhões de câmeras em funcionamento em todo o país. As imagens obtidas por elas são associadas a dados pessoais por meio de um complexo sistema de identificação e rastreamento. Lá, algumas cidades já dispõem de sistemas tão complexos de monitoramento - apoiados em tecnologia de reconhecimento facial, big data e Inteligência Artificial (IA) - que absolutamente todos os movimentos podem ser monitorados, como é o caso da província de Xinjiang.
Empresas como a startup MegVii possuem soluções muito sofisticadas de vigilância pública que podem chegar a impressionantes 99,98% de precisão no reconhecimento de um indivíduo. Muitas outras empresas, em especial na China, têm soluções similares.
Mas como tudo no mundo virtual, existem aqueles que desenvolvem soluções para burlar os sistemas de reconhecimento facial. A criatividade é enorme, desde maquiagem que faz o rosto desaparecer até um tipo de boné que irradia luz infravermelha sobre o rosto, tornando impossível o reconhecimento da pessoa. É provável que muitas outras soluções surgirão, o que, de alguma forma, retarda o avanço das soluções de reconhecimento facial.
No entanto, mesmo que existam dúvidas sobre a eficácia de 100% no reconhecimento facial, os benefícios são enormes, e fica muito mais fácil tratar as exceções. Por exemplo: em um aeroporto, seria muito mais eficiente separar um pequeno grupo de pessoas que, por alguma razão, não puderam ser identificadas por sistemas de reconhecimento facial, e enviá-las para checagem acompanhadas por agentes humanos. Na China, as filas em aeroportos e estações de trem foram sensivelmente reduzidas com a utilização de sistemas de reconhecimento facial.
Um ponto que não é menor é a estruturação das políticas de governo para o uso desse tipo de tecnologia, observando as regras de proteção de dados e a privacidade dos indivíduos. Apesar de o regime Chinês ser muito menos flexível quando comparado ao de outras nações, as iniciativas para regular o uso de imagens de câmeras em lugares públicos e privados começaram há alguns anos, permitindo aos chineses avanços rápidos na implantação de soluções em comparação com outros países. Um ponto que também contribui muito para o avanço dessa solução na China é o interesse de empresas como Alibaba e Baidu, que enxergam a tecnologia de reconhecimento facial como uma oportunidade de geração de negócios.
Já em países como os Estados Unidos e alguns da América Latina, a aposta de reconhecimento facial está bastante direcionada para controle de pontos de acesso, como as fronteiras e aeroportos. Até 2021, os Estados Unidos, por exemplo, têm o objetivo de realizar o escaneamento de 97% dos passageiros que chegam ao território americano. A proposta é fazer a leitura da face do passageiro ao embarcar, o que permitiria cruzar os dados e identificar quem é a pessoa em detalhes e quais as suas intenções antes mesmo de ela desembarcar no país.
Como se nota, existe um foco primário no uso de tecnologias de reconhecimento facial para segurança, mas elas trazem em sua essência uma mudança de paradigma importante, uma espécie de assinatura facial que, além de controlar aspectos de segurança, podem também ser empregadas por agentes financeiros, lojas, escolas e hospitais, por exemplo, para diversos outros usos. Seja qual for a intenção, está muito claro que existe uma forte corrente no mundo de identificar as pessoas por meio da imagem da face. Com isso, sem dúvidas, podemos esperar vultuosos investimentos nas tecnologias capazes de fazer isso.