Stresse “Quem, se eu gritar, poderá ouvir-me (…)”
O presente artigo não procura explorar as vicissitudes do complexo processo que origina o stresse e os consequentes riscos psicossociais do/ para o indivíduo, mas apenas referir alguns momentos em que podemos integrar o conceito… tocar-lhe ao de leve.
Podemos definir o stresse como uma reação complexa, composta por alterações psicofisiológicas que ocorrem quando o indivíduo se confronta com situações que ultrapassam a sua capacidade de adaptação e resolução.
A pessoa sente que há um desequilíbrio entre as solicitações que lhe são feitas e os recursos de que dispõe para responder às mesmas. Existe uma dimensão subjetiva da avaliação que o indivíduo faz da situação, da forma como interpreta e vive a vida. No interior dessa subjetividade podemos colocar inúmeros sintomas relacionados com o stresse, desde irritabilidade excessiva, ansiedade, perturbações do sono, depressão, dificuldades de concentração, de memória, úlceras pépticas, gastrites, problemas cardíacos, hipertensão, entre muitos outros.
Pese embora a importância do sistema de crenças individual, é importante não descurar os efeitos nocivos que o contexto económico e financeiro provoca na população. O clima de incerteza em relação ao futuro, a insegurança no trabalho, o aumento do desemprego e a redução do poder económico das pessoas. São factores de risco a sobrecarga de trabalho, excesso de tarefas com prazos curtos para a sua execução, pressão constante e falta de apoio por parte dos colegas (que se encontram muitas vezes, também insatisfeitos). Fatores que se refletem num consequente aumento de queixas somáticas, absentismo, menor produtividade e sub-rendimento pessoal. Por ser uma realidade cada vez mais preocupante, sabe-se que ao nível das Organizações vão surgindo campanhas como a criação de lugares de trabalho saudáveis Healthy Workplaces Manage Stress, que pretendem prevenir e tratar o stresse nos locais de trabalho.
No entanto, e sem retirar a importância ao que anteriormente foi descrito, a minha formação, mais próxima de um quadro teórico psicanalítico, e a minha prática clínica, têm evidenciado, uma outra forma de stresse, no que concerne ao pedido manifesto de ajuda que remete para problemas laborais e incluo aqui, pessoas que têm profissões consideradas de elevado risco.
A pessoa em sofrimento que nas sessões iniciais descreve situações de angústia vivenciadas no trabalho, num curto espaço de tempo, começa a apresentar motivos mais íntimos, latentes, relacionados com auto estima, com dificuldades vivenciadas nas relações, dificuldades em sentir prazer nas diferentes áreas da sua vida.
Surge um stresse autoinfligido, que se pode manifestar na necessidade de controlo da realidade exterior, de uma desconfiança paranóide na relação com o outro, na criação de objetivos exacerbados e a idealização de metas inatingíveis. O mundo exterior serve para confirmar ou infirmar, avaliar e validar o seu valor próprio. A pessoa sobrevive acorrentada à admiração e amor que desperta, ou não, no outro. Emergem vivências, sentimentos, sofrimentos que o excesso de trabalho também mascara.
Perante esta possibilidade e independentemente dos modelos teóricos e técnicas utilizadas, a maioria dos profissionais da área da saúde mental, defende que a melhor intervenção, é sempre a prevenção. Quando esta não é possível e porque existem momentos na nossa vida, ou na das pessoas mais próximas, ou até na daquelas que nos parecem mais distantes, em que faz sentido a expressão, “Quem, se eu gritar, poderá ouvir-me (…)” (Rainer Maria Rilke) a função do psicoterapeuta é compreender o sofrimento e a dor mental de quem o procura.
Susana Lizardo
Psicóloga Clínica na Psi. Psicologia e Psicoterapia
(In Justiça.com)