A sua alimentação é uma ação política
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A sua alimentação é uma ação política

A alimentação sempre esteve envolvida na nossa evolução e na nossa organização social. Na Pré-história, por exemplo, a separação das tarefas alimentares de caça para os homens e de coleta para as mulheres, já demonstrava claramente o trabalho segregando e compartilhando. 

A descoberta do fogo favoreceu o consumo de carne e a preparação mais processual dos alimentos, que nos permitiu um menor processo de digestão e mudou a maneira como nosso corpo absorve os alimentos e a nossa estrutura corporal. E também estimulou a socialização e a domesticação, pois todo o contexto social foi forjado pelas atividades ligadas à alimentação. Existem muitos estudos sobre as reuniões em volta do fogo durante o preparo de alimentos. Essas reuniões eram rituais, danças, celebrações. Havia ali uma interação social motivada pela necessidade fisiológica de nos alimentarmos.

O mundo percorreu longos caminhos desde então. Passamos pelas grandes civilizações, pela expansão (inclusive marítima) na busca pelo domínio de mercados, de novos alimentos e de especiarias, que eram, além de alimentos, sinônimos de poder.

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Caminhamos para a Revolução Industrial e chegamos até a industrialização da agricultura, juntamente com o aumento da expectativa de vida e o crescimento populacional, que nos levou a tomar medidas rígidas e contraditórias no aumento da produção de alimentos.

Enfim, a história é guiada por necessidades. Sejam elas justas ou não, são as necessidades de uns, de alguns ou de muitos, que nos moveram até aqui.

Já entendemos, ou estamos no processo de entender, que os recursos naturais que julgávamos abundantes são finitos, e que a necessidade da vez é entendermos como utilizar esses recursos que são essenciais para nossa sobrevivência de maneira sustentável para o planeta e, consequentemente, para a manutenção da nossa espécie.

A palavra sustentabilidade vem fazendo parte das nossas discussões há algum tempo. E a maneira como nos alimentamos é, com toda a certeza, a chave central disso tudo e o caminho que indica qual mundo estamos construindo ou destruindo.

Aqui, em Portugal, eu tive o prazer de conhecer de perto iniciativas como da ACTUAR, uma ONG focada em desenvolver sistemas alimentares sustentáveis através da implementação de Circuitos Curtos Alimentares, diminuindo os intermediários entre produtores e consumidores, valorizando a produção local, a proteção da biodiversidade e do meio ambiente, com a preservação dinâmica dos recursos endógenos e dos conhecimentos tradicionais, contribuindo para a partilha justa dos benefícios.

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Outra ONG com a qual tive contato por aqui, embora tenha sido fundada no Brasil, foi o YCL (Youth Climate Leaders), que acredita na capacitação de jovens sobre as mudanças climáticas, ligando-os a organizações e empresas. Uma maneira eficiente de levar o debate sobre o clima para os ambientes em que o futuro está sendo desenvolvido.

Muitas startups também vêm surgindo com a intenção de fomentar discussões e nos ajudar na conscientização sobre os impactos que nossas escolhas causam ao planeta. Uma delas, que está agora em Portugal (e que sou inclusive cliente ativa da app), é a Too Good To Go. Eles transformaram uma ideia simples em uma ação poderosa de controle ao desperdício alimentar, ligando os excedentes alimentares de restaurantes e outros tipos de comércio ligados à alimentação a consumidores dispostos a se alimentar de produtos em perfeito estado, por um valor mais acessível. De quebra, ajudam a diminuir a emissão CO2, evitando que alimentos sejam jogados fora. É uma relação de troca em que todos saem ganhando. É o combate ao desperdício de maneira sustentável, consciente e econômica para todos que se envolvem nesse círculo. 

Seja na escolha dos alimentos, das embalagens, na produção, no caminho que esses alimentos fazem até nós, na quantidade do que comemos e do que desperdiçamos, tudo que gira em torno da alimentação precisa ser revisto, estudado e repensado. Acho que deu para perceber ao longo deste texto que, desde os primórdios da nossa civilização, desde os processos que envolvem a nossa alimentação até propriamente os alimentos que escolhemos, tudo é ação política

O que faz surgir a pergunta: como nossas escolhas alimentares impactam o mundo em que vivemos? E será que podemos melhorar essas escolhas para que elas sejam mais justas para o nosso planeta? Citei algumas ONGs e uma empresa que acreditam que sim. Mas não é suficiente, nós precisamos nos tornar agentes ativos dessas mudanças. E isso pode começar na dieta que decidimos seguir e na escolha dos alimentos que colocamos na nossa mesa diariamente.

Pensando nisso, a EAT – Lancet Commission on Food, Planet, Health reuniu 37 cientistas de 16 países para criar uma dieta saudável que desse conta de alimentar uma futura população de 10 bilhões de pessoas dentro dos limites sustentáveis para o planeta. A dieta tem como objetivo transformar hábitos alimentares, melhorar a produção dos alimentos e reduzir o desperdício alimentar. 

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A conclusão a que eles chegaram é uma dieta dividida em metade de legumes, frutas e verduras e outra metade de grãos preferencialmente inteiros, proteínas vegetais (feijões, lentilhas, leguminosas e nozes), óleos vegetais insaturados, quantidades modestas de carne, laticínios e alguns tipos de açúcares e vegetais ricos em amido.

A dieta deixa o caminho livre para adaptações culturais, preferências e dietas veganas e vegetarianas, que podem ser opções saudáveis, mas são escolhas pessoais e não obrigatórias.

Vale lembrar que não existe caminho para uma alimentação consciente e sustentável que não passe pela diversidade dos alimentos. Hoje, segundo a FAO (Food and Agriculture Organization), 75% da alimentação do planeta vem de 12 plantas e 5 diferentes espécies de animais. Existem documentadas entre 20.000 e 50.000 plantas alimentícias no mundo. Porém, apenas arroz, milho e trigo equivalem a 60% das calorias vindas de plantas na dieta humana.

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A Knorr e a WWF (World Wild Foudation) criaram um guia com 50 alimentos do futuro com altos índices nutricionais, que causam menos impacto no meio ambiente, sabor adequado ao paladar humano, culturalmente e economicamente acessíveis e com métodos de produção sustentáveis em grande escala.

Nem todos os 50 alimentos são facilmente encontrados em todos os lugares, obviamente. Mas podem ser, de acordo com a nossa procura. Eles dividiram os alimentos em categorias: algas, feijões e leguminosas, cactos, grãos e cereais, frutas e vegetais, verduras, cogumelos, nozes e sementes.

Dentre eles, existem alimentos muito populares em algumas regiões, outros nem tanto, alguns esquecidos e outros lutando para não desaparecerem.

Alguns alimentos foram importantes para civilizações originárias, como o amaranto, um grão rico em fibras que era muito consumido pelos povos Incas e Astecas, mas que com o tempo parou de ser tão popular.

Outros são populares em algumas culturas e pouco utilizados por outras. Como a Laver, uma alga comestível, conhecida também como Nori, popular por envolver sushis no Japão e difundida para boa parte do mundo somente com essa função. Mas, na Coreia, é consumida como snack e, no Reino Unido, principalmente no País de Gales, ela é o ingrediente principal de um prato tradicional chamado Laverbread, que consiste na alga cozida, temperada e servida quente com uma fatia de pão torrado com manteiga. Existem especulações que dizem que quem introduziu esse alimento na dieta humana foram o Vikings. Mas por que esse alimento estaria nesse guia? Além das algas serem ricas em vitamina C e iodo, elas se desenvolvem abundantemente na água, crescem e podem ser colhidas em um ano, não necessitam de nenhum tipo de agrotóxico e dão equilíbrio biológico à água.

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O guia é muito interessante por unir o passado ao futuro. Traz a perspectiva de que nada precisa ser inventado, não precisamos criar uma supercápsula alimentar. Tudo o que precisamos já existe, já vive por aí em algum lugar do mundo. Alguns já estão inclusive na prateleira do mercado, que você passa com pressa e nem vê, ou vê, mas acha estranho e não compra. Outros já fazem parte da nossa alimentação, mas não damos tanto valor nele assim.

Se comer é um ato político, politize suas escolhas, faça um exercício de incluir parte dessa dieta e desses alimentos no seu dia a dia. Não temos que esperar somente que ONGs como Actuar, o YCL ou empresas como a Too Good To Go sejam criadas para praticarmos e partilharmos a nossa preocupação com o futuro do planeta. Vamos ser protagonistas dessa luta dentro das nossas casas, nas reuniões das localidades, das freguesias e dos municípios, nas escolas, no nosso carrinho de supermercado, no almoço dos nossos filhos. Mudando nossos hábitos, temos o poder de mudar a qualidade de vida das próximas gerações e o futuro do nosso planeta.

Amanda Da Cruz Costa

#ForbesUnder30 | LinkedIn Top Voice e Creator | TedX Speaker | Jovem Embaixadora da ONU | Jovem Conselheira do Pacto Global da ONU | Global Shapers HUB SP | Fundadora do Perifa Sustentável

3 a

Eu ameeeeei!! O jeito como você grifou algumas palavras deixou o texto leve e dinâmico, parabéns <3

Que artigo incrível Cíntia!!! Vc tem um poder de sinterizar as informações muito claramente 👏🏼👏🏼👏🏼 Chega me emocionar esse assunto!!! 

Obrigada por este artigo excelente Cintia!

Claudia Pinheiro 🇵🇹 🇧🇷

Especialista em Recolocação Profissional 🚀 | Portugal e Europa | Mentora de Carreiras | Psicóloga | Executive Search | Estratégia Linkedin | Palestrante | Coach Vocacional | Instagram @claudiapinheiro_coach

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Parabéns pelo artigo Cintia Cruz !!!

Gonçalo Sequeira 🚀

CEO @ Hiire - Helping Companies Hire the Talent They Dream | Content Creator & LinkedIn Top Voice | Speaker & Investor

4 a

Muito bom! a nossa vida é definida em boa parte pelo que comemos :)

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