Sua estratégia de impacto social considera o indivíduo?

Sua estratégia de impacto social considera o indivíduo?

Por Ricardo Mastroti*

Na pequena bolha dos profissionais de ESG e Sustentabilidade é comum ouvir que o dinheiro está disponível, mas não existem bons projetos. Nessa mesma bolha, se fala que bons projetos precisam ser robustos o suficiente para receber aportes, com potencial de escalabilidade e sucesso rápido. Além disso, precisam remunerar os investidores no padrão de mercado. Ah, e se forem instagramáveis, então, melhor ainda.

Mas, é preciso que se entenda: esse estereótipo de bom projeto exclui bilhões de microempreendedores ao redor do planeta; e o verdadeiro impacto não será alcançado por alguns poucos grandes projetos, mas sim por uma infinidade de pequenos esforços, impulsionados por diversos empreendedores sociais.

Para que a transformação seja, de fato, inclusiva e duradoura, temos que ter as pessoas no centro da transformação. Aprendi isso com o mestre, amigo e grande inspiração, Muhammad Yunus, que teve a paciência e a generosidade de me explicar, na Rio+20 (história para outro artigo), o modelo de negócios sociais, e como o impacto do capital paciente cresce exponencialmente com a replicação de tecnologias sociais que funcionam. 

A questão não é (só) criar grandes organizações, mas multiplicar pequenos negócios sociais que possam replicar suas tecnologias sociais.

A Natureza realiza grandes tarefas replicando uma mesma solução ad infinitum. Temos uma floresta com milhões de árvores, não apenas algumas poucas árvores gigantescas para cumprir essa função. Cada árvore possui milhares de folhas, ao invés de algumas poucas folhas desproporcionalmente grandes. Como dizia o saudoso economista E.F. Schumacher: 'Small is beautiful'!

Não basta apenas lidar com grandes tarefas (escala), é preciso garantir resiliência ao mesmo tempo. Mais uma vez, a Natureza nos ensina que, para atingir a resiliência, ela utiliza uma combinação de descentralização, variabilidade e redundância.

Depois desse feliz e inesquecível encontro com o Nobel da Paz, em 2012, saí transformado e mergulhei de cabeça no mundo dos negócios sociais. Ajudei a  trazer a iniciativa Yunus Social Business para o Brasil, e  criei a Bemtevi Negócios Sociais com o Eduardo Pedote e o Fernando A. Simões Filho

Em 2025, o primeiro investimento da Bemtevi, criada para fortalecer empreendedores sociais no Brasil, completará 10 anos. 

Na Bemtevi, nosso foco é cuidar dos verdadeiros cuidadores. De pessoas, de empreendedores que muitas vezes não encontram apoio para desenvolver seus negócios de impacto. Ou porque poucos estão dispostos a desenvolver esses empreendedores e seus projetos e preferem projetos já prontos e aptos a receber recursos, ou porque o impacto não atinge a escala esperada dentro do prazo, ou ainda porque não proporciona o retorno financeiro desejado. Não é raro ver empreendedores com bons projetos serem privados de apoio e do acesso a recursos.

Pessoas como a Lilian Prado , co-criadora da ONG ACREDITAR.MICROCREDITO , que fornece a mulheres dos municípios do Agreste e da Zona da Mata pernambucana microcrédito para os seus projetos, cursos de Educação Financeira e capacitações, impactando, dessa forma, a vida de milhares de famílias.

Pessoas como o Thiago Vinicius , idealizador da Agência Popular Solano Trindade, um hub que integra armazém de produtos orgânicos, coworking, restaurante, espaço cultural e rádio comunitária na zona sul de São Paulo (SP), levando serviços e produtos acessíveis para moradores da periferia.

Lilian e Thiaguinho ganharam prêmios, foram destaque na mídia nacional, mas, mesmo assim, não obtiveram o apoio para seus empreendimentos quando precisaram. Por que? 

Urge mudar esse mindset. Sim, o desafio é grande: o Brasil figura entre os países mais desiguais do mundo e é o mais desigual das Américas. 

Precisamos de escala, mas não chegaremos lá com soluções e modelos que excluem o indivíduo. As empreendedoras e empreendedores são a solução, geram as tecnologias sociais e sustentam o impacto. 

A sua estratégia de investimento considera os indivíduos, ou exclui em prol da escala?


Acreditar | Agência Solano Trindade



* Ricardo Mastroti | Meu propósito é redirecionar capital de investimentos que geram danos sociais e ambientais para aqueles que sustentam e regeneram a Vida. Eu falo sobre biomimética, inovação, impacto social e sustentabilidade corporativa.


Hellen Morais

Jornalista | ESG | Expert em Inovação, MKT e Comunicação | Transformo Negócios com Sustentabilidade e Reposicionamento Estratégico

3 m

Ricardo Mastroti , urgente e necessária a sua reflexão! Mais cedo, eu estava conversando a esse respeito com minhas filhas e com uma amiga delas, as três preocupadas se escolheram profissões que darão a elas autonomia ou oportunidades reais para fazerem o que pessoas sem voz na sociedade tanto precisam. A conversa renovou minhas esperanças. Quando eu estava prestes a fazer vestibular, mais de 30 anos atrás, a conversa entre estudantes era sobre qual profissão permitiria que comprássemos um bom carro antes de completarmos dez anos de formados.

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