Subsídios práticos para implantação do teletrabalho
Neste artigo são oferecidos subsídios para aqueles que estão envolvidos com a implantação do teletrabalho nas organizações, públicas ou privadas, apresentando proposta de trabalho que contempla duas etapas, uma de cunho analítico, que trata da viabilidade de implantação, e outra propositiva, que delimita os contornos da prática. Subjacente às indicações que são fornecidas neste material está a ideia de que é necessário se trabalhar com metodologia desde as fases iniciais, dada a complexidade do assunto e os impactos que a sua introdução provoca na dinâmica das organizações.
O primeiro ponto a ser explorado num processo de implantação do teletrabalho é verificar se as pessoas que trabalham na organização sabem, de fato, o seu significado. É possível que certos grupos restritos saibam, mas no geral o mais provável é que exista certo nível de desconhecimento e confusão a respeito do assunto.
Um esforço inicial então é tornar o conceito de teletrabalho claro para todos. Isso pode ser feito com a utilização de vários recursos, como palestras internas com especialistas e publicação de matérias informativas, por exemplo.
Esse esforço de comunicação deve ser feito de tal maneira que permita captar a receptividade dos membros da organização à adoção da prática do teletrabalho, que trará impactos significativos no dia a dia de trabalho dos que laborarem remotamente. Se as pessoas estão abertas a essa novidade, pode-se prosseguir com a abordagem. Em caso de se encontrar uma cultura refratária ao trabalho remoto, é preciso identificar as causas dessa resistência e trabalhar cada uma delas, por meio de informação e compartilhamento de experiências exitosas de outras instituições.
Na sequência desse primeiro movimento, faz-se necessário identificar se há na organização pessoas com conhecimento sobre o assunto que possam liderar uma comissão de implantação de teletrabalho. Caso não haja, é possível optar pela capacitação, o que levará um pouco mais de tempo. Se a dimensão temporal é um fator crítico, a opção de contar com uma consultoria é impositiva. Porém, mesmo nesse caso, não se deve abrir mão da capacitação dos que acompanharão de perto o trabalho da consultoria.
Equalizado internamente o conceito de teletrabalho, definida a participação ou não de consultoria, e tendo como base a constatação de que a cultura e os valores organizacionais não são impeditivos para a adoção do teletrabalho, é hora de a liderança da implantação mobilizar o repertório de competências da equipe para dar conta do desafio. Basicamente, são duas as entregas esperadas, a saber:
(1) análise de viabilidade de implantação; e
(2) projeto piloto.
Equalizado internamente o conceito de teletrabalho, definida a participação ou não de consultoria, e tendo como base a constatação de que a cultura e os valores organizacionais não são impeditivos para a adoção do teletrabalho, é hora de a liderança da implantação mobilizar o repertório de competências da equipe para dar conta do desafio.
Essas entregas podem ser feitas de forma separada ou podem compor um único relatório, devendo cada instituição avaliar o que melhor se encaixa na sua realidade. Se a organização é mais tradicional, talvez se deva optar por apresentar as entregas em separado, como forma de se dar um tempo maior para internalização pelo corpo funcional das mudanças que estão sendo propostas. Já no caso de organizações mais modernas, com uma cultura mais ágil, o mais indicado é fundir essas duas entregas em um único relatório.
Na análise de viabilidade devem ser verificadas pelo menos oito vertentes, quais sejam:
(1) estratégica, na qual deverá ser avaliada a aderência do trabalho remoto ao planejamento estratégico da instituição. Para os casos em que não há planejamento nesse nível, a identificação de elementos que indiquem as diretrizes estratégicas da organização pode superar essa carência.
(2) jurídica, que buscará identificar como a organização deverá enquadrar a prática no arcabouço de normas trabalhistas em vigor, podendo para tanto contar com subsídios de parecer externo.
(3) tecnológica, por meio da qual será avaliado o grau de prontidão dos recursos de tecnologia da informação disponíveis na organização para dar conta do trabalho realizado remotamente.
(4) de gestão de pessoas, na qual se avaliará os impactos do teletrabalho para os teletrabalhadores, os telegerentes, entendidos estes como os que gerenciam pessoas em trabalho remoto, e aqueles que permanecerão laborando em regime exclusivamente presencial. Nessa vertente, também se deve avaliar o grau de maturidade da unidade de gestão de pessoas para condução da implantação, mesmo levando em conta as facilidades que uma possível consultoria possa aportar ao processo.
(5) de processos, que verificará nas áreas fim e meio da organização o grau de maturidade na gestão de processos, identificando como a situação atual dos processos pode colaborar ou dificultar a realização do teletrabalho.
(6) de comunicação, que dará conta de capturar as necessidades de comunicação da nova modalidade de trabalho ao corpo funcional, inclusive identificando ferramentas mais adequadas para que o processo seja exitoso.
(7) de logística, que abordará os potenciais impactos logísticos com a adoção do teletrabalho, buscando deixar claro para as camadas decisórias o nível em que a organização será impactada.
(8) econômico-financeira, na qual deverão ser avaliados os custos com a implantação do teletrabalho, bem como o retorno sobre o investimento que pode gerar.
Da análise dessas vertentes, há duas conclusões possíveis:
a) a organização não está preparada para a implantação do teletrabalho, situação em que deverão ser demonstradas em cada vertente analisada as dificuldades encontradas. Além disso, é importante que se indiquem medidas para superar essas dificuldades, inclusive com a sinalização de investimentos necessários e do prazo para alcance de condições favoráveis com a adoção das medidas apontadas. Importante registrar que com algum nível de investimento e esforço é possível em muitos casos reverter um quadro inicial desfavorável à adoção do teletrabalho. Um outro ponto a destacar é que, mesmo para aquelas organizações em que a questão da presencialidade é muito forte, é possível que sejam identificadas atividades compatíveis com o teletrabalho.
Um outro ponto a destacar é que, mesmo para aquelas organizações em que a questão da presencialidade é muito forte, é possível que sejam identificadas atividades compatíveis com o teletrabalho.
b) a organização está preparada para a implantação do teletrabalho, devendo ser especificado no relatório se essa implantação pode ser imediata ou se são necessários ajustes. Registre-se que os ajustes podem ser feitos durante a própria elaboração da proposta de projeto piloto, fase subsequente à análise de viabilidade.
Uma vez concluída a análise de viabilidade é hora de divulgar os resultados, na esteira de um processo de comunicação que deve ser contínuo, não restrito aos momentos de conclusão das entregas previstas.
Com os resultados apontando para a viabilidade, o trabalho na proposta de projeto piloto deverá ser iniciado imediatamente. Essa fase deve contemplar as seguintes definições:
(1) motivadores da implantação, que determinam as diretrizes gerais para a ação. Esses motivadores podem estar relacionados à redução de custos, à qualidade de vida no trabalho, à retenção de talentos, ao aumento da produtividade, etc. A proposição desses motivadores deve ser feita a partir da realidade identificada na organização, não como uma elaboração meramente teórica.
A qualidade de vida dos trabalhadores é um dos principais motivadores na implantação do teletrabalho nas organizações públicas e privadas.
(2) modelo, com a definição da frequência em que o trabalho remoto será realizado, se em regime integral, situação em que o trabalho é realizado remotamente todos os cinco dias da semana, com idas programadas à organização em ocasiões específicas, ou em regime parcial, com a alternância de trabalho remoto e presencial dentro da semana (dois dias em casa e três no escritório, por exemplo).
(3) locais de realização do trabalho remoto, com delimitações claras dos lugares onde poderá ser praticado. Importante levar em conta que no piloto às vezes se opta por uma restrição maior, limitando o local ao domicílio, com a finalidade de se verificar nessa fase experimental os impactos que o trabalho remoto produz na dinâmica familiar.
Em muitos casos o teletrabalho é realizado na própria residência, o home office, mas outros lugares também podem ser utilizados, como espaços de coworking, cafés, bibliotecas, etc.
(4) metodologia para identificação da amostra, que será aplicada na escolha dos participantes do projeto piloto. Duas formas comuns de se chegar à amostra são a identificação de unidades organizacionais com contexto favorável à implantação do teletrabalho e a seleção por meio de edital. Não há metodologia certa ou errada em termos absolutos, há escolha mais adequada para certo contexto organizacional. A cultura e a dinâmica da instituição é que devem determinar a escolha da metodologia.
(5) duração, que fixa a extensão do projeto piloto, devendo ser adequada aos seus objetivos. Nos primórdios da implantação do teletrabalho, falava-se em pilotos com duração de um ano. Com o avanço da prática nas instituições públicas e privadas, esse tempo foi reduzido, falando-se atualmente em pilotos de duração menor, de seis meses ou até menos. De novo, não há certo e errado nessa questão, devendo os idealizadores do projeto identificarem a dinâmica da organização, para assim calibrar a duração apropriada ao caso.
(6) delimitação das atividades, que especificará o escopo das atividades a serem realizadas em teletrabalho, que deverão ser compatíveis com esse regime. Algumas instituições adotam plano de trabalho para o período de duração do piloto, inclusive com o estabelecimento de metas. Há também casos em que o trabalho por projetos já está internalizado, facilitando o controle por parte dos gestores. Fato é que se deve buscar uma delimitação clara do que será feito, principalmente para o caso do regime parcial, dado que nesse modelo há possibilidade de se confundir as atividades feitas remotamente com as realizadas em regime presencial, o que pode dificultar o controle da produtividade.
(7) controle de frequência, dadas as implicações legais que esse tema apresenta. Algumas instituições controlam a presença dos que trabalham remotamente, outras não fazem nenhum controle, entendendo que essa é uma premissa do teletrabalho. Cada instituição deve buscar apoio jurídico interno ou externo para definição dessa questão.
(8) controle do desempenho, com a definição dos instrumentos a serem utilizados para a gestão do desempenho dos participantes do projeto piloto. No caso do plano de trabalho, o controle se dará pelo acompanhamento de sua execução. A mesma lógica se aplica aos casos em que se trabalha por projeto. Para qualquer ferramenta que se adote, o importante é fazer o acompanhamento de forma contínua, com a sinalização imediata de quedas na produtividade, seguida de medidas saneadoras.
(9) capacitação dos participantes, fundamental para o êxito do piloto, devendo contemplar não somente teletrabalhadores e telegerentes mas também os que não farão parte do piloto, que trabalharão no regime exclusivamente presencial.
Na capacitação dos trabalhadores em regime exclusivamente presencial, há recados importantes a serem dados, como: (1) não haverá sobrecarga de trabalho pelo fato de membros da equipe estarem trabalhando de forma remota, e (2) os remotos podem ser acessados normalmente pelos presenciais no dia a dia.
(10) vedações à participação, que visam à preservação da prática na organização. Cada instituição deverá identificar as vedações que lhe sejam mais sensíveis. As vedações geralmente estão associadas ao baixo desempenho, a situações de falta disciplinar ou ética, a situações de gozo de licença, ao período de experiência ou estágio probatório, ao período mínimo de efetivo exercício, etc. Essas vedações visam salvaguardar a qualidade do piloto, dada a avaliação que será feita ao seu final e ao desejo de que se transforme em atividade de caráter permanente na forma de um programa de teletrabalho.
(11) avaliação dos resultados, essencial para correções durante a execução do projeto piloto e, ao final de sua duração, para verificação da pertinência de sua continuidade e ampliação na forma de programa de teletrabalho em caráter definitivo.
A avaliação deve ser feita durante toda a duração do projeto piloto, não se deixando para o seu término eventuais correções que sejam necessárias, sob pena de se comprometer o próprio resultado final.
(12) regulamentação, com a definição dos instrumentos jurídicos e de gestão de pessoas que devem suportar a prática na organização, com a finalidade de dar a segurança normativa necessária à nova modalidade de trabalho.
(13) equipamentos utilizados, inclusive com a definição da responsabilidade pela sua disponibilização, se feita pela organização ou pelo empregado.
Uma das questões levadas em conta no momento da definição da responsabilidade pela disponibilização dos equipamentos é a segurança da informação.
No projeto piloto também devem constar os critérios que serão utilizados para a sua avaliação, que podem incluir a percepção dos participantes, os impactos na produtividade e o retorno sobre o investimento realizado.
Encerrado o piloto e feita a avaliação dos seus resultados, a organização deverá decidir se haverá nova fase do piloto, com possível ampliação no número de participantes, ou se parte para a consolidação da prática na forma de um programa de caráter permanente. Uma hipótese que não pode ser descartada é a conclusão de que o modelo não se aplica à realidade da instituição, em que pese a indicação positiva inicialmente apontada pela análise de viabilidade. Isso não impede que a questão seja revisitada em momento posterior, ocasião em que poderá ter sido criado novo contexto, seja por mudanças na cultura ou nas atividades que caracterizam o modo de operação da organização.
Encerrado o piloto e feita a avaliação dos seus resultados, a organização deverá decidir se haverá nova fase do piloto, com possível ampliação no número de participantes, ou se parte para a consolidação da prática na forma de um programa de caráter permanente.
Essa decisão está muito relacionada ao perfil da organização ou ao contexto maior ao qual está vinculada. Organizações mais próximas de contextos em que a prática do teletrabalho é usual verão com maior fluidez a transição de piloto para programa. Já no caso de organizações que não têm esse referencial, ou que sintam uma necessidade mais forte de justificar a adoção do teletrabalho, a execução do piloto em mais de uma fase é muito comum e até recomendável.
Por último, no momento da passagem de piloto a programa, todas as variáveis que delinearam a fase experimental devem ser revisitadas, com vistas à verificação da necessidade de ajustes.
A adoção do teletrabalho nas organizações públicas e privadas é um processo complexo, e traz inúmeros impactos para a dinâmica do trabalho. No processo de implantação, contar com abordagem metodológica apropriada na análise das condições internas e na modelagem do projeto piloto contribui sobremaneira para a apresentação de entregas condizentes com a realidade de cada organização, que primem pela clareza e pela consistência.
Auditor Líder do SGI Certificado nas Normas 9001; 14001 e 45001 l Governança - IBGC | Conselheiro | Membro APDADOS | LGPD | Processos | Gerente de Projetos l Lean Six Sigma Black Belt
5 aFalber Reis Freitas parabéns pelo excepcional artigo. Bem completo. Abraço.
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5 aRafael Cavalcante
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5 aParabéns pelo artigo e pelo trabalho, Falber! Cobriu com maestria os principais pontos do processo de implantação do teletrabalho em uma organização.
Advogada Trabalhista Empresarial | Especialista em Compliance e Relações Trabalhistas e Sindicais | Consultoria Estratégica para Empresas de Tecnologia | Treinamentos Corporativos | Promovendo Ética e Integridade
5 aFernando Sollak
Especialista em Fomento à Ciência, Tecnologia e Inovação
5 aFalber Reis Freitas, parabéns pelo enorme esforço, liderança, persistência e dedicação à causa do Teletrabalho na nossa FINEP. A Agência da Inovação dá agora um passo há muito esperado na direção da inovação interna, tão necessária em todo o Estado Brasileiro. E o talento para escrita e didática está também mais que comprovado, não é mesmo? Um grande abraço. Realmente espero que você possa contribuir com essa experiência exitosa em outros Órgãos Públicos.