As surpresas que nunca o são
(Declaração de interesses: não pertenço, nem sou simpatizante de qualquer partido político ou ideologia política. Pertenço a uma família de ex-comunistas desiludidos e, portanto, dissidentes.)
Há choros que, ao longo da vida me habituei a ver nos outros, que não consigo deixar imitar. São como emoções memorizadas que o cérebro despoleta automaticamente sem sequer me avisar: o choro da minha avó quando Nossa Senhora de Fátima é recolhida à capelinha, o tremor no queixo da minha mãe quando, na televisão, vê incapaz o desespero das pessoas que tentam lutar contra o monstro do fogo e, num ápice, veem o trabalho de uma vida perdido em vão.
Enquanto profissional de comunicação, tive a oportunidade de, depois de 2017, falar com um dos responsáveis do relatório sobre os fogos de Pedrógão Grande e do Pinhal de Leiria. Segundo ele, o que aconteceu em 2017 foi a tempestade perfeita. Condições atmosféricas completamente anormais, imprevisíveis, nunca vistas e sem cartilha para reagir. Mas houve também incúria. A estrada da morte, como ficou tristemente conhecida, estava cheia de combustível, de um lado e do outro, algum até crescia para a estrada. A maioria das estradas secundárias em Portugal, disse-me, são estradas de morte. Não há planeamento, não há distanciamento entre o potencial combustível. Em anos de seca, como este, um rastilho (pequenino) é o que basta.
O Governo tem feito um périplo pelo país para mostrar que o combate está pronto. E a prevenção? Não tenho conhecimentos suficientes, confesso, para afirmar categoricamente que o governo falhou aí. Só que já me habituei a que sucessivos governos usem o combate para conquistar capital político, sem que a prevenção tenha existido.
Há uns anos, uma antiga deputada municipal do PSD de Espinho falava comigo sobre os presidentes de câmara que tivemos até agora. Mencionou um que me levou a reagir: "Ui, desse quase nem me lembro, não fez absolutamente nada". Ela respondeu-me: "Aí é que te enganas. Foi ele que melhorou todo o saneamento do concelho. Mas tu não viste. Ninguém viu. Não dá votos. Mas ele foi um dos melhores presidentes de câmara que tivemos".
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É a pensar nisso, que me sinto cansada das políticas deste país (e, por amor de Deus, não digo que sejamos o único... talvez a maioria seja assim). O SNS entrou em rutura. Foi novidade para alguém? Pelos vistos, para o Governo foi. Não há planeamento florestal, os bombeiros não têm meios suficientes de combate aos fogos, 2022 foi um dos anos mais quentes de que há memória... Foi novidade para alguém que isto ia explodir? Pelos vistos, para o Governo foi. Os professores estão velhos, desmotivados e, um dia destes, vai haver uma rutura no sistema de ensino. Para quem isto é novidade?
Andamos sempre a correr atrás do prejuízo. Sempre! É, claro, que não sou ingénua e que sei que este país está cheio de interesses a quem não interessa resolver problemas. Há muito dinheiro a ganhar por aí...
Eventualmente, terei cometido alguma "bacurada" aqui pelo meio, talvez não esteja suficientemente informada, não ando pelos meandros ou pelos corredores da política ou dos lobbys (graças a Deus! O meu estômago agradece). Mas temos mais uma época de fogos. Mais lágrimas, mais desespero, mais pessoas a correr de um lado para o outro sem saber a quem mais chamar para que as acudam. Mais animais mortos. Mais culturas perdidas. Mais velhinhos a morrer de calor...
Nada disto poderia ter sido evitado?
General Ledger - Faurecia
2 aParabéns , deu muito que pensar :)